17 de abril de 2016

TROVA # 68

A CIÊNCIA DA BURRICE E AS NOSSAS LUTAS INGLÓRIAS


Para Denise Stoklos e Nara Leão,
dois estandartes da inteligência e da liberdade 

"Tem tanto burro mandando
Em homens de inteligência
Que, às vezes, fico pensando
Que a burrice é uma ciência"
(Guto & Mariozinho Rocha - "Cabra Macho" - canção interpretada brilhantemente por Nara Leão em seu disco Nara, de 1967)

"Haven't you heard it's a battle of words
the poster bearer cried
Listen son, said the man with the gun
There's room for you inside (...)"
(Roger Waters & Richard Wright - "Us and Them" - uma das faixas do lendário album The Dark Side of the Moon, lançado pelo Pink Floyd em 1973)

"Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos"
(Caetano Veloso - "Podres Poderes" - canção que abre o seu álbum Velô, de 1984)




Lembro muito bem de ter lido um ensaio muito famoso de Roberto Schwarz na época em que fazia minhas pesquisas para o Mestrado. O texto afirmava com uma exatidão notável de que na década de 1960, em meio a uma ditadura que florescia a olhos vistos, a classe artística e intelectual do Brasil estava "irreconhecivelmente inteligente". Schwarz estava certíssimo: seu pensamento serviu (e ainda nos serve) como referência para pensar um país tão complexo e contraditório como o nosso.

No entanto, o pensamento que melhor traduz a desordem mental e intelectual de uma boa parcela dos brasileiros é o do já saudoso ensaísta, escritor e intelectual Umberto Eco. O autor de O Nome da Rosa disse, sem rodeios, de que as redes sociais ampliam o pensamento e as vozes dos imbecis. Tempos inglórios estes que reproduzem o pensamento de uma elite e de uma mídia infinitamente conservadora e sórdida que se assemelham ao caos vivido por muitos de nós nos anos 1960. Porém, há uma diferença aterradora: a inteligência dos tempos de outrora passou longe de uma boa parcela da sociedade...

O Brasil enfrenta uma das crises políticas mais graves de sua história. A Presidente Dilma Rousseff corre o risco de ser impedida de governar oficialmente devido a acusações de ter infringido a lei de responsabilidade fiscal. Julgada por uma Câmara dos Deputados majoritariamente corrupta, que se comporta como paladinos da moralidade, da decência e da honestidade, muitos desses Senhores não só nos representam mal, como estão preocupados com seus próprios interesses. Quando vejo a TV Câmara, com o desfile de hipócritas falando sobre corrupção, vejo o quanto uma canção interpretada por Nara Leão no auge da ditadura militar continua de uma atualidade impressionante: é muito fácil ser "cabra macho" e acusar os outros; difícil mesmo é ser homem e assumir os crimes cometidos e revelar o seu rabo preso.

Para piorar, a grande mídia brasileira - assumidamente partidária e controlada por menos de DEZ famílias ricas - se levanta assumidamente contra aqueles que pretendem dar um golpe na democracia brasileira. Eu me pergunto ATÉ QUANDO teremos que cantar canções que tratam do egoísmo daqueles que se refestelam no poder, da incompetência dos tiranos que querem fazer do Brasil um país mais desigual, que não dá oportunidades para todos os seus habitantes? O papel dos meios de comunicação brasileiros é determinante neste processo, visto que eles advogam em causa próprias, em prol dos corruptos e não de uma pessoa idônea, que nunca se beneficiou dos seis anos na Presidência da República. Os jornais e a TV manipulam as informações e dão ampla sustentação a um impeachment travestido de golpe de estado que pode comprometer a democracia de maneira fatal. Veículos de peso como a Folha de S. Paulo possuem entre seus colunistas indivíduos de moral baixa e vergonhosa como Reinaldo Azevedo e Kim Kataguiri. Enquanto isso, muitos repetem o eternamente viciado discurso midiático formulado pela canalhice de dois ou três como cassandras robotizadas e inconscientes da gravidade dos fatos.

O clima de ódio e agressividade passa a tomar conta das manifestações políticas de uma maneira muito nociva. Ao ponto de nomes como Chico Buarque de Hollanda, um eterno defensor da democracia e da liberdade de expressão, chegar a ser infinitamente enxovalhado em praça pública, pela mídia golpista e nas redes sociais. Como dizia a famosa canção de Rita Lee & Roberto de Carvalho, eternizada pela voz de Elis Regina: hoje vivemos tempos de "muita patrulha" e "muita bagunça", nos quais torna-se difícil de encontrar a verdade dos fatos. Os inegáveis erros dos governos petistas (corrupção de membros do governo, coerência, falta de medidas de "esquerda") acabam falando mais alto do que os indiscutíveis acertos das administrações de Lula e Dilma.

A burrice se tornou uma constante de uma parcela maciça da esfera pública. A criação do maior número de universidades federais, a inclusão social que gerou uma diminuição expressiva da fome no Brasil e a ascensão das classes C, D e E, a garantia de alguns direitos das minorias são algumas das conquistas dos governos do PT que foram sumariamente ignoradas por, pelo menos, metade da população brasileira. Por outro lado, os governos de oposição - especialmente os do PSDB - não recebem o julgamento de uma significativa parcela da mídia e da sociedade. Alguns exemplos deste fato no Sudeste devem-se ao descaso do governo Alckmin com os transportes, a educação e os bens culturais: nenhum afiliado tucano foi julgado pelos envolvimentos no Tremsalão, as escolas estaduais se encontram em um estado deplorável, dois centros culturais importantíssimos sofreram incêndios e não temos a menor perspectiva de termos acesso ao Museu da Língua Portuguesa e ao Auditório do Memorial da América Latina. O que podemos dizer dos mais de 20 museus fechados no RJ em prol do Museu do Amanhã, construído só para inglês ver? Esperamos até hoje que os responsáveis pela tragédia de Mariana (MG) sejam devidamente punidos pelas autoridades...


Junto com a burrice das instituições, a hipocrisia se destaca de maneira impressionante. Os redutos da elite desejam dar o tom de um pensamento único neste país, sem direito de exercer qualquer espécie de discórdia. O fascismo generalizado progride através de um conservadorismo atroz. Este texto é um apelo para que a esfera pública não se permita abater pela burrice, ciência que deveria ser estudada e entendida a ponto de que os erros do passado não sejam repetidos no presente e comprometam o futuro. Para os que não compreendem a importância da democracia e não entendem a importância do lado escolhido por mim, deixo uma frase do diretor e encenador teatral Gerald Thomas como mensagem direta: "Joguem essas pedras, meus amores! Precisamos delas!". Não tememos o preço de levantar nossas vozes dissonantes a favor das lutas inglórias e a favor da liberdade e da democracia...



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