6 de agosto de 2014

TROVA # 35


DAVID BOWIE ÉSOM & VISÃO
(UM MINI-DIÁRIO DE VISITAS DA PASSAGEM DA
EXPOSIÇÃO DAVID BOWIE IS... POR SÃO PAULO)

 


 

Antes da Visita

            Em meados do 1.º Semestre de 2013, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo anunciou que a exposição David Bowie is... viria para o Brasil. Diretamente do Victoria & Albert Museum, de Londres, a mostra sobre Bowie impressionou público e crítica por ser uma retrospectiva extensa dos figurinos, videoclipes, fatos e curiosidades em torno do velho camaleão. Não pude me conter de tanta felicidade e anunciei aos quatro ventos pelas redes sociais de que Bowie estava a caminho do Brasil...


            Para a felicidade geral dos fãs e especialistas em Cultura Pop, o David Bowie Archive concedeu acesso ilimitado para que o Victoria & Albert fizesse um apanhado generoso da vida e obra de um dos artistas mais revolucionários de toda a História das Artes. As influências, as ideias, as imagens icônicas, as fases musicais, os figurinos, os manuscritos, os instrumentos musicais, além de suas  expressivas incursões no cinema: todo o universo de David Bowie para entendidos e não-entendidos no assunto em questão estava a caminho de São Paulo. Haja vista que o astro desmentiu todos os rumores de que se apresentaria ao vivo para divulgar o álbum The Next Day (2013), David Bowie is... não deixava de ser uma espécie de consolo para o grande público.

            A partir do final de dezembro de 2013, a imprensa cultural e as redes sociais ferviam em torno do nome de Bowie. Minha paixão pelo astro ficou tão evidente nestes últimos meses que várias pessoas do meu círculo de contatos (amigos, alunos, colegas de trabalho...) associavam os posts no Facebook a mim quando o assunto era o evento sediado pelo MIS-SP. O jeito era esperar até o primeiro final de semana no qual a mostra estaria em São Paulo para poder visitar o velho Camaleão Inglês.


1.º Dia de Visita


            Depois de esperar alegremente pela queridíssima Marie Silvie para seguirmos de carona elegante da Barra Funda até o Jardim Europa, sabia que o tempo de espera pela exposição David Bowie is... não seria longo! Fomos surpreendidos pelo tamanho da fila que estava formada para o evento, visto que não passava das três da tarde de um sábado de verão – as pessoas poderiam estar em um shopping, em um restaurante, tomando sol na piscina, jogando conversa fora na frente da TV, mas preferiram visitar a mostra de David Bowie, para nossa completa surpresa.

            Depois de tirar fotos com a foto da entrada da exposição, uma longa fila para deixar os pertences no guarda-volumes, outra fila nas escadarias do MIS para ver Bowie. Como era sábado, dia de folga e como o “anfitrião” merecia o nosso sacrifício, 40 minutos de espera e um desaforo de um imbecil que estava na fila do bebedouro não tiraram o meu bom humor e a minha excitação. Quando finalmente entramos na primeira galeria do Museu, tenho a surpresa agradável de que necessitamos de um aparelho que capta o som de cada um dos aparelhos de TV presentes na mostra. Depois disto, estaríamos devidamente prontos para adentrar no universo camaleônico...


            E o início se deu com “Space Oddity” e a fascinação de David Bowie pelos mistérios do espaço sideral, com direito a influencias de Stanley Kubrick e o belíssimo macacão de vinil de Kansai Yamamoto para certificar de que David Robert Jones nunca pertenceu a este planeta.  Depois desta entrada memorável, estávamos prontos para conhecermos/reencontramos os manuscritos, as capas dos discos mais importantes, os livros lidos por Bowie em sua juventude e os figurinos que lhe tornaram um verdadeiro astro das artes deste planeta.

 
 
            As vestes de Ziggy Stardust, a camisa e as calças do Thin White Duke, o figurino de Jareth (de Labyrinth), os rabiscos de “Rebel, Rebel” e “Starman”, a capa polêmica (e censurada!) de Diamond Dogs (1974), a inacreditável maquete do palco da Diamond Dogs Tour (inspirado em Metropolis, de Fritz Lang), trechos da trilogia Low - Heroes - Lodger (1977-1979), a apresentação antológica de “The Man Who Sold The World” no Saturday Night Live em 1979, imagens do longa The Rise and Fall of Ziggy Stardust ... and The Spiders from Mars e da turnê Glass Spider, com direito à comoção de “Rock ‘n’ Roll Suicide” e os excessos de coreografias para as canções do controvertido álbum Never Let Me Down (1987) – tudo isto convivia com todo a força do som e da fúria que David Bowie inventou para si e que influenciou tantos artistas de gerações posteriores como Madonna, Morrissey e Lady Gaga (para não citarmos outros). Os fãs saíam estupefatos com a força do conjunto da obra de um artista singular. Os não-fãs saíam admirados com a originalidade de um dos homens que traçaram o mapa da Cultura Pop por mais de três décadas de atividades ininterruptas.
 

 
            Não é nem preciso dizer que o autor destas linhas não tinha a menor vontade de abandonar o Museu da Imagem e do Som. Abandonei o templo camaleônico, não sem antes de adquirir souvenirs da mostra: um DVD do filme Labyrinth, dois broches para decorar o meu crachá do trabalho, e quatro ímãs de geladeira para embelezar os espaços de minha convivência mais intensa – o meu ambiente de trabalho e o lugar onde moro. Tinha uma ecobag linda com uma imagem icônica do Bowie que eu queria muito levar para casa, mas levar tamanha bagatela para casa pela modesta quantia de R$ 70,00 era um desaforo que o meu bolso infelizmente não podia permitir. Fui jantar depois em uma padaria na Rua Estados Unidos feliz e contente, como se tivesse visto David Bowie in person...

 



Depois da Visita

            Como fui visitar a mostra do MIS-SP no primeiro final de semana, vários conhecidos meus conferiram a mostra e compartilharam suas impressões nas redes sociais. Alguns se lembraram carinhosamente de mim durante suas visitas ao velho camaleão inglês, principalmente, pelo fato de que eu procuro tocar David Bowie sempre que posso (seja na sala de aula, seja compartilhando vídeos no Blog e/ou no Facebook).

            Além disto, tive a oportunidade de participar de algumas conversas bem interessantes sobre David Bowie. Alguns diziam que não entendiam o fato da mostra ter se concentrado tanto nos figurinos do artista – procurava justificar dizendo que a essência incomum do tema da mostra residia no fato de que a som e visão precisam caminhar juntos para que possamos entender a complexidade da arte do velho camaleão. Outros vinham conversar comigo e não escondiam a surpresa diante do fato de Bowie ser um artista tão completo. E o melhor de tudo: ganhei de presente de aniversário o livro-catálogo da mostra David Bowie is... com direito às imagens e textos de especialistas sobre um dos artistas mais inventivos dos últimos tempos. Minha biblioteca de música ficou muito mais rica e colorida com o presentaço que ganhei!


            Pensei, no calor de minha inocência daquele rapaz de 19 anos de idade, que iria visitar o Bowie tantas vezes enquanto ele estivesse no MIS-SP como se fosse uma Beatlemaníaca que assistir A Hard Day’s Night ou Help! de oito a dez vezes. Afinal, para um indivíduo que vive e trabalha na Zona Leste de São Paulo, uma ida semanal ao Jardim Europa não é algo tão simples de se fazer quando há tantas responsabilidades rotineiras pela frente (este Blog querido e empoeirado, dentre elas!). O Museu da Imagem e do Som de São Paulo registrou recordes e mais recordes de público por causa de David Bowie (foi a segunda mostra mais visitada em todo o histórico do museu). Até o final desta temporada histórica, o velho Vinil não vai deixar de assinar o seu modesto nome na lista das multidões que foram venerar a arte indefectível do Velho Camaleão...

            Apesar de (quase) todo o legado do David Bowie Archive estar relegado a um “museu de grandes novidades”, o som e a visão de David Bowie jamais demonstra sinais de envelhecimento! Simplesmente porque são atemporais e, principalmente, porque previram a beleza e a frieza das relações humanas em tempos de, como diria Zygmunt Bauman, plena liquidez. No entanto, a densidade de artistas do quilate de David Robert Jones foram os grandes diferenciais para que possamos viver o tempo presente com mais encanto e lucidez...  
 

2.º Dia de Visita


            Os astros gostam de fazer ironias com algumas pessoas e devo confessar que estou no TOP 10 das pessoas que mais recebem brincadeirinhas deste tipo. Depois de uma série de encontros e desencontros, lá estava Vinil velho de guerra na fila para a penúltima noite de exibição da mostra David Bowie Is... Ao contrário dos 40 minutos da primeira visita, tivemos que esperar um pouco mais de QUATRO HORAS para poder rever David Bowie em som e visão. Sim, sou louco! Mas não poderia deixar de perder a oportunidade de rever meu camaleão preferido pela última vez...

            Desta vez, meu foco estava voltado para algumas coisas específicas: queria revisitar a parte da exposição dedicada aos “Sons de Berlim”, os ternos que Bowie usou para cantar “Young Americans” e “Life on Mars?” e para encarnar o Thin White Duke, a sala oval que tocava os vídeos de “Rock ‘n’ Roll Suicide” (com direito a lágrimas que escorriam livremente) e trechos da turnê Diamond Dogs em um caleidoscópio de imagens e sons inebriantemente ensurdecedores. Valeu a pena ficar um pouco mais de 240 minutos em fila esperando por Bowie. Especialmente porque o MIS-SP, editou um catálogo exclusivo da mostra que passou por São Paulo que foi adquirido sem pestanejar, além da possibilidade de poder tirar fotos (sem flash!) dos manuscritos, figurinos e outros instrumentos que fizeram de David Robert Jones um dos arautos mais incontestes de toda a história da Arte.

            Saí exausto do Jardim Europa, porém renovado de uma maneira como se tivesse assistido a David Bowie no Morumbi, no Maracanã, em Wembley ou (por que não ousar dizer?) na minha sala de estar com toda a beleza que os padrões de alta definição de imagem e som poderiam me proporcionar. Que adolescente nunca sonhou com uma experiência de tamanha magnitude? Eu tive, no alto dos meus 33 anos de adolescência...

 

1 de agosto de 2014

TROVA # 34


O Plural (Perdido) de Gal Costa

A felicidade de encontrar um CD raro da musa tropicalista durante minhas férias de verão em São Luís do Maranhão

Gal Costa, Plural (1990)




“Gal dolce still nuovo é a minha dita dicha

Ser plural é detonar toda raiz e detonar-se enquanto raiz

E subdividir-se e multiplicar-se”

(Waly Salomão – Rio de Janeiro, 13 de Julho de 1989)


Um dos meus passatempos preferidos quando viajo de férias é visitar alguma livraria e/ou sebo pela qual estou de passagem. Isto me dá a oportunidade de conhecer um pouquinho melhor a cultura local, como também me dá a oportunidade de garimpar raridades musicais que se encontram indisponíveis dentro do eixo Rio-São Paulo, onde me criei e ainda vivo.

Em São Luís do Maranhão não foi muito diferente de minhas experiências anteriores. Ao caminhar pelas ruas do Centro Histórico da capital maranhense, avistar um sebo cuja área nos permitia acesso a um restaurante de comida típica com ar condicionado era adentrar um verdadeiro oásis, visto que o calor do verão já tinha me cozinhado consideravelmente. Como não tenho vocação para carne de sol (apesar de ser bem moreno), resolvi me apressar e seguir rumo ao restaurante. Depois de alguns minutos já me sentia à vontade para explorar o que o sebo Poeme-se tinha para me oferecer.

Quando o funcionário do sebo me informou que eu poderia me aproximar das estantes de CDs para verificar o que eles possuíam no acervo, fui tomado de uma súbita felicidade misturada com curiosidade e excitação. Música internacional, música clássica, música maranhense, música brasileira... Resolvi me ater à última seção para ver se encontrava algo que realmente valesse a pena. Letra A, letra B, C, D, E, F e nada interessante... Eis que chego à letra G e me deparo com mais uma raridade musical, talvez uma das joias mais raras da MPB: o álbum Plural, lançado por Gal Costa em 1990!

E por que raios este CD ainda é uma pérola rara? Primeiramente porque recebeu pouquíssimas edições; Segundo, porque já tinha perdido as esperanças de ter uma cópia original na minha coleção de Gal porque as ofertas por este disco ultrapassavam a faixa dos 400 reais no Mercado Livre; Terceiro e mais importante de tudo, porque o preço oferecido por esta raridade era irresistível: R$12! Vinil não poderia ter ficado mais feliz diante de situação tão inusitada...

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Gal & Waly

Produzido pelo renomado saxofonista Leo Gandelman, Plural foi o reencontro da parceria Gal Costa – Waly Salomão depois de quase 20 anos sem trabalhar juntos (a última parceria da dupla tinha sido justamente o inesquecível show / disco FaTal: Gal a Todo Vapor, que revolucionou a música brasileira entre 1971 e 1972). O repertório, selecionado pelo poeta baiano, vai de canções de Caetano Veloso – “Nua Ideia (Leila XII) (parceria com João Donato e tema dos personagens de Antônio Fagundes e Cláudia Raia na novela Rainha da Sucata)” e “A Verdadeira Baiana” –, criações inéditas da emergente Axé Music, até parcerias inusitadas de Arnaldo Antunes & Jorge Benjor (“Cabelo”) e João Bosco, Waly e Antônio Cícero (“Holofotes”), passando por clássicos icônicos da canção brasileira – “Fon Fon” (João de Barro & Alberto Ribeiro) e “Alguém me Disse” (Jair Gouveia & Evaldo Amorim) – e standards da canção norte-americana – “Begin the Beguine” (Cole Porter) e “I Didn’t Know What Time It Was” (Richard Rodgers & Lorenz Hart).

O resultado final desta seleção reflete a multiplicidade de estilos e tendências que Gal conseguiu aglutinar em seu canto – daí o título do disco, que resultou em um dos shows mais populares de toda a carreira da artista. Depois de ter amargado um de seus maiores fracassos com o show e disco Lua de Mel como o Diabo Gosta, em 1987, a eterna Musa Tropicalista conseguiu ressurgir para os olhares do público e da crítica com todo o brilho e a pompa merecida!


Gal Costa em cena durante o show Plural



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Gal Costa no Rio de Janeiro em Maio de 1991.


         Depois de ter tido feito o que deveria para poder chamar aquela raridade minha e só minha, aproveitei a chance para almoçar no restaurante anexo ao sebo. Com direito a doses generosas de Guaraná Jesus (a coisa mais importante do Maranhão, depois de Alcione!) evidentemente... Com a minha meta de raridades batida por ora, já estava preparado para poder percorrer as ruas do Centro Histórico de São Luís do Maranhão, fazer um passeio de barco para Alcântara (não, estou mentindo!) e passar uma temporada inesquecível de cinco dias nos Lençóis Maranhenses.

         A trilha sonora daqueles dias lindos no verão maranhense? Gal Costa, claro... Se Gracinha pudesse cantar algo sobre este momento, ela até cantaria algo como “Alguém me disse que Vinil anda novamente / de novo amor, nova paixão, todo contente”; afinal de contas, motivos não me faltavam para tal...