19 de janeiro de 2012

TROVA # 1


ALGUMAS COISAS DO MUNDO DE NARA LEÃO


“Se alguém perguntar por mim
Diz que fui por aí
Levando o violão debaixo do braço”
Diz que fui por aí” – Hortênsio Rocha & Zé Kéti
Canção gravada por Nara Leão em seu disco de estreia, de 1964.
Um sentimento de amargor sempre toma conta de mim quando o dia 19 de janeiro se aproxima. Meus motivos são apenas dois, porém bastante convincentes: em 1943, nasceu Janis Joplin, a “pérola negra do Texas” (morta, precocemente, aos 27 anos de idade); em 1982, o Brasil chorava copiosamente a morte de sua cantora maior, a “Pimentinha” Elis Regina (falecida aos 36 anos de idade, no auge de sua forma vocal).
Por outro lado, 19 de janeiro também foi uma data marcante para outra estrela de nossa canção popular. Sim, refiro-me à Nara Leão que, se estivesse entre nós, completaria 70 anos de idade no dia de hoje.
Quando ouço essas cantoras brasileiras de atitude e sabor cool (Adriana Calcanhotto, Tiê, Céu, Nina Becker, Fernanda Takai, etc. etc. etc.), é impossível não reconhecer a influência de Nara. A filha do casal Jairo Leão e Altina Lofêgo Leão foi, desde muito jovem, uma alma à frente de seu tempo. Recebeu uma educação liberal (o que era incomum para as meninas brasileiras dos anos 1950) e fugiu do arquétipo da “menina rica de Copacabana”.

Sua relação com a música começou ainda menina quando começou a fazer aulas de violão com um dos maiores Mestres no assunto, o violonista Patrício Teixeira (1893-1972). Com o passar do tempo, Nara passou a fazer aulas acompanhada de um amigo, (depois, futuro namorado) que, como ela, tinha o desejo de aprender a tocar um instrumento. O nome do rapaz? Roberto Menescal! Uma duplinha e tanto, não?

As aulas de violão logo evoluíram para reuniões musicais que tinham como sede a residência da família Leão, na Avenida Atlântica, Posto 4 da Praia de Copacabana – um dos lugares mais privilegiados do Rio de Janeiro. Aos poucos, o tal cômodo se transformou em um dos polos criativos de uma nova maneira de se fazer música, a chamada “música de apartamento”. Nascia, a Bossa Nova, graças a um desejo coletivo de vários jovens em querer fazer uma arte que se diferenciava dos dramalhões que a Rádio Nacional veiculava diariamente. Vinícius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto transformaram-se na Santíssima Trindade do movimento. Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli passaram a atuar como arautos da Bossa que se anunciava para o Brasil inteiro. Nara, já namorada de Bôscoli, foi eleita a musa do movimento.

No entanto, Nara Leão não queria apenas ser a musa de uma vertente musical. Queria se comunicar com um Brasil que fervilhava cada vez mais na medida em que a primeira metade da década de 1960 avançava com suas mudanças nos planos político, social e cultural. A moça acreditava que a música popular deveria se comunicar diretamente com a sociedade e com as transformações que surgiam com o passar dos tempos. Seu primeiro disco, lançado no início de 1964 já atestava isso: Nara gravou, em seu trabalho de estreia, clássicos de Carlos Lyra, Baden Powell, Vinícius de Moraes (autores que já estavam ligados à chamada Canção de Protesto), além de nomes consagrados do samba como Cartola e Nelson Cavaquinho. Alguns especialistas apontam este trabalho como o primeiro disco de uma nova ordem musical que logo foi chamada de “MPB”.
E os pioneirismos de Nara não ficaram por aí. Tornou-se um dos principais expoentes da Canção de Protesto ao estrelar os musicais Opinião e Liberdade, Liberdade!; descobriu cantores e compositores que foram definitivos para a formação da música brasileira contemporânea como Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Sidney Miller, Jards Macalé, Raimundo Fagner, dentre outros; reconheceu a importância estética do Iê-Iê-Iê dos Beatles, Stones e do programa Jovem Guarda, além de ter dado chancela a um dos movimentos culturais mais importantes de todos os tempos, o Tropicalismo – sua participação no disco Tropicália ou Panis et Circensis interpretando “Lindoneia” (Caetano Veloso / Gilberto Gil) foi fundamental para que Caetano e Gil estabelecessem as propostas estéticas do movimento; além disso, foi uma das primeiras cantoras do mainstream brasileiro a gravar um disco de duetos e a dedicar trabalhos exclusivos ao cancioneiro infantil e às líricas de Roberto & Erasmo Carlos e Chico Buarque de Hollanda. Realmente, os serviços que esta mulher prestou para nossa música não foram de pouca qualidade!
           Um tumor no cérebro foi o responsável da ausência de Nara entre nós. Quando a Musa se foi, em 1989, o Brasil começava a viver a democracia depois de 21 anos de uma ditadura ferrenha que esta artista tanto combateu. Se tivéssemos o privilégio do convívio desta grande mulher, ela teria tido a oportunidade de ver uma mulher Presidente da República e de ter obtido o reconhecimento devido por parte da crítica e do público. Por isso, esta primeira trova é dedicada aos 70 anos do nascimento de Nara Lofêgo Leão. Faz escuro, mas nós ainda cantamos sua magnífica obra.
Acessem:
Site oficial de Nara Leão, mantido por sua filha, Isabel Diegues - http://naraleao.com.br/index.php
Um artigo acadêmico sobre as relações de Nara Leão e o Tropicalismo, escrito por mim em 2008 - http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/030/VINICIUS_SILVA.pdf
Um texto sobre Nara escrito por Rafael Cortez -  http://rafael.cortez.zip.net/arch2008-04-27_2008-05-03.html

Vejam: