O EROTISMO SEGUNDO MADONNA
(EROTICA: 25 ANOS DEPOIS)
“When
you know the notes to sing
You can sing
most anything
That’s what my
mama told me”
(Madonna, 1992)
O mundo andava bastante conturbado em 1992. Vivíamos o auge da 1ª Era
Bush com direito a conflitos armados de toda espécie. O Brasil vivia a
deposição do primeiro presidente eleito pelo voto através de um impeachment. A
AIDS tinha tragado alguns nomes do entretenimento em todo o planeta: enquanto
chorávamos a morte de Cazuza, o resto do mundo amargava a partida precoce de
Freddie Mercury. Tempos conservadores aqueles. Falar de sexo se restringia
apenas à prevenção para que a tal síndrome (que nunca escolheu cor, sexo ou
sexualidade) não viesse bater à sua porta. Mencionar prazer sexual ainda era um
tabu e tanto no início da década de 1990.
Em outubro de 1992, uma das vozes mais controversas e revolucionárias do
mundo do entretenimento resolveu acender o pavio eterno de toda e qualquer
discussão em torno de sexo. Madonna já comprara uma quantidade sem tamanho de
brigas ao beijar um Cristo negro e tinha dançado freneticamente na frente de
cruzes em chamas. Já tinha simulado sexo oral e masturbação durante a turnê Blond Ambition anos
antes. Em outras palavras, Madge não precisava de muito pretexto para arranjar
confusão, pois seu nome constava no topo da lista negra dos conservadores mais
ferrenhos e radicais. Mesmo assim, ela resolveu dobrar a sua artilharia contra
a caretice.
Em 20 de outubro de 1992, Madonna deu uma cartada e tanto contra os
conservadores e o medo de se falar sobre sexo: Erotica, seu quinto álbum de estúdio, foi lançado simultaneamente com Sex, um coffee table book com
fotos artísticas de Steven Meisel no qual o mundo conheceu todos os ângulos
possíveis e imagináveis da Rainha do Pop em colorido e em preto e branco. Foi o
primeiro empreendimento da artista através do selo multimídia Maverick, ligado à Warner Records. O
livro trata de vários tipos de fantasias sexuais com a Pop Star nua ao lado de
anônimos e famosos - sexo grupal, relações em locais públicos, ménage a trois,
sadomasoquismo e sexo oral são alguns dos temas abordados pela obra. O álbum,
por sua vez, trata dos mesmos temas do livro, de maneira bastante França e
explícita. Na pele do alter-ego “Dita”, Madonna apresenta uma síntese da
importância do prazer durante o sexo em “Erotica”, sua canção-manifesto, uma
anti-canção pregando a sacanagem com todas as letras. A missão de Dita era a de
ensinar as pessoas a terem uma vida com menos inibição e mais prazer,
desmistificando o sadomasoquismo e o sexo oral. E some a este caldeirão
fumegante canções sobre obsessão sexual, promiscuidade, confissões de amor e
ódio e duas odes contra o preconceito.
Quando a Rainha do Pop se vestiu de Dita, lançou este compêndio sobre o
sexo (CD e livro), eu tinha um pouco de mais de 11 anos de idade e estava descobrindo
os prazeres da música naquele momento de minha vida. Lembro com clareza do
linchamento público sofrido por Madonna e da excitação pública que os fãs
sentiam com cada clipe, cada escândalo e com a turnê The Girlie Show, que
passou pelo Brasil em novembro de 1993 – até hoje eu me lembro do choque de D.
Magaly, minha avó ao ver o número de abertura do espetáculo, no qual uma das bailarinas
descia seminua fazendo pole dancing.
Apesar do álbum e do show terem recebido críticas favoráveis, os conservadores
de plantão não perdoaram Madge por ter tocado em tabus sexuais tão controversos
de uma tacada só e a partir de uma perspectiva tão pessoal. Querendo ou não, os
anos 1992-1993 foram muito difíceis para a Pop Star por terem lhe imposto uma
imagem de degenerada e irresponsável, o que fez com que Erotica fosse o primeiro álbum de Madonna a
não atingir o topo das paradas da Billboard.
Apesar de ser um disco adorado pelos fãs, Erotica é, infelizmente, um dos trabalhos mais subestimados de Madonna – creio
que foi o primeiro disco com aquele selo “Parental Advisory Label” que eu me
lembro de ter visto. Foi um álbum bem menos vendido comparado a True Blue, Like a Prayer e Like a Virgin,
porém é o único disco em que a Rainha do Pop trata de sexo, vida, morte, agonia,
desejo, liberdade e prazer sexual com tamanha contundência. Para um menino
suburbano que estava entrando na adolescência, descobrindo os prazeres da
música (e os sexuais também!), as 14 gravações daquele CD se tornaram em um desejo
incontrolável de libertação, contestação e de pensar do lado de fora da
caixinha que nos impõem para que possamos viver harmoniosamente em sociedade.
Musicalmente falando, Erotica também é uma aula de diversidade musical: seduzida pela Dance Music do
início dos anos 1990, como também pela da década de 1970, Madonna se aliou aos
produtores Shep Pettibone (com quem fez “Vogue”) e André Betts para a
realização de um trabalho que reúne baladas e canções dançantes em ritmo de R
& B, Hip Hop, Soul, Jazz, House e uma guitarra flamenca sensacional em “Deeper
and Deeper”. Enquanto eu me encantava cada vez mais pela Rainha do Pop, seu som,
suas imagens e mutações mil através da extinta MTV Brasil, aprendi algumas
lições básicas de como se faz música popular, sem deixar a peteca da qualidade cair.
Além disto, Madonna me ensinou a importância de não temos que depender
de ninguém para termos a liberdade de pensar e existir da maneira que for mais
conveniente para cada um de nós, sem se prender a quaisquer espécies de amarras
morais ou ideológicas. E como ela mesma já nos disse, pobre é aquele que
depende do outro para encontrar o seu próprio prazer. Em uma época na qual não
podíamos falar de sexo tranquilamente por causa de uma epidemia que varria as
pessoas para o vale da morte indistintamente, a Rainha do Pop reinventou a
noção de erotismo na música. Graças a sua coragem e ao nosso desejo de
liberdade, Erotica não ficará no limbo do esquecimento que os conservadores criaram para
nos queimar vivos. Afinal de contas, as genuínas obras de arte não merecem e
não podem ser esquecidas...