31 de dezembro de 2012

2012 | 2013

Este é o último post de 2012.
Neste ano consegui dar conta de um projeto com o qual eu sonho há muito tempo. O Trovas de Vinil foi mais do que um sonho que tornei realidade: foi uma terapia e tanto!
Que em 2013 possamos estar juntos através de outras crônicas musicais que estão por vir. Que novas ideias possam aparecer com muita saúde, paz, harmonia e muita música!
Muito obrigado a todos que leram, comentaram e divulgaram o Blog nas redes sociais. Cada participação de vocês fez muita diferença.
E como não sei me expressar sem fazer nenhuma referência a música que rege os nossos corações, que Clara Nunes dê o tom do ano que está por vir!
Beijos e Abraços,
Vinil

TROVA # 16


O ANO DE PATTI SMITH

Patti Smith

          I don't fuck much with the past but I fuck plenty with the future.
― Patti Smith


O ano de 2012 foi um ano e tanto para a música no planeta. Alguns artistas saíram de cena, uns retornaram aos holofotes, outros nos abandonaram para sempre. No entanto, ela retornou ao mainstream com uma bela novidade para os terráqueos destas bandas azuis. Refiro-me à Patti Smith, musa-mor do movimento Punk, artista com “A” maiúsculo e poetisa de grande quilate.  

Nenhuma pessoa do mundo artístico conseguiu fazer o ano de 2012 com tanto brilho como D. Patricia Lee Smith o fez. Em junho de 2012, Patti lançou Banga, seu 11.º álbum, depois de cinco anos sem lançar um novo disco e de oito sem disponibilizar nenhum material inédito. Além disto, um DVD com sua apresentação no Montreux Jazz Festival em 2005 foi lançado co toda a pompa e circunstância. Para a felicidade dos amantes da poesia, vários livros de sua obra poética foram elegantemente reeditada graças ao sucesso de Just Kids (Só Garotos, em português), seu livro de memórias ao lado do fotógrafo e artista plástico Robert Mapplethorpe.


Sobre a capa de seu antológico álbum de estreia, Horses (1975):
         
“Nunca houve dúvida de que Robert faria meu retrato para a capa de Horses, minha espada sonora embainhada por uma imagem de Robert. Eu não fazia ideia de como ficaria, apenas que deveria ser verdadeira. A única coisa que prometi a Robert foi que eu usaria uma camisa branca sem nenhuma mancha.

(...)

          Robert queria fotografar no espaço de Sam Wagstaff, porque a cobertura no número 1 da Fifth Avenue era banhada de luz natural. A janela do canto fazia uma sombra que criava um triângulo de luz, e Robert queria usá-lo na fotografia.

(...)

A icônica capa de Horses, trabalho de estreia de Patti Smith.
Foto: Robert Mapplethorpe
          Robert veio me buscar. Ele estava preocupado porque o céu estava muito fechado. Terminei de me vestir: calça preta de pregas, meia branca de linho, sapatilhas pretas. Acrescentei minha fita favorita, e Robert limpou os farelos de meu paletó preto.

          Fomos para a rua. (...) De alguma forma o dia estava passando muito depressa. Estava nublado e escuro, e Robert ficava o tempo todo vendo se o sol saía. Até que, no fim da tarde, o céu começou a abrir. Atravessamos a Washington Square com o céu ameaçando fechar de novo. Robert estava preocupado que fôssemos perder a luz, e fomos correndo o resto do caminho até o número 1 da Fifth Avenue.

          A luz já estava esmaecendo. Ele estava sem assistente. Nunca conversávamos sobre o que faríamos, ou como ficaria. Ele faria a foto. Eu seria fotografada.

          Eu tinha a imagem na cabeça. Ele tinha a luz na cabeça. Simplesmente.

          (...)

          Largou o fotômetro. Uma nuvem passou e o triângulo desapareceu. Falou: “Sabe, eu realmente gosto da brancura da camisa. Você pode tirar o paletó?”.

          Joguei o paletó no ombro, tipo Frank Sinatra. Eu era cheia de referências. Ele era cheio de luzes e sombras.

          “Voltou”, ele disse.

          Fez mais algumas fotos.

          “Consegui.”

          “Como você sabe?”

          “Eu simplesmente sei.”

          Ele fez doze fotos naquele dia.

          Em poucos dias me mostrou um contato. “Essa aqui tem a mágica”, ele disse.

          Até hoje quando olho para essa foto, nunca me vejo. Vejo nós dois.”

SMITH, Patti. Só Garotos. Tradução: Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 228-230.


          Banga é uma coleção de 13 canções (11 faixas inéditas + + 1 cover emocionante de um sucesso de Neil Young + 1 faixa bônus) que são retratos do pensamento inquieto de Patti Smith. Homenagens a pessoas queridas em meio a uma série de referências literárias, um explorador sagaz, um sonho apocalítptico, uma ode a um povo sofrido, amores que se foram para sempre, dois garotos perdidos no famoso Chelsea Hotel. A mistura de Rock, poesia, atitude, despojamento que Patti faz ao lado de seus fiéis músicos (Lenny Kaye, Tony Shanahan, Jay Dee Daugherty e outros) teve uma boa receptividade da crítica e do público em geral.  

A capa de Banga, o melhor disco lançado em 2012.


          Este é, sem dúvida, um dos trabalhos mais relevantes da obra musical de Patti Smith – ao lado de Easter (1978), Dream of Life (1988), Peace & Noise (1997) e Horses (1975). Graças ao reconhecimento deste disco, Patti teve uma nova oportunidade de ser mais ouvida (e lida) por um público mais jovem. É impressionante a quantidade de jovens que conheceram o legado desta artista graças a Just Kids (o livro) e se encantaram com o novo disco. E são outros os jovens que descobrirão a fúria poética do trabalho de estreia de uma das artistas mais incendiárias da música em todos os tempos.



No entanto, é preciso deixar claro que o responsável pelo ressurgimento de Patti Smith no cenário musical foi Robert Mapplethorpe. A lembrança do amigo e companheiro de andanças nova-iorquinas foi o mergulho inicial que Mrs. Smith fez nas profundezas de sua própria memória e se dedicar ao processo criativo de canções. “This is the girl” é uma bela ode à Amy Winehouse. Já “Maria”, por exemplo, remete à tristeza causada pelo desaparecimento de uma das mais belas estrelas de cinema, Maria Schneider (de O Último Tango em Paris), que Patti conheceu durante sua primeira turnê internacional.

Maria Schneider


No entanto, a faixa-bônus do disco, que recebeu o mesmo nome do incensado livro, conseguiu cumprir com perfeição a tarefa de eternizar Mapplethorpe em versos e sons.  



Patti em foto de Edward Mapplethorpe, irmão mais novo de seu melhor amigo.


      Como mais um ano se acaba e segue rumo às nossas memórias, a tarefa deste momento é propor um brinde à música inteligente, à sabedoria e à rebeldia de Patti Smith, que soube cantar o amor e a liberdade como ninguém soube neste ano chega ao fim. Que em 2013 possamos ter a honra de reencontrar esta grande artista em palcos brasileiros e sentir um pouco desta fúria poética ao vivo!

          Cheers!


Leia um texto sobre Banga, o mais recente trabalho de Patti Smith, no blog Pequenos Clássicos Perdidos:

http://pequenosclassicosperdidos.wordpress.com/2012/08/08/patti-smith-banga-2012/

24 de dezembro de 2012

TROVA # 15


O NATAL SEGUNDO JOHN LENNON


John & Yoko: o casal mais controverso do Rock 'n' Roll
          Natal: tempo de celebrar a vida, de presentes, de muita comida e bebida, de encontros e reencontros, de lugares repletos de gente, de amor e também de hipocrisia (vamos ter o pé no chão, né?). Há anos que deixei de ter aquele sentimento de que o Natal era uma época mágica e tão esperada por mim. Porém, sempre procuro ouvir uma trilha sonora que me deixe mais leve no decorrer desta época do ano.

          De todos os artistas que eu ouço, nenhum é mais simbólico para mim nesta época do ano do que John Lennon. Primeiro porque a primeira vez que eu tive contato com a sua obra foi num fatídico mês de dezembro de 1993; Segundo, porque Lennon teve a infelicidade de ser morto no mês de dezembro de 1980; Terceiro, e mais importante de tudo, porque foi Lennon quem melhor soube traduzir este espírito natalino para os dias de hoje. Sem consumismo, sem excessos, sem falsidade, com um olhar de retrospecto aos anos que chegam e se vão.

          Para a música de John Lennon, todos eram iguais: não importa a sua cor, origem social, idade. Todos fazem parte de um mundo completamente errado e que precisa modificar sua essência. Não me refiro apenas às guerras, refiro-me ao preconceito, ao medo que as pessoas demonstram em aceitar e acreditar naquilo que é novo e uma série de outras coisas. Há uma série de guerras armadas, como também há uma série de conflitos ideológicos, de princípios, de uma ode generalizada ao desrespeito.

          Quando saio em busca das mensagens e dos acordes de Lennon, penso em como foi difícil para ele celebrar a vida diante de tantas infelicidades que a própria lhe deu: uma família desestruturada – Alf e Julia Lennon, pais do astro, viviam entre idas e vidas e simplesmente colocaram o pequeno John de lado –, um primeiro casamento fracassado com Cynthia, as turbulências com os Fab Four e as instabilidades em seu segundo casamento – este, ao lado de Yoko Ono. Acredito que John levou muito tempo para acreditar na tal “magia do Natal” e desejar votos desta tal de felicidade que ele demorou anos para conhecer a todas as pessoas que ouvem a sua música.

          Por isto, é com o “espírito natalino” regado a John Lennon que eu desejo mais um Feliz Natal para os que passam por aqui e leem o que temos a dizer. E que os dias que estão por vir sejam melhores para todos, tal qual diz a canção...


Até breve,

Vinil

  
Happy Xmas (War Is Over)
John Lennon

So this is Christmas
And what have you done
Another year over
And new one just begun
And so this is Christmas
I hope you have fun
The near and the dear one
The older and the young


A very merry Christmas
And a happy new year
Let's hope it's a good one
Without any fear
And so this is Christmas (war is over...)
For weak and for strong (...if you want it)
The rich and the poor one
The world is so wrong


And so happy Christmas
For black and for white
For the yellow and red one
Let's stop all the fight
A very merry Christmas
And a happy new year
Let’s hope it's a good one
Without any fear


And so this is Christmas
And what have we done
Another year over
And new one just begun...
And so happy Christmas
We hope you have fun
The near and the dear one
The older and the young


A very merry Christmas
And a happy new year
Let's hope it's a good one
Without any fear
War is over
If you want it
War is over
Now


26 de novembro de 2012

TROVA # 14


“Where were you in ’72?”


Ao querido Fabio Bridges e tantos outros que viveram
(ou quiseram ter vivido) intensamente o ano de 1972.


          A pergunta que aparece aí no título está em aspas foi vista por mim pela primeiríssima vez na bolsa de uma bela Professora de Espanhol que já trabalhou comigo. É algo que eu adoraria responder, porém infelizmente não estava em lugar algum quando o mundo viveu os ocorridos no ano de 1972 depois de Cristo. Sou um filho dos anos 1980 e carrego nas minhas memórias afetivas (quase) tudo que se produziu nesta década, mas principalmente o que se sucedeu antes de 1981, ano em que eu nasci.

          Um pouco complicado? Muito bem, vamos explicar...

          Sempre fui fascinado por tudo de bom e de ruim que os anos 1970 produziram em termos musicais para a humanidade. Tenho um enorme respeito (e uma inveja declarada, obviamente...) por aqueles que viveram “esta década mucho louca”. Ouço histórias desta época com um prazer redobrado e cansei de pesquisar o que já se sabe sobre o período – com toda a modéstia, isso não significa que sei tanto quanto outras pessoas que se encontram por aí... Antes que surja a pergunta, eu já respondo: sim, eu queria ter vivido nos anos 1970. Volta e meia eu me imagino vestindo calças boca de sino e sapatos masculinos de salto alto, com aquelas roupas nada discretas e aquele hairdo bem típico daqueles dias – lembrando apenas que gosto é algo que não se discute. Como não resolveram conceder asas a esta cobra que aqui vos escreve, vamos disseminar a informação...

*

          Se existe um ano nesta década que definiu de uma vez por todas o panorama musical do planeta, não temos a menor sombra de dúvidas de que foi o ano de 1972 o responsável por uma série de revoluções na música do Brasil e do planeta. Por isso, vamos trazer 10 exemplos deste fato a partir de já:


10) James Taylor – One Man Dog

One Man Dog, quarto álbum de James Taylor, é um dos títulos mais raros de sua discografia. Seu folk rock, seus “la-la-las” e suas canções (algumas mini-suítes instrumentais, alguns rocks e as belas baladas de sempre!) estão muito bem assessorados pela produção eficiente de Peter Asher e por seus fiéis músicos de apoio: Danny Kortchmar (Guitarras), Clarence McDonald (Pianos e Teclados), Lee Sklar (Baixo) e Russell Kunkel (Bateria). Além disso, o disco conta com as colaborações valiosas de músicos tarimbados como Michael Brecker (Sopros), Carole King (Pianos) e as cantoras Linda Ronstadt e a ex-esposa Carly Simon nos vocais de apoio.

          One Man Dog é o álbum que marca o amadurecimento musical de Taylor. A imagem do cantor, mais polida e menos descontraída, casa com letras mais realistas e influenciadas pelas drogas (o cantor foi usuário de drogas por muitos anos, um dos motivos que arruinaram seu primeiro casamento). Se apenas ouvirmos pérolas como “Don’t Let Me Be Lonely Tonight” já temos motivos para elegermos James Taylor como um dos músicos mais brilhantes de sua geração... Um clássico que devemos resgatar e ouvir mais!


9) Transa – Caetano Veloso


          Depois de viver quase três anos exilado em Londres ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso retornou definitivamente ao Brasil em janeiro de 1972. Além de trazer muita saudade, o “Mano Caetano” trouxe na bagagem um dos discos mais cultuados de sua extensa discografia: Transa, cuja capa traz uma imagem do cantor já atualizada para os padrões da época – com um look bastante andrógino, a imagem Caetano está envolta por uma moldura vermelha e com dizeres que se assemelham às fontes tipográficas utilizadas pelos Concretistas anos antes.

          O time de músicos escalados para este disco é estelar: Gal Costa (Vocais de Apoio), Jards Macalé (Violões), Tutty Moreno (Bateria), o produtor (e violonista!), Perinho Albuquerque e uma ainda desconhecida Angela Ro Ro – na época, também vivendo em Londres – tocando uma discreta gaita na última faixa do disco. Já as sete canções gravadas para este disco mesclam Português e Inglês, letras originais, pontos de macumba e poemas barrocos adaptados para o formato canção. Tudo isto sob o olhar cinematográfico com algumas pitadas filosóficas do arauto do Tropicalismo.

          “You Don’t Know Me”, “Nine Out Of Ten”, “Nostalgia (That’s What Rock ‘n’ Roll Is All About) e “Triste Bahia” são amostras de que, apesar de Caetano Veloso se utilizar de palavras de outro idioma para se expressar, a arte deste mestre da canção soava mais brasileira como nunca tinha soado até aquele momento...


 8) Elis Regina – Elis

          A carreira da Pimentinha tomou um rumo definitivo a partir do disco lançado por ela em 1972. O repertório deste Elis é mais político e a concepção musical ficou a cargo de César Camargo Mariano (que modernizou o som da Musa do Beco das Garrafas). O canto da artista está mais contido e menos exagerado como em trabalhos anteriores – sua voz estava no auge da forma e emocionava milhões de brasileiros como nunca tinha feito anteriormente.

Este disco já nasceu clássico simplesmente porque lançou canções inéditas até então como “Águas de Março” (Antônio Carlos Jobim), “Nada Será Como Antes” (Milton Nascimento & Ronaldo Bastos), “Casa no Campo” (Zé Rodrix & Tavito), “20 Anos Blue” (Sueli Costa & Vitor Martins) e a obra-prima da parceria de Chico Buarque e Francis Hime: “Atrás da Porta”. Esta última gravação em especial foi tão emblemática que fez de Elis Regina Carvalho Costa a estrela-guia das cantoras brasileiras. Elis é um trabalho essencial para aqueles que querem se iniciar na obra de uma das maiores artistas deste país.


 7) Maria Bethânia – Drama: Anjo Exterminado


          O título deste LP – editado em CD recentemente – pode enganar os ouvintes mais desavisados da filha cantora de Dona Canô. O Drama que Maria Bethânia lançou em 1972 (no ano seguinte, a Philips lançou Drama: Luz da Noite – gravação ao vivo do show deste disco) é um disco corajoso, arrojado e ousadíssimo para os padrões da época – mérito dos arranjos e produção de Perinho Albuquerque, produtor de vários trabalhos dos Velhos Baianos durante a década de 1970.

          Do ponto de umbanda até a faixa-título (composta por Caetano Veloso em homenagem à irmã), Bethânia canta o melodrama presente no cancioneiro brasileiro – “Bom Dia” (Aldo Cabral & Herivelto Martins),  “Volta por Cima” (Paulo Vanzolini), “Maldição” (Alfredo Duarte & Armando Vieira Pinto) –, o samba do recôncavo de Batatinha – “O Circo” –, pérolas de futuros malditos da MPB como Luiz Melodia e Jards Macalé, além de uma composição própria em parceria com o Mano Caetano (“Trampolim”). É um disco político sem deixar de ser poético. Moderno sem deixar de estar calcado na tradição. E acima de tudo, um disco que revela o essencial da arte de Maria Bethânia Viana Telles Veloso.


6) Stevie Wonder – Talking Book


          Em 1972, “Mr. Maravilha” já tinha deixado de ser o Little Stevie que seguia a cartilha musical da gravadora Motown. Este “livro falante” não era apenas o grito de independência artística definitivo de um gênio, como acabou se tornando uma das peças fundamentais da obra de Stevie Wonder e da música mundial.

          Entre baladas de amor (“You Are The Sunshine Of My Life”, “You And I”) e grooves sensacionais (“Superstition”, “Tuesday Heartbreak”) e algumas pitadas de discurso político contra os EUA da época (“Big Brother”), Talking Book é uma experiência musical quarentona que não distingue sexo, cor ou idade, tal qual qualquer obra-prima...


5) Gilberto Gil – Expresso 2222


          O ano de 1972 foi um ano felicíssimo para a música brasileira. O retorno de Gilberto Gil ao território brasileiro depois de quase três anos de exílio em Londres foi comemorado por muitos de nós. O Brasil ainda penava com os males da ditadura militar de Médici e seus comparsas, enquanto a classe musical ia obtendo seu ganha-pão graças a muitos jogos de palavras, metáforas e irreverência.

          O Expresso de Gil, tão enriquecido de sons, versos e ritmos tal qual o “livro falante” de Stevie Wonder, é uma verdadeira aula de música brasileira. O filho de D. Claudina queria nos levar para o futuro, porém cabe aqui a seguinte pergunta: que futuro seria este? Resposta: um tempo no qual a música deste país consegue conviver com diversas tendências da cena internacional sem deixar de se pautar no melhor da nossa tradição musical, com um discurso despudoradamente místico e alegre. Canções como “Back in Bahia”, “Oriente” e as regravações de “Sai do Sereno”, “Chiclete com Banana” e “Cada Macaco no Seu Galho (Chô, Chuá) são provas não apenas disto, como também do que a máquina de ritmo de Gil sabe fazer de melhor: música de qualidade!   


4) Carly Simon – No Secrets


          Para o seu 3.º disco solo, Ms. Simon decidiu ir em busca do melhor produtor musical do ramo naqueles idos de 1972 – Richard Perry, que já tinha trabalhado até aquele momento com nomes de altíssimo peso (Ella Fitzgerald, Fats Domino, Barbra Streisand, Harry Nilsson) do mundo musical. Gravado em Londres, No Secrets teve a presença de músicos ilustríssimos: Mick Jagger canta os vocais de apoio de “You’re So Vain”, o casal Paul & Linda McCartney deram um canja de altíssimo peso em “Night Owl”, James Taylor – na época, namorado de Simon – fez várias pontas neste disco.

          Este disco reúne o melhor repertório da filha de Richard Simon (co-fundador da Simon & Schuster, uma gigante empresa do mercado editorial norte-americano) em mais de 40 anos de carreira: o lirismo de “The Right Thing To Do”, “Embrace Me, You Child” e “When You Close Your Eyes” contrasta com a (leve) acidez contida em “It Was So Easy”, “The Carter Family”, “His Friends Are More Than Fond Of Robin”, “(We Have) No Secrets” e o mega clássico “You’re So Vain”. Com exceção da identidade do muso inspirador desta última faixa (Jagger? Taylor? Kris Kristofferson? Warren Beatty?), Carly Simon não tinha segredos para esconder de seu público. Ainda bem...


3) David Bowie – The Rise & Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars


          Até 1972, o autor deste disco era um mero cantor que tinha um futuro musical promissor. A partir de Ziggy Stardust..., David Bowie se tornou um rockstar de primeiríssima grandeza.

          Tendo Mick Ronson como seu fiel escudeiro, Bowie arquitetou sua obra-prima e lançou várias das faixas deste disco para a história – “Starman”, “Soul Love”, “Suffragette City” e a faixa título se tornaram obrigatórias em várias turnês seguintes do astro. A intensidade que David Bowie imprimiu ao seu melhor personagem foi tanta que, ao final da turnê, Ziggy precisava ser morto de forma que a arte não se sobrepusesse à vida. As saudades dos fãs são muitas, todavia foi uma decisão acertada de Mr. David Jones, afinal, ele queria encontrar novas (e mais desafiadoras) maneiras de ser eterno. E, pelo visto, trabalhos posteriores como Young Americans (1975), a trilogia Low – Heroes – Lodger (1977-1979), Let’s Dance (1983), Outside (1995), Earthling (1997), ‘Hours...’ (2000) e Reality (2003) conseguiram renovar a figura mítica em torno deste artista tão singular, porém sem o mesmo charme de The Rise & Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars.


 2) Novos Baianos – Acabou Chorare


          O que é, o que é? Um grupo de desbundados com muitas ideias musicais na cabeça vivendo em uma comunidade hippie e que resolve misturar João Gilberto, Jimi Hendrix e o melhor da nossa tradição musical com algumas pitadas do que os tropicalistas nos ensinaram? Se você pensou nos Novos Baianos e o seu segundo disco, Acabou Chorare, acertaste em cheio!

          Durante os anos da ditadura militar brasileira, o jovem que queria se rebelar contra o sistema tinha duas parcas opções: ou ele decidia pegar em armas e se debater com os milicos na rua, ou então, decidia se tornar um junkie e automaticamente riscava do seu dicionário todos aqueles ideais de “Brasil: País do Futuro” ou “Brasil: Ame ou Deixe-o” para curtir os astros e demais curtições através de ácidos, pílulas e várias baforadas da erva maldita! Baby Consuelo (convertida, hoje em dia, na “Popstora” Baby do Brasil), Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Galvão eram os embaixadores de uma nova ordem musical e lideravam um grupo de músicos gigantesco e foram as peças fundamentais não apenas de algo novo que surgia, como também de uma parcela da juventude brasileira que discordava, a seu modo, do que acontecia no Brasil de 1972 através do uso indiscriminado de substâncias ilícitas e de uma criatividade musical e poética sem tamanho.

          Enquanto Caetano e Gil (já considerados como velhos baianos, vejam só!) ainda não davam as caras por aqui, os Novos Baianos decidiram buscar em João Gilberto referências de uma “linha evolutiva” que foi interrompida com o sufocamento do Tropicalismo e fizeram de canções como “Mistério do Planeta” (Morais & Galvão), “Besta é Tu” (Morais, Galvão & Pepeu Gomes), “Preta Pretinha” (Morais & Galvão), “Brasil Pandeiro” (Assis Valente), “Tinindo Trincando” (Morais & Galvão) e a faixa-título obras-primas da canção brasileira. Acabou Chorare é um disco para ser ouvido não apenas como uma referência do pensamento do Brasil em 1972, mas como um dos gritos de liberdade mais originais que o planeta já ouviu...


1) The Rolling Stones – Exile On Main Street

         
           Em 1972, os ingleses Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts, Bill Wyman e Mick Taylor eram nada mais, nada menos do que um grupo de músicos sem pátria tocando em uma banda que vivia à beira da separação. Um tanto radical? Sim. Porém, não havia jeito... Ao contrário de vários brasileiros, que tiveram que buscar exílio na França para escapar da repressão política, os Rolling Stones resolveram se instalar na Riviera Francesa para fugir do cerco do fisco do Reino Unido. Um casarão lúgubre de Villa Nellcote foi o berço de um dos álbuns mais controvertidos e discutidos de toda a história: Exile On Main Street, disco que ocupa o topo deste TOP 10 afetivo.

          Quando Exile foi lançado como LP duplo, em meados de 1972, quase ninguém (para não dizer nenhuma viva alma!) entendeu o que os Stones tinham a dizer. Várias críticas foram bastante negativas ao disco que, hoje em dia, é visto por fãs, especialistas (e pelos próprios músicos) como “a obra-prima do grupo”. Em 18 pérolas originais (e mais algumas inéditas que foram lançadas em uma edição especial de 2010), notamos como Mick Jagger estava no auge de sua forma vocal (estourando as cordas vocais de tanto cantar alto, feito que nem o próprio conseguiu igualar anos depois!); Keith Richards e Mick Taylor faziam de seus riffs e solos de guitarra verdadeiros arsenais de artilharia sonora; Bill Wyman e Charlie Watts eram a cozinha mais elegante e completa do Rock ‘n’ Roll com a imbatível parceria entre baixo e bateria; Os músicos de apoio não ficavam atrás dos membros da banda porque eram de uma eficiência sem tamanho: Nicky Hopkins nos pianos e outras teclas de todos os tipos, Bobby Keyes e Jim Price davam a elegância dos sopros à maioria das faixas do disco, as vocalistas de apoio Venetta Fields e Clydie King (negras, evidentemente!) davam o apoio essencial à voz de Sir Jagger e ao som afro-americano dos Rolling Stones.

          A capa do disco mostra uma quantidade diversa de universos paralelos – são fotos em preto e branco de pessoas anônimas misturadas a Jagger e o seu olhar de eterno desdém; Richards e sua aura de pirata; Watts, Wyman e Taylor como os coadjuvantes necessários para que todas as pedras rolem juntas pelos ouvidos das pessoas. Canções sobre sexo, delírios, jogatinas, política, desilusões amorosas, esperanças perdidas e tantas outras que poderiam ser encontradas em algum verso menos óbvio de Exile On Main Street. Não se trata de um disco para ouvir uma faixa ou duas, é um disco para se ouvir inteiro num sábado de manhã e com o volume bem alto! Para o bem dos Stones, Jagger, Richards & Cia. conseguiram fazer do amargor do exílio uma obra imprescindível para a história da música do planeta. Por isso, ouça-o!


*

          Voltando a pergunta do post de hoje, eu não sei onde eu estava em 1972, mas sei que os caras que estão aqui hoje estavam no ápice de suas carreiras no decorrer deste ano. Seus acordes ressoam como nunca 40 anos depois. E se depender deste blog travestido de máquina do tempo, as notas continuarão ressoando...

 Leia mais sobre outros discos lançados em 1972 no blog Pequenos Clássicos Perdidos, mantido pelo Mestre Fabio Bridges:


13 de novembro de 2012

TROVA # 13*


VIVER: PAIXÃO INVENCÍVEL

Se eu pudesse escolher uma canção para cantar para a lindona da KD Lang, eu escolheria uma do Billy Paul que diz assim: "Thanks for savin' my life, /  for pickin' me up / Dusting me off, making me feel like I'm livin' again..."
 

"Há em tudo o que fazemos
uma razão singular:
É que não é o que queremos
Faz-se porque nós vivemos
E viver é não pensar.
Se alguém pensasse na vida
morria de pensamento.
Por isso, a vida vivida
é essa coisa esquecida
entre um momento e um momento.
Mas nada importa que o seja
ou até que deixe de o ser:
mal é que a moral nos reja,
bom é que ninguém nos veja;
Entre isso fica viver"
(Fernando Pessoa, citado por Zélia Duncan em seu show Pelo Sabor do Gesto)



            Gosto de viver, apesar de saber que esta é uma tarefa bem difícil. Gosto de escrever, mesmo sabendo que o tempo que eu tenho para me dedicar a este blog é bem menor do que eu gostaria. Gosto muito de me expressar, pois sei que cada post é uma tentativa que faço para compreender o universo e expor a maneira pela qual eu vejo as coisas.

            Não tive tantas razões para sorrir nos últimos 30 dias. A decepção com algumas pessoas me fez paralisar temporariamente, porém como bom aquariano que sou, meu lema é sempre o mesmo: andar para frente sem ficar perdendo muito tempo com o que ficou para trás, afinal fazer um museu de si próprio não é nada interessante – é, muitas vezes, uma tremenda tortura.

            E o que podemos fazer para espantar a tristeza e a decepção do nosso caminho? Ouvir música da boa, é claro! Certa vez, depois de um final de semana prolongado que eu enterrei no museu dos meus esquecimentos, me lembrei de um escrito em uma camiseta de uma roqueira brasileira famosa que dizia “Music Saves” – nunca pensei que isto fosse soar algo tão genuíno – e resolvi fazer minhas andanças em busca de novas aquisições musicais para a minha vasta coleção de CDs. Estava caminhando pela rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, quando achei um título que há muito tempo queria conhecer: uma coletânea de KD Lang chamada Recollection. Ao encontrar aquela maravilha em promoção em um sebo da Teodoro, veio a lembrança de que Lang cantava uma das canções mais alegres que eu já ouvi em 30 e poucos anos de retinas um tanto fatigadas: “Summerfling”. Ao saber que esta (além de outros hits) compunha o CD duplo que eu encontrei nas minhas mãos em um dia nefasto do mês de outubro, resolvi não pensar duas vezes e peguei o cartão de crédito para efetuar a compra!

Uma coleção e tanto! OUÇA!!!

            “Summerfling” é mais do que uma mera declaração de amor a uma paixão (passageira ou não!), é uma ode e tanto à vida com direito à alegria do verão que existe dentro de cada um de nós. É um recado aos que estão alegres e tristes, é uma celebração da felicidade que existe nas coisas simples e no simples fato de como é importante estarmos ao lado de quem nos quer bem...


SUMMERFLING
(K.D. Lang / David Plitch - 2000)
Early morning mid July
Anticipation`s making me high
The smell of Sunday in our hair
We ran on the beach with Kennedy flair

Sweet, sweet burn of sun and summer wind
And you my friend, my new fun thing, my summerfling
Laugh, oh how we would laugh at anything
And so pretend a never ending summerfling

This uncommon kinda breeze
Did with our hearts whatever it pleased
Forsake the logic of perfect plans
A perfect moment slipped through our hands

Sweet, sweet burn of sun and summer wind
And you my friend, my new fun thing, my summerfling
Laugh, oh how we would laugh at anything
And so pretend a never ending summerfling

Strange the wind can change so quickly without a word of warning
Rearrange our lives until they`re torn in two

Sweet, sweet burn of sun and summer wind
And you my friend, my new fun thing, my summerfling
Laugh, oh how we would laugh at anything
And so pretend a never ending summerfling


            O clipe de “Summerfling” mostra uma KD Lang sorridente, quase esfuziante, surpreendentemente feminina e, principalmente, vivendo o que a vida pode nos proporcionar de melhor. Há momentos em que necessitamos de determinados tropeços para que possamos sorrir com mais intensidade, por isso, se existem portas que se fecham, certamente haverá portões que se abrem para nós. George Harrison dizia, afinal, que “Love Comes to Everyone” – e, quer saber? Ele estava certíssimo!


Love Comes to Everyone
(George Harrison - 1979)
Go do it,
Got to go through that door,
There's no easy way out at all . . .
Still it only takes time
'Til love comes to everyone.
For you who it always seems blue
It all comes, it never rains
But it pours,
Still it only takes time . . .
'Til love comes to everyone.
There in your heart . . .
Something that's never changing;
Always a part of . . .
Something that's never ageing,
That's in your heart . . .
It's so true it can happen to you all; there,
Knock and it will open wide,
And it only takes time
'Til love comes to everyone.


            Por fim, o melhor é ser como a KD Lang – a quem eu devo a proeza de ter me salvo naquele tal dia – e (tentar) viver a vida como se ela fosse um eterno verão, uma eterna paixão de carnaval. Como a minha memória e os meus pensamentos são extremamente musicais, me lembrei de “Not Too Late”, uma das canções mais bonitas do repertório de Norah Jones, outra cantora de quem eu gosto muitíssimo. Quando estamos em vida, nunca é tarde para dizermos o quanto nos importamos com quem nós amamos.


NOT TOO LATE
(Norah Jones / Lee Alexander - 2006)
Tell me how you've been,
Tell what you've seen,
Tell me that you'd like to see me too.
'Cause my heart is full of no blood,
My cup is full of no love,
Couldn't take another sip even if I wanted.
But it's not too late,
It’s not too late for love.
My lungs are out of air,
Yours are holding smoke,
And it's been like that for so long.
I've seen people try to change,
And I know it isn't easy,
But nothin' worth the time ever really is.
And it's not too late,
It's not too late for love,
For love,
For love,
For love.


Depois que o mal já estiver feito e/ou depois que partirmos para o próximo plano – se é que realmente há um –, não vale a pena rememorar o que ficou para trás, basta esquecer (principalmente daquelas pessoas que te fazem mal!) o que ficou pelo caminho. Vale viver o que a vida nos oferece. Com resignação, mas sem excessos de conformismo – afinal, o sistema adora pessoas que se conformam com tudo e eu não estou aqui para me conformar, estou para ir adiante...

 E que o ex-Beatle fale por todos nós!!!

Blow Away
(George Harrison - 1981)
Day turned black, sky ripped apart
Rained for a year 'til it dampened my heart
Cracks and leaks
The floorboards caught rot
About to go down
I'd almost forgot.
All I got to do is to love you
All I got to be is, be happy
All it's got to take is some warmth to make it
Blow Away, Blow Away, Blow Away.
Sky cleared up, day turned to bright
Closing both eyes now the head filled with light
Hard to remember what a state I was in
Instant amnesia
Yang to the Yin.
All I got to do is to love you
All I got to be is, be happy
All it's got to take is some warmth to make it
Blow Away, Blow Away, Blow Away.
Wind blew in, cloud was dispersed
Rainbows appearing, the pressures were burst
Breezes a-singing, now feeling good
The moment had passed
Like I knew that it should.
All I got to do is to love you
All I got to be is, be happy
All it's got to take is some warmth to make it
Blow Away, Blow Away, Blow Away…


* O post de hoje é dedicado a todos os meus amigos que passam por aqui, em especial para o Nilton M. Serra, que completa 31 anos de idade no mesmo dia em que a Trova # 13 vai ao ar!