29 de setembro de 2014

TROVA # 37

AS FALHAS DO DISCURSO
(ou onde as pessoas perdem a vergonha na cara em relação às coisas que dizem por aí...)



          “Alguns cientistas acreditam que hidrogênio, por ser tão abundante, é o elemento básico do universo. 
Eu questiono este pensamento. Existe mais estupidez do que hidrogênio. Estupidez é o elemento básico do universo.”
Frank Zappa

Não existe nada neste universo que me deixe mais enfurecido do que as contradições discursivas das pessoas. Em outras palavras, não há nada que me deixe mais possesso do que pessoas que são descaradamente adeptas da filosofia hipócrita do “Faça o que digo, mas não faça o que faço!”... Ficou claro ou precisamos desenhar, Sr. Leitor? Melhor não tentar a segunda opção, pois sou péssimo desenhista...
Agir de maneira coerente no mundo de hoje é algo que dá muito trabalho se você é uma pessoa medíocre, confusa e/ou populista. Não dá para viver um discurso honesto e humanista se você é uma pessoa fria, calculista, egoísta e que contribui para a perpetuação do que o bom e velho Raul Seixas chama de “belo quadro social”. Tenho uma grande dificuldade em acreditar em pessoas que prometem mundos e fundos e realizam pouco (ou nada, ou quase nada) do que dizem ser e/ou fazer... Quando não desacredito, fico com os dois pés atrás, para variar um pouco de atitude. Inflexível? Com gente desta estirpe, não concedo um milímetro da minha compaixão...
As falhas do discurso são bem evidentes quando vislumbramos exemplos clássicos do cotidiano brasileiro, tais como: as plataformas discursivas e mercadológicas de nossos políticos, o blá-blá-blá dos religiosos (católicos e evangélicos, especialmente!), ou então os chamados “comunistas de cartão de crédito” que adoram defender ideais políticos de “esquerda” enquanto vestem Prada e Lacoste, usam perfume francês e andam com o carro mais descolado, para não citarmos outras falácias já bem conhecidas. O caso que mais me atinge, por razões evidentes (sim, eu trabalho com isto!), são as contradições que estão em torno do universo da Educação no Brasil.
Vejamos os casos mais clássicos... citar filósofos e pensadores do ramo da educação como se eles fossem papas no assunto com a intensidade das palavras desses ideólogos conservadores e não praticar 10% do que eles pregavam ou defender gestão participativa em escolas regulares públicas e privadas quando mal existe um conselho escolar que discute os rumos que cada unidade escolar deve tomar ou falar sobre a importância dos valores do educador sendo você um grande ditador administrativo ou aquele papo de coordenador pedagógico que adora mostrar serviço dizendo algo como “Pode me procurar se você tiver alguma dúvida ou problema...” e na hora em que o bicho pega responde com um clássico “Mas não podemos conversar outra hora?”  ou ainda adotar o discurso de que professores tem perfis diferenciados e experiências pessoais / profissionais distintas devem trabalhar com todas as faixas etárias (esta sem dúvida é a minha preferida!) sem reclamar das dificuldades que certamente virão pelo caminho... Blá, blá, blá...
A hipocrisia das pessoas adquire facetas e posturas interessantes quando estamos diante do caso do sistema educacional brasileiro. Recentemente eu tive acessos de riso (nervosos em primeiro plano; descontraídos, momentos depois) quando recebi um convite em uma rede social para participar de uma Festa Junina de um colégio para o qual trabalhei. Nenhum problema, afinal tem certas mágoas que resolvi deixar enterradas nos subterrâneos da memória. O problema é que eu fui desligado pela Orientação Pedagógica (oi?!) da referida instituição porque eu não tinha perfil para lidar com crianças, apesar de saber lidar bem com adolescentes. E ainda ouvi a pérola, momentos antes de ser desligado do quadro de funcionários: “Professor bom é aquele que sabe trabalhar bem com alunos do Maternal até os alunos da Universidade!”... Com a passagem do tempo, aprendi a trabalhar com adolescentes, com adultos, já tive o privilégio de dar algumas aulas para Universitários e já trabalhei com Educação Infantil sem grandes conflitos. E ainda dizem que “ninguém é insubstituível”?!
O que mais me desaponta em relação às constantes falhas do discurso é a falta de reconhecimento dos esforços gigantescos que fazemos para sermos profissionais e cidadãos dignos e honestos no mundo de hoje. As falhas de nossos políticos, de nossos conhecidos, de nossos comparsas cidadãos, de nossos colegas de trabalho, de quem educamos, de quem nos educa dão margem às contradições com o esforço de um “remador de Bem-Hur”, como diria o Mestre Nelson Rodrigues. Cabe aos (in)sensatos, nós que ainda acreditamos em honestidade e coerência, levar o mundo com um olhar mais paciente e sempre pronto para nos defender do absurdo. Em um país como o nosso, isto acontece incontáveis vezes por dia...
Enquanto isso, eu prefiro fazer como o Mestre Raul Seixas: "Eu que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada / Cheia de dentes / Esperando a morte chegar...". Afinal, já que o disco voador não vai vir mesmo, o jeito é viver em meio às falhas e às contradições de cada dia...


TROVA # 36

A LIÇÃO DE PLANT
(ou a linha tênue do meu amor e do meu ódio por Robert Plant)


Já tentei odiar Robert Plant. Não consegui. O motivo? Uma banal implicância de fã xiita de Led Zeppelin: o fato dele se recusar a cantar os hits do Zep em uma turnê em parceria com Jimmy Page e/ou em uma possível reunião com o que sobrou da banda que levou "Black Dog" e "Stairway to Heaven" para os ouvidos do mundo inteiro...


Minha paixão pela figura e pela arte inconfundível e indefectível de Robert Anthony Plant vem desde a segunda metade da década de 1990. Enlouqueci com o som dos caras quando fui para a Faculdade de Letras, aos 19 anos de idade: comprei uma cópia usada de No Quarter (a primeira reunião bissexta de Page e Plant) e pirei com a reunião de guitarras com instrumentos marroquinos, um ensemble egípcio e uma orquestra inglesa. Tudo isto em um mesmo palco! Era algo muito insólito para 1994, na mesma época em que Kurt Cobain tinha dado um tiro não apenas em sua própria cabeça, mas na cachola do movimento grunge, na época em que o Pop precisava se reinventar, em uma era na qual velhos dinossauros como os Rolling Stones saíam novamente em turnês mundiais, lotando estádios e varrendo públicos do mundo inteiro. Era uma tentativa de Jimmy Page de reviver o Led Zeppelin. O guitarrista parcialmente conseguiu tal façanha ao se reunir com Robert Plant.





2007 trouxe uma novidade considerada impossível para os fãs mais esperançosos de Led Zeppelin. Page e Plant se uniram a John-Paul Jones e a Jason Bonham (filho de John, o MAIOR BATERISTA DE ROCK que já existiu em 2000 e poucos anos depois de Cristo!) para uma única apresentação do Led Zeppelin na recém-inaugurada 02 Arena, em Londres. O motivo não foi um presente aos fãs, muito menos um surto de camaradagem ou uma vontade de levantar cifrões por parte da banda (não podemos afirmar que este seja necessariamente o caso de Jimmy, mas isto vou deixar para depois...): a verdadeira razão foi uma homenagem que a banda fez a Ahmet Ertegun, um executivo egípcio que fundou a Atlantic Records, selo da Warner Music que colocou o Zep no mapa da música mundial. Por se tratar de um milagre que ocorreria em uma única noite, os ingressos acabaram em questão de minutos! Para que os que não puderam ter o privilégio de assistir a esta apresentação histórica, ficamos com o filme desta noite, que mostra o Led Zeppelin em pleno vapor de sua atividade.



Robert Plant, ao contrário de Jimmy Page, conseguiu reconstruir sua vida  profissional com o fim prematuro do Led Zeppelin. O vocalista deixou o luto pela morte do baterista John Bonham para trás e saiu em carreira solo. Fez discos de Pop Rock um tanto interessantes, gravou um disco maravilhoso e premiado com a cantora country Alison Krauss e, em seus trabalhos mais recentes, tem flertado com os sons e ritmos com a chamada World Music. Álbuns como Fate of Nations e Dreamland ganharam não apenas o respeito da crítica, como também a admiração do público em geral (não necessariamente fã do Zep).







Como eu andava de relações cortadas com Plant até recentemente por causa do fato dele ter esnobado Page e John-Paul Jones em uma possível reunião da banda, dei umas férias para os seus discos e vídeos disponíveis na Internet. Graças ao Vio Ray, meu admirado Professor de Canto que compartilhou um vídeo de Robert Plant no Facebook, refiz as pazes com a obra deste cantor lendário. É fato que a voz dele não alcança mais aqueles agudos insólitos de "Black Dog" e "Whole Lotta Love", mas o brilho dos graves e de alguns agudos continuam. A intensidade das interpretações e o fraseado de Robert continuam mais fortes do que nunca estiveram. E, no alto de seus sessenta e poucos anos, Robert ainda arranca suspiros de minha gente...


Poucos dias depois de ver o vídeo de Plant no YouTube (santa Internet!), soube que havia um disco gravado e que estava para ser lançado. Lullaby... and the Ceaseless Roar, gravado em pareceria com os Sensational Space Shifters é um tremendo petardo musical: ritmos de matrizes africanas  são justapostos a blues, rock, bluegrass, folk e (por quê não dizer?) Pop, resultando em uma massa sonora densa e de grande complexidade. A voz de Robert Plant continua trazendo efeitos lancinantes e hipnóticos para aqueles que ainda sentem prazer em ver um CD na loja, comprá-lo e ouvi-lo no seu PC ou no seu aparelho de som. Isto sem mencionarmos a capa do álbum, que traz uma concha envolta em um fundo cinzento e nebuloso. Ouça a Lullaby de Plant e dos Space Shifters, mas não deixe de apertar os cintos para esta viagem musical turbulenta.


Lullaby... and the Ceaseless Roar foi o motivo necessário para que eu declarasse trégua a Robert Plant. Decidi, inclusive, jogar fora uma carta imaginária que eu iria enviar à eterna voz do Led Zeppelin que pensei em postar aqui. Primeiramente: o disco é maravilhoso; Segundo: porque não senti saudades do Zep (caso eu sinta, posso ver e/ou ouvir Celebration Day no aparelho de som e/ou no aparelho de DVD); Terceiro e mais importante: porque a beleza da voz de Plant é atemporal e ele faz questão de olhar para o futuro e não se vangloriar dos feitos do passado. Afinal, como tudo nesta vida, precisamos olhar para a frente e não precisamos revirar os baús e arquivos em busca de feitos brilhantes (certo, Jimmy Page?).




Valeu pela lição, Robert Plant. Queria cantar e/ou compor tão bem como vc. Se eu tivesse um centésimo do seu talento, eu certamente seria um músico de verdade... ;-)


5 MOMENTOS SOLO DE ROBERT PLANT QUE NÃO NOS DÃO A MENOR SAUDADE DO LED ZEPPELIN:


1) 29 Palms

2) Sea of Love

3) Song to the Siren

4) If I were a Carpenter

5) I Believe

E não deixe de conferir a participação de Plant no Tonight Show with Jimmy Fallon:

http://consequenceofsound.net/2014/09/led-zeppelins-robert-plant-conquers-jimmy-fallon-with-two-song-performance-watch/