28 de junho de 2017

TROVA # 126

O SAMBA BONITINHO E ORDINÁRIO DE MALLU MAGALHÃES


Maria Luiza de Arruda Botelho Pereira de Magalhães, nome de peso, de presença, daqueles de dar dificuldade na hora de assinar um RG. Um belo nome. O nome de batismo da sobrinha que nunca tive e provavelmente nunca virei a ter. Nome típico daquelas ricaças paulistanas quatrocentonas, que não precisam fazer esforço para viver bem. No entanto, esta filha de uma boa família decidiu por se aventurar pela música e adotou o nome artístico de “Mallu Magalhães”.
Quando a bonitinha Mallu (com dois “L” mesmo!) iniciou suas aventuras no universo musical, foi um sucesso com a molecada: cantava uma musiquinha de acordo com os seus pares – jovial, descompromissada, sem conteúdo complexo. Fator de inovação: a mocinha se lançou pela Internet, algo ainda incomum entre os artistas brasileiros na época. Ponto a favor: recebeu um incentivo de milhões de um Papai travestido de fada madrinha disposto a investir na carreira musical da fedelha.


Eu me lembro de ter visto/ouvido a enfant terrible nos tempos em que a MTV Brasil agonizava em praça pública e achei de uma enorme chatice. E senti que a Music Television não iria muito adiante ao eleger uma canção do nível de “Tchubaruba” como “revelação de 2008” e fazer tamanha concessão ao mercado. A televisão passou a ficar mais tempo em stand-by por causa da qualidade da música que não me agradava.


Mallu Magalhães voltou a chamar minha atenção na terceira semana de junho de 2017. Ao lançar um novo álbum, a moça estava em campanha promocional de seu disco nos programas de rádio, Internet e TV quando deu um piti homérico no programa diário da apresentadora Fátima Bernardes: a mocinha estava iniciando um dos números de seu repertório quando resolveu dedicar a canção para aqueles que diziam que “branco não pode cantar samba”. A reação dos internautas foi imediata – acusaram a jovem artista de “racismo reverso”, aquele que afirma que o branco é a principal vítima de ataques racistas da comunidade negra. Uma parcela da crítica musical simpática à moçoila saiu em defesa de Mallu em nome do velho discurso meritocrático reducionista e perverso, dizendo que não devemos criticá-la por causa de suas conquistas extraordinárias. A cereja do bolo dos defensores da Sra. Marcelo Camello é o suposto fato dela incomodar muita gente por ser supostamente talentosa e bem-sucedida. Taí uma prova de que o jabá continua a ter um peso enorme até entre os críticos que se declaram como “independentes”...
Vamos aos fatos: o samba é a maior expressão de um povo que foi afastado de sua terra, de seu continente para servir uma penca de homens brancos que eram detentores de dinheiro, maldade e poder. Cada batucada carrega a ancestralidade do sofrimento e da luta do povo negro que lutou por sua sobrevivência e pelos seus direitos em uma sociedade desigual. Todo artista brasileiro não-negro que entoou um samba tinha ou tem consciência desta questão: Noel Rosa, Vinícius de Moraes e Chico Buarque, por exemplo, sempre souberam que tamanha arte nunca se aprende no colégio; Nara Leão, Clara Nunes e Beth Carvalho sempre tiveram uma enorme reverência pelos povos negros; Maria Bethânia e Gal Costa, baianas de nascimento, possuem toda a autoridade para cantar o que existe de melhor lá na Bahia.









Por isso, vejo com enorme desprazer o piti de Mallu Magalhães, visto que o sempre foi uma realidade concreta. Acho difícil alguém da classe social e do histórico artístico de Mally ter noção do histórico de lutas e resistência que fizeram do samba um dos maiores estandartes de toda uma nação. Tratam-se de batucadas repletas de oportunismo, com tintas de puro modismo e uma enorme vontade de ser cult. É preciso muito arroz com feijoada para ter o estofo de uma Marisa Monte, Roberta Sá ou Maria Rita, que fazem batucada sem uma ponta de proselitismo.  



         Desejo que a bela Maria Luiza, bonitinha (mas ordinária!), possa ter aprendido com a lição de suas contemporâneas como Pitty e Anitta e entenda o seu lugar de fala como artista depois deste mico homérico e do linchamento virtual que ainda está sofrendo. Não porque eu a quero bem, mas principalmente porque eu tenho pavor de ter o sentimento amargo da vergonha alheia. Diante disto, sigamos com o bonde! Afinal de contas, temos muitas cantoras muito mais talentosas e que sabem fazer uma batucada de uma responsa sem fim...