FORTALEZAS
FEMININAS
“Dizem
que a mulher é o sexo frágil
Mas que mentira absurda”
Mas que mentira absurda”
(Erasmo Carlos, 1981)
O mundo do cinema
foi abalado recentemente por uma revelação bombástica do cineasta italiano
Bernardo Bertolucci: a atriz Maria Schneider, que tinha estrelado o filme cult O Último Tango em
Paris ao lado de Marlon Brando, tinha sido estuprada por seu colega
de elenco graças a uma orientação do diretor. A suposta verdade que Schneider
transmitia ao ser violada por um Brando com as mãos lambuzadas de manteiga era
uma dor verdadeira e fruto de uma indignação sem tamanho com Marlon e,
principalmente, com Bertolucci.
Marlon Brando & Maria Schneider |
A confissão
do crime do cineasta italiano não só abalou Hollywood, como também deixou o
mundo do cinema em polvorosa. Maria Schneider jamais se recuperou do trauma e
se tornou em uma viciada em drogas, com vários episódios de crises depressivas
e de overdoses. Entretanto, Maria fez de sua dor e de sua depressão estandartes
para que ela se tornasse uma verdadeira defensora ferrenha dos direitos das
mulheres no meio cinematográfico.
A história
de Maria Schneider é mais um capítulo dramático do quanto a repressão do
universo machista, misógino e cruel pode fazer mal para muitas mulheres. No entanto,
ela não foi a única que fez de sua dor e sofrimento um instrumento de
contestação e resistência contra aqueles que sempre ditaram as regras do jogo. Exemplos
de fortalezas femininas que se levantaram contra o ódio sexista devem ser
lembrados e homenageados sempre que possível. Eu, como um aberto defensor do
feminismo e esperançoso na necessidade de equiparação entre homens e mulheres, também
me aproprio da luta destas guerreiras e aproveito para reverenciar algumas
delas...
Virginia Woolf ao lado de seu pai, Sir Leslie Stephen |
Uma das fortalezas
femininas que sempre renderam minha admiração é a escritora inglesa Virginia
Woolf. Terceira filha do casal Leslie e Julia Stephen e casada com o editor
Leonard Woolf, Virginia sofreu horrores por ter sido estuprada por um de seus
meios-irmãos, pela perda precoce da mãe e por nunca ter ido à Universidade – “privilégio”
concedido aos homens da família Stephen.
Leonard Woolf & Virginia Woolf |
Virginia aproveitou
a impossibilidade de ir à Cambridge e passava horas e horas estudando na
extensa biblioteca do Pai, um grande intelectual da Inglaterra Vitoriana. Não
foi apenas uma das maiores revolucionárias da Literatura do século XX, como
também se projetou como uma das intelectuais mais importantes de todos os
tempos. A Room of One’s Own (1929) é
um de seus ensaios mais importantes e é uma das bíblias do feminismo.
Rita Lee e o primeiro filho, Beto Lee, em 1977 |
Uma das
passagens mais comoventes do livro de memórias de Rita Lee é justamente o
momento no qual ela nos conta sobre um aborto realizado em 1977. Ritz nos deixa
claro que não era nenhuma alegria ter que realizar um procedimento daquele
porte. No caso da Rainha do Rock Brasileiro, era uma decisão necessária, pois
ela tinha acabado de sair de uma gravidez de altíssimo risco e de uma passagem
pela cadeia.
Aposto que o
episódio será mais um argumento para que as camadas mais conservadoras da
sociedade brasileira se mobilizem contra a legalização do aborto com a desculpa
esfarrapada do histórico de porralouquices de Rita Lee, ignorando toda as
questões relacionadas à cultura do estupro, que sempre permeou nossa vida
social. Rita não hesitaria em dar de ombros para os conservadores e mostrar-lhes
a bunda; afinal de contas, o pioneirismo maior da velha “Ovelha Negra” foi de
subverter as regras masculinas ao fazer Rock em um país no qual os machos eram
aqueles que empunhavam guitarras em riste e encaravam o microfone diante de
plateias imensas.
Maria Bethânia, Doutora Maricotinha ou Doutora Honoris Causa pela UFBA |
Um dos fatos
mais surpreendentes do ano de 2016 aqui no Brasil foi a escolha da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) em conceder o título de Doutora Honoris Causa à Maria Bethânia pelo conjunto da obra. Dona de
uma carreira musical de mais de cinco décadas, Bethânia foi pioneira em
integrar música, poesia e dramaticidade em seus trabalhos musicais. E uma das
primeiras artistas da canção popular em receber tamanha honraria. Doutora Maricotinha,
emocionada, fez um belo discurso no momento da entrega do título e passou a
ocupar um lugar em uma galeria geralmente dominada por homens.
Outra
pioneira que merece não apenas o meu aplauso, como também minha gigantesca admiração, é
Patricia Lee Smith, mais conhecida entre nós como Patti Smith. Matriarca do Punk, poetisa intensa, prosadora
inteligentíssima, uma mulher de um histórico de vida extraordinária. Mostrou para
o mundo que as mulheres que fazem Rock’n’Roll
não precisam ser belas, maquiadas e repletas de glamour. A beleza não é fruto de sua maquiagem ou do seu penteado,
e sim resultado de sua inteligência.
Patti gravou
11 discos, publicou 15 livros de poesia e 2 excelentes livros de memórias. Seu disco
de estreia, Horses (1975), é uma verdadeira aula de poesia,
rebeldia e Rock ‘n’ Roll. Influenciou
vários músicos de sua geração e de outras que surgiram. Seus livros de prosa
receberam vários prêmios literários e foram aclamados pela crítica
especializada. Não me surpreendi quando ela foi escolhida por Bob Dylan para
receber o Prêmio Nobel de Literatura em seu nome e cantar um de seus clássicos
diante de um teatro lotado. Nervosa, Patti Smith errou a letra duas vezes e
pediu desculpas para os presentes e nos ofertou com uma das interpretações mais
belas em décadas de atividades.
Patti durante a cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de 2016 |
O Pop também nos revelou a maior fortaleza
feminina do mundo da música. Madonna está no mundo musical há mais de três décadas,
sempre se reinventando em termos de imagem e som. Aclamada pelos fãs, odiada
por setores da crítica musical e pelos conservadores de plantão e
incompreendida por uma vasta parcela da intelectualidade e de seus pares na
música, Madge se manteve como referência de qualidade e longevidade.
Ao aceitar o
prêmio de Mulher do Ano de 2016 da
Revista Billboard, Madonna falou não
apenas daqueles que lhe deram inspiração, mas também falou a respeito das limitações
sofridas pelo fato de ser uma mulher em universo musical predominantemente
masculino: “Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry, Chrissie
Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele
personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez
pensar que não havia regras, mas eu estava errada. Não há regras se você é um
garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que
jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça
muito esperta. Não aja como se você tivesse uma opinião que vá contra o status
quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma
prostituta, mas não assuma e se orgulhe da vadia em você. E não, eu repito, não
compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens
querem que você seja, e mais importante, seja alguém com quem as mulheres se
sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E por fim, não
envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e
definitivamente não tocará nas rádios”.
Além disto, Madonna fala da importância de estar viva e da necessidade
das novas gerações de mulheres de se espelharem em outras pioneiras para
continuar seguindo na sua trajetória de fortalezas femininas: “Eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar
aqui. Michael se foi; Tupac se foi; Prince se foi; Whitney se foi; Amy
Winehouse se foi; David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das
sortudas e todo dia eu agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas
as mulheres que estão aqui hoje é: mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo
que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que elas
precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados,
mas não por serem homens, mas porque eles valem a pena. Como mulheres, nós
temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes
para que sejam amigas, para que sejam aliadas, para aprender com elas, para as
inspirem, apoiem e instruam”.
O discurso de
Madonna, infelizmente, faz bastante sentido em um contexto no qual as mulheres
são constantemente criticadas e cerceadas pelos homens. Elas recebem salários
inferiores do que os dos homens. São, muitas vezes, chefiadas, assediadas e
injustiçadas pelo sexo oposto. Por isso, lembrar de algumas referências de
fortalezas femininas é algo fundamental para que acreditemos que um dia a
igualdade entre os sexos possa ser uma realidade e não mero fruto de nossas
imaginações.