MINHA AMADA CECILINHA
Uma
crônica para homenagear a Santa Protetora dos Músicos
Foto: Nilton Serra |
Já
advirto ao leitor destas mal traçadas linhas: esta crônica não é sobre Cecília
Meirelles. Também não é sobre Cecilia Bartoli, a soprano italiana que encanta
qualquer leigo em matéria de música clássica. Quem sabe até poderia ser sobre
Cecília Meirelles, uma das maiores expressões brasileiras em matéria de poesia
em Língua Portuguesa. Poderia ser sobre a canção “Cecília”, uma das canções
mais belas (e desconhecidas) do repertório de Chico Buarque de Hollanda. Talvez
esta homenagem seja sobre nossa afilhada, uma menininha de seis anos que tem
uma personalidade tão marcante que renderia uma crônica bem legal. Todavia,
nenhuma delas é a musa do texto de hoje.
Para os que me conhecem bem, Cecilinha
é Santa Cecília, não o famoso bairro que fica na região central de São Paulo e
que é adorado por nove entre dez jovens descolados, mas a Santa mesmo. Nascida
em Roma, Itália, por volta do ano 150 D.C., Santa Cecília era filha de uma
família nobre. Cristã, decidiu fazer voto de castidade para vivenciar o amor
divino típico dos mártires que se sacrificam pela fé. Em uma era na qual a fé
em Cristo era sinônimo de perseguição, foi condenada à tortura. Seu martírio
levou muito mais do que se esperava, pois a jovem manteve sua fé inabalável e
enfrentou seu destino trágico. Condenada à morte por uma machada no pescoço,
Cecília recebeu um golpe fatal, porém ainda chegou a sobreviver por mais três
dias e chegou a conversar e dar conselhos para aqueles que vinham rezar por
ela. Seu ofício final foi o de cantar até não ter mais forças e morrer como uma
das principais mártires da Igreja Católica.
Desde
então, Santa Cecília se tornou conhecida não apenas como mártir, mas
principalmente como a Santa Padroeira dos Músicos, cujo dia é comemorado no dia
22 de novembro. Apesar de não ser músico profissional e de não tocar nenhum
instrumento musical (fiz aulas de canto por um ano), devo muito do que sou
profissionalmente à música. Por outro lado, minha vida acadêmica e profissional
está intimamente ligada a versos e sons: eu me tornei Professor de Inglês
motivado pelo que ouvia no rádio e conduzi minha vida acadêmica pesquisando o
que havia de melhor da música brasileira. No entanto, dois episódios ocorridos
comigo no dia 22 de novembro fizeram com que eu concluísse de uma vez por todas
de que havia uma luz a guiar o meu caminho de um lugar o qual eu jamais poderia
enxergar.
O primeiro deles aconteceu em 2010. Paul
McCartney estava prestes a começar uma turnê brasileira depois de quase duas
décadas sem tocar por estas bandas. Tentei comprar ingressos para o show de 21
de novembro, domingo, mas, como existem tantos Beatlemaníacos por aqui quanto
membros de torcida organizada, as entradas se esgotaram antes de um mero
estalar de dedos. Faltando poucos dias para a apresentação, Macca anunciou que
faria um show extra na segunda-feira, 22 de novembro de 2010. Diante da
oportunidade de ouro, convoquei uma amiga e partimos em retirada para o Estádio
do Morumbi e conseguimos três ingressos de pista para o segundo show da turnê Up and Coming.
Foto: Nilton Serra |
Segundo o relato de alguns amigos que foram ao show de 21 de novembro, Paul fez um belíssimo show para um Morumbi lotado e ensolarado. Tudo indicava uma semana sem catástrofes climáticas. Porém, segunda-feira, essa eterna bagunceira dos ânimos e dos humores do ser humano, nos reservava surpresas eletrizantes: São Pedro, em um péssimo dia, se revoltou e enviou uma tempestade daquelas em cima da Cidade de São Paulo! Mas foi uma chuva daquelas de parar a cidade inteira. Saí mais cedo do trabalho e fui para o estádio com seis horas de antecedência com o coração na boca e preocupado com a possibilidade de não chegar no local da apresentação.
Entre Fabíola Bueno e Nilton Serra, o autor da maioria das imagens que estão na postagem de hoje. |
Era dia de Santa Cecília
e, sem que eu me desse conta, o aguaceiro resolveu dar uma trégua no Morumbi
minutos antes de Paul McCartney entrar no palco. Para compensar os ânimos,
Macca abriu o show tocando “Magical Mystery Tour”, dos Beatles (canção que eu
jamais imaginei ouvir ao vivo na vida), alegrando o público já nos primeiros
segundos da segunda apresentação de sua turnê por São Paulo. Dez anos depois,
ao me lembrar daquele dia, constatei que Cecilinha sempre protege os músicos e
os amantes de versos e sons como este aqui que vos escreve.
O segundo episódio no
qual Santa Cecília apareceu na minha vida se deu quatro anos do show de Paul
McCartney. Estávamos na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo,
para o batizado de nossa primeira afilhada. Por questões profissionais, não
tínhamos muita opção a não ser postergar a cerimônia para o feriadão da
terceira semana de novembro de 2014, já que a distância entre a capital e Rio
Preto é de mais de 400 km. Na manhã de sábado, 22 de novembro, descobrimos que
estávamos no dia da padroeira dos músicos e que o nome da pimpolha que estava
prestes a ser batizada era Maria Cecília. Por maior que fosse a coincidência,
já era mais do que tempo de retribuir as graças alcançadas. Afinal, a vida não
é feita de acasos e sempre precisamos retribuir o carinho que recebemos...
O primeiro altar de Cecilinha: o RÁDIO! |
Alguns anos depois,
ganhei uma imagem de Santa Cecília de aniversário de meus pais. Vivia uma fase
feliz na minha vida, tinha acabado de me mudar para um apartamento novo e
estava às voltas com móveis e eletrodomésticos novos. Não pensei duas vezes
antes de escolher um altar, diria, “um tanto peculiar”, para a santinha: ela
passou a ficar em cima do meu antigo rádio, abençoando meu lar ao lado de todos
os músicos que desfilavam pelo aparelho de som.
Porém, a vida gosta de armar algumas surpresas para a
gente: Cecilinha
ficou soberana de versos e sons em cima do meu antigo aparelho de som até o dia
em que o rádio quebrou de vez. Enquanto me acostumava ao meu apartamento novo,
segundo em menos de dois anos, e com a bagunça de uma mudança e da falta de
espaço, mal sabia onde guardava vários dos meus pertences. Certo dia, em um
surto de arrumação, quis colocar minha imagem de Santa Cecília em um local
seguro, pois receberíamos visitas para um dia de domingo. Acreditem se quiser,
mas toda criança que vem nos visitar fica encantada pelo meu escritório: não
apenas por causa dos livros, mas por causa das miniaturas e trecos mil que
coleciono e se acumulam no caos.
Por motivos de superproteção, guardei
minha amada Cecilinha em um lugar secreto da estante. Lugar esse tão secreto,
mas tão secreto que eu nem conseguia mais me lembrar. Eu andava tão estressado
nos últimos três meses do ano de 2019 que eu mal imaginava para onde minha
imagem de Santa Cecília poderia ter ido. Fiquei triste, frustrado, arrasado e
cheguei a procurar outras imagens da santinha para substituir a que meus pais
me deram de presente. Nenhuma delas à altura da beleza da original, diga-se de
passagem.
Minha Cecilinha ficou brincando de
pique-esconde, fazendo a Lindoneia desaparecida por quase três meses comigo.
Seu “sumiço” chegou a virar piada aqui em casa, com direito a algumas
especulações acerca de seu paradeiro: 1) Cecilinha tinha sido levada por
acidente, possibilidade que eu prontamente descartei; 2) Tinha guardado a
Cecilinha por acidente nas milhares de caixas que ainda sobraram da mudança; 3)
Cecilinha se revoltou porque não havia mais rádio em casa, se revoltou com a minha
bagunça e simplesmente teria ido embora em sinal de protesto! Hipóteses
completamente descartadas no início de janeiro de 2020, quando ela foi
encontrada em uma das prateleiras dos meus livros de música. Ela surgiu
reluzente e levemente empoeirada, mas pronta para assumir seu posto definitivo:
o novo aparelho de som (bem melhor do que o anterior!) que compramos para a
nova casa...
A lição que eu tirei depois das
“férias” da minha amada Cecilinha foi bem clara: sempre deixe ela próxima do
rádio, para que ela esteja sempre a postos para proteger não apenas os músicos,
como todos os artistas e os amigos da arte que são de boa índole e bom coração.
Além disso, eu sempre posso recorrer a ela no momento em que eu necessitar de
cuidados mais específicos ou apenas quando estiver com vontade de conversar com
ela. Se ela iluminou o meu caminho mais de uma vez, não custa deixar ela bem
perto do canto mais atraente da casa: aquele que sempre tem uma boa música para
a gente ouvir.
O bom de revirar as caixas que ainda
sobraram da mudança foi poder achar uma imagem de São Francisco de Assis, vulgo
Chiquinho, o outro santinho daqui de casa. Cecilinha ganhou um parceiro e tanto
nas preces e nas conversas íntimas que temos com eles. Eis uma dupla e tanto:
enquanto uma protege os músicos, o outro é o protetor dos animais e da
ecologia: eis uma parceria de muito sucesso...