ELES & EU
(meu relato de minhas idas e vindas com o grupo Secos & Molhados)
(meu relato de minhas idas e vindas com o grupo Secos & Molhados)
O grupo Secos & Molhados (da esquerda para a direita): Gerson Conrad, Ney Matogrosso & João Ricardo |
"Um grito de estrela
vem do infinito
E um bando de luz
repete o grito
Todas as cores
e outras mais
Procriam flores
astrais
vem do infinito
E um bando de luz
repete o grito
Todas as cores
e outras mais
Procriam flores
astrais
O verme passeia
na lua cheia"
("Flores Astrais" - João Ricardo & João Apolinário – canção do segundo álbum do Secos &
Molhados, de 1974)
2015
foi um ano de início de novos ciclos, como também de conclusão de outras de
minhas jornadas profissionais. A que encerro neste ano é, sem dúvida, a minha
empreitada mais apaixonada, mais empenhada e a qual me rendeu muito do que sou
hoje. A partir de 15 de dezembro de 2015 deixo de ser um mero escritor amador
que enche inúmeras páginas com palavras supostamente vãs para tentar ser mais
um a "encher de mais confusão as prateleiras", como cantava Caetano
Veloso lá pelos idos do final da década de 1990. O assunto? Música,
evidentemente! O tema? O lendário grupo Secos & Molhados, objeto de meu
Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, de minha Dissertação de Mestrado e
de tantos anos de pesquisas.
Minha
história oficial com os meus três mascarados começou oficialmente há quinze
anos, quando meus estudos na Faculdade de Letras ainda estavam lá no início.
Encantado com os estudos de Literatura e inebriado pelos prazeres do texto,
ouvia repetidamente os dois primeiros do Secos & Molhados já tentando
desvendar as relações enigmáticas entre a poesia de Vinícius e Pessoa com a voz
e a postura cênica infinitamente abusada de Ney Matogrosso. E ficava intrigado
com as afirmações do meu pai, que deviam ser o total lugar-comum da época, que
não variavam muito entre: "Os caras do Secos & Molhados? Tudo
veado!"...
No
final de 2003, precisava cumprir com uma obrigação burocrática imposta pela Universidade:
dar cabo de um projeto de pesquisa e apresentá-lo para uma banca composta por
três professores da Faculdade de Letras. Estes créditos respondiam pelo nome de "Monografia", o que hoje chamamos de Trabalho de Conclusão de Curso
de Graduação, vulgo TCC. Na
impossibilidade de dar conta de um trabalho ousado demais – modéstia à parte – sobre
teatro contemporâneo (minhas ambições acadêmicas hercúleas já eram bastante
criticadas naquela época), resolvi começar a investigar mais sobre os três
mascarados alados que há tanto me intrigavam. No dia 17 de dezembro de 2003, 31 anos depois que o Secos & Molhados fez sua primeira apresentação ao vivo lá nos fundos do Teatro Ruth Escobar (um local conhecido como Casa de Badalação & Tédio),
apresentei meu trabalho final para a Universidade Estácio de Sá, que me aprovou
com nota máxima.
Poucos
meses depois, novos desafios me aguardavam. A vida de um professor
recém-formado no Brasil é nada estimulante em termos profissionais e
financeiros. Nem a chance de ouro de ter iniciado meu Mestrado em Literatura
Brasileira pela Universidade Federal Fluminense foi algo que me trouxe tanta
animação assim. Lógico, ter sido aprovado em uma seleção concorridíssima em
11.º lugar com um histórico e uma pesquisa nada ortodoxos em uma instituição
pública era algo certamente extraordinário. O problema era que Niterói e a UFF
soavam provincianos demais para mim: eu me sentia como um eterno e incorrigível
integrante de um exército de um homem só.
A
explicação para isso era o fato de que, no momento em que ingressei na UFF, não
havia mais pesquisadores que se preocupassem com o tema "Literatura &
Música Popular". Com isso, fui fatalmente relegado à margem, como
consequência, e com imenso orgulho e sem um pingo de modéstia. Afinal, lutar pela minha integridade
intelectual sempre foi minha prioridade. Algo plenamente compatível com as
canções do grupo que eu escolhi como objeto de pesquisa. Apesar de ter tido uma
excelente Orientadora de Mestrado, meu instinto de sobrevivência dizia que eu
sempre precisava ser independente, ir em busca de fontes, de fatos, como um bom
pesquisador deve ser. Consegui duas entrevistas valiosíssimas para meu
trabalho: Gerson Conrad conversou longamente comigo em outubro de 2005 e Luhli cedeu um
maravilhoso depoimento em janeiro de 2006. Decididamente, eu tive de ser o
verme a passear pela lua cheia contente e convencional da academia, no estilo mais
low profile possível, visto que meus méritos não consistiam meramente de
relações influentes ou de grande poder.
Os
dois anos que se seguiram foram difíceis em termos profissionais e acadêmicos.
Nenhuma das disciplinas que cursei no decorrer do Mestrado geraram trabalhos
que me auxiliassem nas pesquisas que deveriam dar origem ao texto da Dissertação.
De qualquer maneira foi ótimo pesquisar sobre a obra de Silviano Santiago,
Phillip Roth, Jean-Paul Sartre e J. M. Coetzee, sobre o legado dos romances de
Oswald, Flaubert e Jane Austen e investigar as relações entre Cinema e
Literatura a partir das criações de Arnaldo Jabor e Nelson Rodrigues. No plano
pessoal, um relacionamento que vivia uma crise que se parecia a um avião
prestes a cair sobre duas Torres Gêmeas prestes a implodir com (quase) tudo ao redor.
Uma grande mudança era necessária para que todos os bloqueios fossem,
enfim, retirados do caminho.
Quando
pisei em São Paulo no dia 14 de março de 2006 para ficar de vez, tinha apenas
os 60 reais restantes da última parcela do meu seguro-desemprego no bolso. As únicas coisas que estavam certas em minha vida eram a matrícula trancada na UFF
por seis meses, uma sacola repleta de livros para ler, uma pesquisa inacabada e um mar eterno de incertezas pela
frente. Pelo menos, havia alguém para amar, uma nova família (que me recebeu de
braços abertos) e novos amigos para dar apoio, além dos poucos que sobraram no
Rio de Janeiro na torcida. Foi na Terra da Garoa, debaixo de muito custo, de
algumas contribuições valiosíssimas (o arquivo da Folha de S. Paulo, a maior
delas!) e de muitas noites sem dormir, que o texto, finalmente, começou a tomar
corpo.
No entanto, precisávamos de mais seis meses de prorrogação, desta vez
com a aprovação do Colegiado da Pós-Graduação da UFF. Foi neste momento que
pensei que não íamos chegar até o fim. Entretanto, chegamos! E, mais uma vez,
iríamos fazer um passeio de luxo pela lua cheia dos contentes. Eu teria até
março do ano seguinte para concluir as pesquisas, sendo que eu estaria em São
Paulo e Matildes, minha santa Orientadora, no Rio de Janeiro. Santificados sejam os pacotes de
SEDEX, que tanto nos auxiliaram em momentos de urgência e necessidade. Em nome de todas as pesquisas, AMÉM!
A
primeira etapa dessa jornada chegou ao fim no dia 14 de abril de 2007. Depois
de enfrentar seis horas de espera no Aeroporto de Congonhas (o país vivia o
auge da crise dos aeroportos!) para fazer a ponte aérea, retornei para o Rio de
Janeiro para, enfim, defender minha Dissertação de Mestrado. Pedi a benção para
a estátua de Drummond em Copacabana na parte da manhã, pedi a proteção ao Dom Quixote
que fica em frente ao prédio da Letras antes de subir para o quinto andar. E
enfrentamos um atraso de quase uma hora, debates acalorados típicos das
esquizofrenias do mundo acadêmico e ouvimos o veredicto da banca... outra nota
10! Com indicação para que a Dissertação fosse publicada, para minha plena
felicidade.
Poucos
meses depois, novos desafios me aguardavam. A vida de um professor
recém-formado no Brasil é nada estimulante em termos profissionais e
financeiros. Nem a chance de ouro de ter iniciado meu Mestrado em Literatura
Brasileira pela Universidade Federal Fluminense foi algo que me trouxe tanta
animação assim. Lógico, ter sido aprovado em uma seleção concorridíssima em
11.º lugar com um histórico e uma pesquisa nada ortodoxos em uma instituição
pública era algo certamente extraordinário. O problema era que Niterói e a UFF
soavam provincianos demais para mim: eu me sentia como um eterno e incorrigível
integrante de um exército de um homem só.
No entanto, precisávamos de mais seis meses de prorrogação, desta vez com a aprovação do Colegiado da Pós-Graduação da UFF. Foi neste momento que pensei que não íamos chegar até o fim. Entretanto, chegamos! E, mais uma vez, iríamos fazer um passeio de luxo pela lua cheia dos contentes. Eu teria até março do ano seguinte para concluir as pesquisas, sendo que eu estaria em São Paulo e Matildes, minha santa Orientadora, no Rio de Janeiro. Santificados sejam os pacotes de SEDEX, que tanto nos auxiliaram em momentos de urgência e necessidade. Em nome de todas as pesquisas, AMÉM!
A BANCA: Pascoal Farinaccio (UFF), Matildes Demetrio dos Santos (UFF - Orientadora) e Carmen Lúcia Negreiros de Figueiredo (Uerj) |
Sabia
que o abismo que separaria a transformação de meu Mestrado em Livro era imenso.
Primeiro porque eu tinha a plena consciência de que havia inúmeras correções a
serem feitas no texto. Em segundo lugar, porque não tinha conseguido aproveitar
todas as minhas fontes de pesquisa. Terceiro, e pior de tudo: sou um perfeccionista obsessivo e incorrigível, extremamente atento a detalhes e sofro demais quando vejo qualquer traço de imperfeição! A correção do texto era algo que teria que ser feita em algum momento, mas eu
precisaria de bastante tempo para poder me refazer das dolorosas batalhas que me levaram até a
defesa da Dissertação...
O
período de férias que eu me concedi foi de uns dois anos até, finalmente,
chegar ao texto final da Dissertação, um volume monstruoso de quase 400
páginas. Diploma de Mestre obtido, 10 cópias nas mãos, hora de presentear os
mais próximos com a promessa do remoto livro. Rosana Barbosa, Matildes Demetrio, Herom Vargas, Emílio Carrera e Zélia
Duncan foram algumas das pessoas que receberam seus presentes com as suas devidas dedicatórias. Porém, achei
que precisava presentear uma pessoa, e eu o fiz em 14 de março de 2009, no dia
exato que marcava meu terceiro aniversário de chegada em São Paulo: fiquei
felicíssimo de ter conseguido arrancar um sorriso aberto de Ney Matogrosso ao
entregar o resultado de minhas pesquisas em suas mãos. Contei brevemente o
périplo percorrido até chegar naquele camarim com aquelas tortuosas páginas e
ele ficou impressionado com o quanto o meio acadêmico ainda consegue ser
careta... Foi o máximo de interação que eu, um tímido ocasional e incorrigível, consegui me
permitir com uma das pessoas mais admiradas por mim...
Ao lado de um sorridente Ney Matogrosso, em 14 de março de 2009. |
Acabei
tirando férias dos meus mascarados por algumas temporadas, mas nunca conseguia
fazer isso por muito tempo. Sempre havia alguma coisa que me remetia a eles:
Matildes me convidou para um dia maravilhoso de palestras na UFF e lá fui eu
mais uma vez voando para o Rio de Janeiro falar sobre o Secos & Molhados para
alunos de Graduação em 2008. Um contato do professor Herom Vargas, interessado
em conhecer meu trabalho em janeiro de 2009, fez com que eu me entusiasmasse
com as pesquisas novamente. Um ou outro livro que abordava o legado e a loucura
dos anos 1970 sempre vinha a público para me atormentar e me lembrar de que era
preciso atualizar a versão final do texto. Fui investindo nestas atualizações
até o final de 2014, quando concluí a versão final do que se transformou
no livro.
Como
resolução principal para 2015, decidi que não apenas iria retirar meus escritos
das pastas e das gavetas, como também iria viver um ritmo profissional mais brando, com finais de semana livres e mais qualidade de vida.
Isso implicava trabalhar menos, como também iria acarretar ganhos financeiros
menores. Não me arrependo nem um pouco. Pude revisar as provas do livro e suas infindáveis
idas, vindas e tormentas com a atenção devida e projetar uma parte do futuro. E sonhar com
o dia de poder sair assinando livros para as pessoas e compartilhar o
conhecimento com todos os que quiserem comprar O Doce & O Amargo do Secos
& Molhados: Poesia, Performance e Política na Música Brasileira. Afinal de
contas, o que realmente vale no tocante a qualquer jornada intelectual é poder
repartir o pouco que sabemos com os nossos semelhantes...
Mais
uma vez me vejo rodeado de uma série de atos simbólicos: lançar meu primeiro
livro logo após a comemoração do centenário de Frank Sinatra, a alguns metros de
distância do Teatro Ruth Escobar, na mesmíssima cidade que revelou o Secos
& Molhados para o universo, quase 12 anos depois de apresentar a primeira
versão de meu trabalho de conclusão de curso definitivamente deve ser sinal de
bons fluidos. Um ciclo se fecha, outro está a caminho. O que nos espera, não
sabemos. O que desejo? Que seja bom para todos nós, tão divertido quanto “O
Vira” que até hoje faz crianças, adultos e velhinhos dançarem por aí sem temer
o medo de qualquer noção de ridículo. Que cative as almas dos leitores e
ouvintes, tal qual meus olhos e ouvidos foram cativados por aquela magia
fantástica dos meus queridos mascarados. E que seja leve, como uma leve pluma
que pousa alegremente sobre os corações da gente.