AS FALHAS DO DISCURSO
(ou onde as
pessoas perdem a vergonha na cara em relação às coisas que dizem por aí...)
“Alguns cientistas acreditam que hidrogênio, por ser tão abundante, é o elemento básico do universo.
Eu questiono este
pensamento. Existe mais estupidez do que hidrogênio. Estupidez é o elemento
básico do universo.”
Frank Zappa
Frank Zappa
Não existe nada neste universo que me deixe mais
enfurecido do que as contradições discursivas das pessoas. Em outras palavras,
não há nada que me deixe mais possesso do que pessoas que são descaradamente
adeptas da filosofia hipócrita do “Faça o que digo, mas não faça o que
faço!”... Ficou claro ou precisamos desenhar, Sr. Leitor? Melhor não tentar a
segunda opção, pois sou péssimo desenhista...
Agir de maneira coerente no mundo de hoje é algo
que dá muito trabalho se você é uma pessoa medíocre, confusa e/ou populista.
Não dá para viver um discurso honesto e humanista se você é uma pessoa fria,
calculista, egoísta e que contribui para a perpetuação do que o bom e velho
Raul Seixas chama de “belo quadro social”. Tenho uma grande dificuldade em
acreditar em pessoas que prometem mundos e fundos e realizam pouco (ou nada, ou
quase nada) do que dizem ser e/ou fazer... Quando não desacredito, fico com os
dois pés atrás, para variar um pouco de atitude. Inflexível? Com gente desta
estirpe, não concedo um milímetro da minha compaixão...
As falhas do discurso são bem evidentes quando
vislumbramos exemplos clássicos do cotidiano brasileiro, tais como: as
plataformas discursivas e mercadológicas de nossos políticos, o blá-blá-blá dos
religiosos (católicos e evangélicos, especialmente!), ou então os chamados
“comunistas de cartão de crédito” que adoram defender ideais políticos de
“esquerda” enquanto vestem Prada e Lacoste, usam perfume francês e andam com o
carro mais descolado, para não citarmos outras falácias já bem conhecidas. O
caso que mais me atinge, por razões evidentes (sim, eu trabalho com isto!), são
as contradições que estão em torno do universo da Educação no Brasil.
Vejamos os casos mais clássicos... citar
filósofos e pensadores do ramo da educação como se eles fossem papas no assunto
com a intensidade das palavras desses ideólogos conservadores e não praticar 10% do que
eles pregavam ou defender gestão participativa em escolas regulares públicas e
privadas quando mal existe um conselho escolar que discute os rumos que cada
unidade escolar deve tomar ou falar sobre a importância dos valores do educador
sendo você um grande ditador administrativo ou aquele papo de coordenador
pedagógico que adora mostrar serviço dizendo algo como “Pode me procurar se
você tiver alguma dúvida ou problema...” e na hora em que o bicho pega responde
com um clássico “Mas não podemos conversar outra hora?” ou ainda adotar o
discurso de que professores tem perfis diferenciados e experiências pessoais / profissionais
distintas devem trabalhar com todas as faixas etárias (esta sem dúvida é a
minha preferida!) sem reclamar das dificuldades que certamente virão pelo
caminho... Blá, blá, blá...
A hipocrisia das pessoas adquire facetas e
posturas interessantes quando estamos diante do caso do sistema educacional
brasileiro. Recentemente eu tive acessos de riso (nervosos em primeiro plano;
descontraídos, momentos depois) quando recebi um convite em uma rede social
para participar de uma Festa Junina de um colégio para o qual trabalhei. Nenhum
problema, afinal tem certas mágoas que resolvi deixar enterradas nos
subterrâneos da memória. O problema é que eu fui desligado pela Orientação
Pedagógica (oi?!) da referida instituição porque eu não tinha perfil para lidar
com crianças, apesar de saber lidar bem com adolescentes. E ainda ouvi a
pérola, momentos antes de ser desligado do quadro de funcionários: “Professor
bom é aquele que sabe trabalhar bem com alunos do Maternal até os alunos da
Universidade!”... Com a passagem do tempo, aprendi a trabalhar com
adolescentes, com adultos, já tive o privilégio de dar algumas aulas para
Universitários e já trabalhei com Educação Infantil sem grandes conflitos. E
ainda dizem que “ninguém é insubstituível”?!
O que mais me desaponta em relação às constantes falhas do discurso é a falta de reconhecimento dos esforços gigantescos que
fazemos para sermos profissionais e cidadãos dignos e honestos no mundo de
hoje. As falhas de nossos políticos, de nossos conhecidos, de nossos comparsas
cidadãos, de nossos colegas de trabalho, de quem educamos, de quem nos educa
dão margem às contradições com o esforço de um “remador de Bem-Hur”, como diria
o Mestre Nelson Rodrigues. Cabe aos (in)sensatos, nós que ainda acreditamos em
honestidade e coerência, levar o mundo com um olhar mais paciente e sempre
pronto para nos defender do absurdo. Em um país como o nosso, isto acontece
incontáveis vezes por dia...
Enquanto isso, eu prefiro fazer como o Mestre
Raul Seixas: "Eu que não me sento / No trono de um apartamento / Com a
boca escancarada / Cheia de dentes / Esperando a morte chegar...". Afinal,
já que o disco voador não vai vir mesmo, o jeito é viver em meio às falhas e às
contradições de cada dia...