ANGELA
RÔ RÔ – COMPASSO (2006)
“Estou bem melhor como cantora sem a nicotina
e o alcatrão. Tenho mais fôlego, mais lucidez e melhorou meu sistema nervoso.
Desafino menos.”
(Angela Rô Rô)
Angela Rô Rô é uma das cantoras mais
talentosas da música brasileira: em uma carreira que se expande por quatro
décadas, lançou 14 álbuns até o final de 2017 – 11 de estúdio e 3 ao vivo. Suas
canções falam das mais variadas formas de amor – declarações de liberdade, protestos
contra a depredação da natureza e as famosas odes amorosas em forma de canção
são os temas mais recorrentes de sua obra musical.
Compasso
é o único álbum de inéditas lançado por Angela Rô Rô na década de 2000.
Bastante elogiado pela crítica e aclamado pelo público, é um trabalho de
parcerias interessantes: além do seu escudeiro de décadas, o tecladista Ricardo
MacCord, há dobradinhas com a poeta e letrista Ana Terra (co-autora de “Amor
Meu Grande Amor”) e com o pianista e produtor Antonio Adolfo, com quem a
artista trabalhou em seus primeiros anos de carreira. O ouvinte é brindado com
uma diversidade musical bastante interessante: Rock, Jazz, Forró, Blues, Bossa
Nova e baladas românticas bem ao gosto das rádios de MPB.
A faixa-título é uma declaração de amor
à nova vida que surgia, um manifesto da nova Angela Rô Rô que surgia para os
olhos e ouvidos do seu público: sóbria, sorridente e bastante esbelta (não
menos louca, diga-se de passagem!) – uma imagem bastante distinta da gordinha
sexy que vivia em plena esbórnia e cantava a fossa e a boemia como
pouquíssimos. O uísque dos tempos de outrora fora substituído pela água
mineral. A irreverência, como consequência, passou a ser abastecida por um bom
humor menos agressivo:
É
o que pulsa o meu sangue quente
É
o que faz meu animal ser gente
É
o meu compasso mais civilizado e controlado
Estou
deixando o ar me respirar
Bebendo
água pra lubrificar
Mirando
a mente em algo producente
Meu
alvo é a paz!
Vou
carregar de tudo vida afora
Marcas
de amor, de luto e espora
Deixo
alegria e dor ao ir embora
Amo
a vida a cada segundo
Pois
para viver eu transformei meu mundo
Abro
feliz o peito, é meu direito!
“Contagem regressiva”, um rock assinado pela cantora e Ricardo MacCord,
se assemelha por demais com as gravações clássicas de Angela Rô Rô do início
dos anos 1980 e uma das melhores faixas de Compasso,
pois atesta o seu talento de intérprete:
Se
alguma coisa perturba você
Larga
a aflição e vem me ver
Se
a solidão caça você
Larga
essa dor, eu vou te ver!
Pode
contar comigo contagem regressiva
Que
eu ponho fim a essa tristeza compulsiva
Também,
pra quê que serve amigo?
Chamego
e conforto, teu barco à deriva
Posso
ser teu porto! Meu bem!
Se
o amor assusta você
Conta
comigo, vem me ver
Se
o amor feriu você
Sou
teu amigo, vou te ver
Pode
contar comigo contagem regressiva
Que
eu ponho fim a essa tristeza compulsiva
Também,
pra quê que serve amigo?
Chamego
e conforto, teu barco à deriva
Posso
ser teu porto! Meu bem!
Dentre as
faixas românticas de Compasso,
destaca-se “Paixão”, parceria bissexta de Angela Rô Rô com a poeta Ana Terra,
mais de duas décadas depois de “Amor, Meu Grande Amor”. Com Ricardo MacCord,
compôs as apaixonadas “Sem Adeus” e “Loucura Maior”. No entanto, a faixa mais
apaixonada deste CD é “Chance de Amar”, sétima faixa do disco, uma dobradinha
de Rô Rô com o pianista, compositor e produtor musical Antônio Adolfo:
Não
é por sentir que te quero
Nem
por saber esperar
Por
todas as vezes que antes... foi vacilar
Sem
medo de perdas ou ganhos
Sem
pensar se amar
Ao
longo de todos os anos... valeu tentar
Apenas
a música lenta... tocando dentro de mim
Lembrando
que um sonho de alento... não tem fim
Não
é por pensar em você... como quem quer estudar
Todas
as aulas da vida... sem faltar.
Sem
culpa da curiosidade... pois tão pouco te vi
Ao
longo de toda a cidade... ando a sorrir
Apenas
a música lenta... tocando dentro de mim
Lembrando
que todo o tormento... tem um fim
É
por ser tanto que quero... que vou saber esperar
Por
qualquer tipo de afeto... que brotar
Sem
medo de perdas ou ganhos, sem pensar se amar
Ao
longo de todos os anos... valeu tentar
Apenas
a música lenta... tocando dentro de nós.
Lembrando
num gesto amigo... não somos sós.
Teu
caminho a liberdade... pro meu caminho cruzar.
Aprendi
a dar valor... a qualquer chance de amar
A
menor chance de amar.
A
qualquer chance de amar.
No quesito diversidade musical, os fãs
de Angela Rô Rô foram brindados com “Dá Pé!”, um reggae filosófico e bem debochado, bem ao estilo irreverente da
artista. “Menti pra Você”, uma Bossa marcada pelos arranjos de MacCord, vai na
contramão dos clássicos do gênero ao falar de amores fugazes, porém intensos. “Arranca
Essa Flor” é um bolero delicado e inspirado no repertório musical de Omara
Portuondo, uma das mais belas vozes cubanas. Por fim, “Não Adianta” é um forró,
um lamento apaixonado que trata de dor e desilusão e comprova o quando Rô Rô é
um intérprete versátil e inteligente, ao transitar com naturalidade por
universos musicais distintos:
Tenho
um coração apaixonado
Não
adianta nem tentar curar
Não
vejo mais o verde das pastagens
Nem
ouço a brisa da alegria me chamar
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
Tenho
um coração tão machucado
Não
adianta nem amaciar!
Não
ouço o riacho versejando
E
os passarinhos cedo a cantar...
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
O
sol se põe tardinha quase noite
E
a sua ausência vira um açoite
Depois
de um dia inteiro trabalhando
Não
durmo com a saudade me açoitando
E
o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
E
o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que
eu não posso mais amar você
O
sol se põe tardinha quase noite
E
a sua ausência vira um açoite
Depois
de um dia inteiro trabalhando
Não
durmo com a saudade me açoitando
E
o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
E
o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que
eu não posso mais amar você
Talvez
toda essa gente sinta o mesmo
E
a essa hora corra para o bar
Só
sei que o sentimento por você
Me
fez até não querer mais me embriagar
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais querer você
Pois
só escuto a dor a me dizer
Que
eu não posso mais amar você
Angela Rô Rô guardou para o final de Compasso as
três faixas mais intensas do disco. “Bater Não Doi” e “Nossos Enganos” são duas
canções de protesto bastante fortes, com mensagem direta: as consequências dos
atos mais irresponsáveis dos seres humanos, a falta de perspectivas de um mundo
a mercê dos desmandos dos homens, a vilania e a ambição do homo sapiens:
São
nossos os nossos enganos
Os
danos que danam em nós
Os
erros que erramos unidos
Pagamos
com a vida a sós
A
vida com as horas contadas
O
encontro marcado às escuras
Caminho
de pedras marcadas
E
um chão de penas duras
A
raça humana ingrata
Só
fez ferir a terra
De
um jeito que não haja mais amanhã
Cruel
geral tormenta
Doença,
fome e guerra
Tão
triste reconhecer que sou vilã
O álbum se encerra com “Dorme, Sonha...”,
um acalanto apaixonado e que foi número de abertura das primeiras apresentações
da turnê deste álbum em São Paulo. Uma Angela Rô Rô lírica, intensa e
apaixonada surge para o ouvinte, convidando sua musa amada para o sono redentor
dos amantes apaixonados e sedentos por amor:
Dorme,
dorme, dorme e sonha
Deixa
o seu perfume em minha fronha
Acorda,
acordo, a corda está sem nós
A
corda deu um laço não estamos sós
Dorme
e sonha espanta o medo
Meu
amor é só o seu brinquedo
Acorda,
acordo o seu adeus certeiro
leva
o sonho do meu travesseiro
Em
breve sei que vou sentir seu cheiro
Compasso é um dos cinco trabalhos mais importantes da
discografia de Angela Rô Rô, visto que apresentou a artista a uma nova geração de
ouvintes de MPB e satisfez fãs saudosos de novos sucessos, do lirismo e da fina
ironia de uma das cantoras mais talentosas de nossa música. Apesar de sóbria e
limpa de quaisquer tipos de narcóticos, a loucura de Rô Rô se manteve intacta
com o passar do tempo: continua intensa, hilária e apaixonada, por isso, é uma
artista fundamental.