26 de novembro de 2012

TROVA # 14


“Where were you in ’72?”


Ao querido Fabio Bridges e tantos outros que viveram
(ou quiseram ter vivido) intensamente o ano de 1972.


          A pergunta que aparece aí no título está em aspas foi vista por mim pela primeiríssima vez na bolsa de uma bela Professora de Espanhol que já trabalhou comigo. É algo que eu adoraria responder, porém infelizmente não estava em lugar algum quando o mundo viveu os ocorridos no ano de 1972 depois de Cristo. Sou um filho dos anos 1980 e carrego nas minhas memórias afetivas (quase) tudo que se produziu nesta década, mas principalmente o que se sucedeu antes de 1981, ano em que eu nasci.

          Um pouco complicado? Muito bem, vamos explicar...

          Sempre fui fascinado por tudo de bom e de ruim que os anos 1970 produziram em termos musicais para a humanidade. Tenho um enorme respeito (e uma inveja declarada, obviamente...) por aqueles que viveram “esta década mucho louca”. Ouço histórias desta época com um prazer redobrado e cansei de pesquisar o que já se sabe sobre o período – com toda a modéstia, isso não significa que sei tanto quanto outras pessoas que se encontram por aí... Antes que surja a pergunta, eu já respondo: sim, eu queria ter vivido nos anos 1970. Volta e meia eu me imagino vestindo calças boca de sino e sapatos masculinos de salto alto, com aquelas roupas nada discretas e aquele hairdo bem típico daqueles dias – lembrando apenas que gosto é algo que não se discute. Como não resolveram conceder asas a esta cobra que aqui vos escreve, vamos disseminar a informação...

*

          Se existe um ano nesta década que definiu de uma vez por todas o panorama musical do planeta, não temos a menor sombra de dúvidas de que foi o ano de 1972 o responsável por uma série de revoluções na música do Brasil e do planeta. Por isso, vamos trazer 10 exemplos deste fato a partir de já:


10) James Taylor – One Man Dog

One Man Dog, quarto álbum de James Taylor, é um dos títulos mais raros de sua discografia. Seu folk rock, seus “la-la-las” e suas canções (algumas mini-suítes instrumentais, alguns rocks e as belas baladas de sempre!) estão muito bem assessorados pela produção eficiente de Peter Asher e por seus fiéis músicos de apoio: Danny Kortchmar (Guitarras), Clarence McDonald (Pianos e Teclados), Lee Sklar (Baixo) e Russell Kunkel (Bateria). Além disso, o disco conta com as colaborações valiosas de músicos tarimbados como Michael Brecker (Sopros), Carole King (Pianos) e as cantoras Linda Ronstadt e a ex-esposa Carly Simon nos vocais de apoio.

          One Man Dog é o álbum que marca o amadurecimento musical de Taylor. A imagem do cantor, mais polida e menos descontraída, casa com letras mais realistas e influenciadas pelas drogas (o cantor foi usuário de drogas por muitos anos, um dos motivos que arruinaram seu primeiro casamento). Se apenas ouvirmos pérolas como “Don’t Let Me Be Lonely Tonight” já temos motivos para elegermos James Taylor como um dos músicos mais brilhantes de sua geração... Um clássico que devemos resgatar e ouvir mais!


9) Transa – Caetano Veloso


          Depois de viver quase três anos exilado em Londres ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso retornou definitivamente ao Brasil em janeiro de 1972. Além de trazer muita saudade, o “Mano Caetano” trouxe na bagagem um dos discos mais cultuados de sua extensa discografia: Transa, cuja capa traz uma imagem do cantor já atualizada para os padrões da época – com um look bastante andrógino, a imagem Caetano está envolta por uma moldura vermelha e com dizeres que se assemelham às fontes tipográficas utilizadas pelos Concretistas anos antes.

          O time de músicos escalados para este disco é estelar: Gal Costa (Vocais de Apoio), Jards Macalé (Violões), Tutty Moreno (Bateria), o produtor (e violonista!), Perinho Albuquerque e uma ainda desconhecida Angela Ro Ro – na época, também vivendo em Londres – tocando uma discreta gaita na última faixa do disco. Já as sete canções gravadas para este disco mesclam Português e Inglês, letras originais, pontos de macumba e poemas barrocos adaptados para o formato canção. Tudo isto sob o olhar cinematográfico com algumas pitadas filosóficas do arauto do Tropicalismo.

          “You Don’t Know Me”, “Nine Out Of Ten”, “Nostalgia (That’s What Rock ‘n’ Roll Is All About) e “Triste Bahia” são amostras de que, apesar de Caetano Veloso se utilizar de palavras de outro idioma para se expressar, a arte deste mestre da canção soava mais brasileira como nunca tinha soado até aquele momento...


 8) Elis Regina – Elis

          A carreira da Pimentinha tomou um rumo definitivo a partir do disco lançado por ela em 1972. O repertório deste Elis é mais político e a concepção musical ficou a cargo de César Camargo Mariano (que modernizou o som da Musa do Beco das Garrafas). O canto da artista está mais contido e menos exagerado como em trabalhos anteriores – sua voz estava no auge da forma e emocionava milhões de brasileiros como nunca tinha feito anteriormente.

Este disco já nasceu clássico simplesmente porque lançou canções inéditas até então como “Águas de Março” (Antônio Carlos Jobim), “Nada Será Como Antes” (Milton Nascimento & Ronaldo Bastos), “Casa no Campo” (Zé Rodrix & Tavito), “20 Anos Blue” (Sueli Costa & Vitor Martins) e a obra-prima da parceria de Chico Buarque e Francis Hime: “Atrás da Porta”. Esta última gravação em especial foi tão emblemática que fez de Elis Regina Carvalho Costa a estrela-guia das cantoras brasileiras. Elis é um trabalho essencial para aqueles que querem se iniciar na obra de uma das maiores artistas deste país.


 7) Maria Bethânia – Drama: Anjo Exterminado


          O título deste LP – editado em CD recentemente – pode enganar os ouvintes mais desavisados da filha cantora de Dona Canô. O Drama que Maria Bethânia lançou em 1972 (no ano seguinte, a Philips lançou Drama: Luz da Noite – gravação ao vivo do show deste disco) é um disco corajoso, arrojado e ousadíssimo para os padrões da época – mérito dos arranjos e produção de Perinho Albuquerque, produtor de vários trabalhos dos Velhos Baianos durante a década de 1970.

          Do ponto de umbanda até a faixa-título (composta por Caetano Veloso em homenagem à irmã), Bethânia canta o melodrama presente no cancioneiro brasileiro – “Bom Dia” (Aldo Cabral & Herivelto Martins),  “Volta por Cima” (Paulo Vanzolini), “Maldição” (Alfredo Duarte & Armando Vieira Pinto) –, o samba do recôncavo de Batatinha – “O Circo” –, pérolas de futuros malditos da MPB como Luiz Melodia e Jards Macalé, além de uma composição própria em parceria com o Mano Caetano (“Trampolim”). É um disco político sem deixar de ser poético. Moderno sem deixar de estar calcado na tradição. E acima de tudo, um disco que revela o essencial da arte de Maria Bethânia Viana Telles Veloso.


6) Stevie Wonder – Talking Book


          Em 1972, “Mr. Maravilha” já tinha deixado de ser o Little Stevie que seguia a cartilha musical da gravadora Motown. Este “livro falante” não era apenas o grito de independência artística definitivo de um gênio, como acabou se tornando uma das peças fundamentais da obra de Stevie Wonder e da música mundial.

          Entre baladas de amor (“You Are The Sunshine Of My Life”, “You And I”) e grooves sensacionais (“Superstition”, “Tuesday Heartbreak”) e algumas pitadas de discurso político contra os EUA da época (“Big Brother”), Talking Book é uma experiência musical quarentona que não distingue sexo, cor ou idade, tal qual qualquer obra-prima...


5) Gilberto Gil – Expresso 2222


          O ano de 1972 foi um ano felicíssimo para a música brasileira. O retorno de Gilberto Gil ao território brasileiro depois de quase três anos de exílio em Londres foi comemorado por muitos de nós. O Brasil ainda penava com os males da ditadura militar de Médici e seus comparsas, enquanto a classe musical ia obtendo seu ganha-pão graças a muitos jogos de palavras, metáforas e irreverência.

          O Expresso de Gil, tão enriquecido de sons, versos e ritmos tal qual o “livro falante” de Stevie Wonder, é uma verdadeira aula de música brasileira. O filho de D. Claudina queria nos levar para o futuro, porém cabe aqui a seguinte pergunta: que futuro seria este? Resposta: um tempo no qual a música deste país consegue conviver com diversas tendências da cena internacional sem deixar de se pautar no melhor da nossa tradição musical, com um discurso despudoradamente místico e alegre. Canções como “Back in Bahia”, “Oriente” e as regravações de “Sai do Sereno”, “Chiclete com Banana” e “Cada Macaco no Seu Galho (Chô, Chuá) são provas não apenas disto, como também do que a máquina de ritmo de Gil sabe fazer de melhor: música de qualidade!   


4) Carly Simon – No Secrets


          Para o seu 3.º disco solo, Ms. Simon decidiu ir em busca do melhor produtor musical do ramo naqueles idos de 1972 – Richard Perry, que já tinha trabalhado até aquele momento com nomes de altíssimo peso (Ella Fitzgerald, Fats Domino, Barbra Streisand, Harry Nilsson) do mundo musical. Gravado em Londres, No Secrets teve a presença de músicos ilustríssimos: Mick Jagger canta os vocais de apoio de “You’re So Vain”, o casal Paul & Linda McCartney deram um canja de altíssimo peso em “Night Owl”, James Taylor – na época, namorado de Simon – fez várias pontas neste disco.

          Este disco reúne o melhor repertório da filha de Richard Simon (co-fundador da Simon & Schuster, uma gigante empresa do mercado editorial norte-americano) em mais de 40 anos de carreira: o lirismo de “The Right Thing To Do”, “Embrace Me, You Child” e “When You Close Your Eyes” contrasta com a (leve) acidez contida em “It Was So Easy”, “The Carter Family”, “His Friends Are More Than Fond Of Robin”, “(We Have) No Secrets” e o mega clássico “You’re So Vain”. Com exceção da identidade do muso inspirador desta última faixa (Jagger? Taylor? Kris Kristofferson? Warren Beatty?), Carly Simon não tinha segredos para esconder de seu público. Ainda bem...


3) David Bowie – The Rise & Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars


          Até 1972, o autor deste disco era um mero cantor que tinha um futuro musical promissor. A partir de Ziggy Stardust..., David Bowie se tornou um rockstar de primeiríssima grandeza.

          Tendo Mick Ronson como seu fiel escudeiro, Bowie arquitetou sua obra-prima e lançou várias das faixas deste disco para a história – “Starman”, “Soul Love”, “Suffragette City” e a faixa título se tornaram obrigatórias em várias turnês seguintes do astro. A intensidade que David Bowie imprimiu ao seu melhor personagem foi tanta que, ao final da turnê, Ziggy precisava ser morto de forma que a arte não se sobrepusesse à vida. As saudades dos fãs são muitas, todavia foi uma decisão acertada de Mr. David Jones, afinal, ele queria encontrar novas (e mais desafiadoras) maneiras de ser eterno. E, pelo visto, trabalhos posteriores como Young Americans (1975), a trilogia Low – Heroes – Lodger (1977-1979), Let’s Dance (1983), Outside (1995), Earthling (1997), ‘Hours...’ (2000) e Reality (2003) conseguiram renovar a figura mítica em torno deste artista tão singular, porém sem o mesmo charme de The Rise & Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars.


 2) Novos Baianos – Acabou Chorare


          O que é, o que é? Um grupo de desbundados com muitas ideias musicais na cabeça vivendo em uma comunidade hippie e que resolve misturar João Gilberto, Jimi Hendrix e o melhor da nossa tradição musical com algumas pitadas do que os tropicalistas nos ensinaram? Se você pensou nos Novos Baianos e o seu segundo disco, Acabou Chorare, acertaste em cheio!

          Durante os anos da ditadura militar brasileira, o jovem que queria se rebelar contra o sistema tinha duas parcas opções: ou ele decidia pegar em armas e se debater com os milicos na rua, ou então, decidia se tornar um junkie e automaticamente riscava do seu dicionário todos aqueles ideais de “Brasil: País do Futuro” ou “Brasil: Ame ou Deixe-o” para curtir os astros e demais curtições através de ácidos, pílulas e várias baforadas da erva maldita! Baby Consuelo (convertida, hoje em dia, na “Popstora” Baby do Brasil), Moraes Moreira, Pepeu Gomes e Galvão eram os embaixadores de uma nova ordem musical e lideravam um grupo de músicos gigantesco e foram as peças fundamentais não apenas de algo novo que surgia, como também de uma parcela da juventude brasileira que discordava, a seu modo, do que acontecia no Brasil de 1972 através do uso indiscriminado de substâncias ilícitas e de uma criatividade musical e poética sem tamanho.

          Enquanto Caetano e Gil (já considerados como velhos baianos, vejam só!) ainda não davam as caras por aqui, os Novos Baianos decidiram buscar em João Gilberto referências de uma “linha evolutiva” que foi interrompida com o sufocamento do Tropicalismo e fizeram de canções como “Mistério do Planeta” (Morais & Galvão), “Besta é Tu” (Morais, Galvão & Pepeu Gomes), “Preta Pretinha” (Morais & Galvão), “Brasil Pandeiro” (Assis Valente), “Tinindo Trincando” (Morais & Galvão) e a faixa-título obras-primas da canção brasileira. Acabou Chorare é um disco para ser ouvido não apenas como uma referência do pensamento do Brasil em 1972, mas como um dos gritos de liberdade mais originais que o planeta já ouviu...


1) The Rolling Stones – Exile On Main Street

         
           Em 1972, os ingleses Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts, Bill Wyman e Mick Taylor eram nada mais, nada menos do que um grupo de músicos sem pátria tocando em uma banda que vivia à beira da separação. Um tanto radical? Sim. Porém, não havia jeito... Ao contrário de vários brasileiros, que tiveram que buscar exílio na França para escapar da repressão política, os Rolling Stones resolveram se instalar na Riviera Francesa para fugir do cerco do fisco do Reino Unido. Um casarão lúgubre de Villa Nellcote foi o berço de um dos álbuns mais controvertidos e discutidos de toda a história: Exile On Main Street, disco que ocupa o topo deste TOP 10 afetivo.

          Quando Exile foi lançado como LP duplo, em meados de 1972, quase ninguém (para não dizer nenhuma viva alma!) entendeu o que os Stones tinham a dizer. Várias críticas foram bastante negativas ao disco que, hoje em dia, é visto por fãs, especialistas (e pelos próprios músicos) como “a obra-prima do grupo”. Em 18 pérolas originais (e mais algumas inéditas que foram lançadas em uma edição especial de 2010), notamos como Mick Jagger estava no auge de sua forma vocal (estourando as cordas vocais de tanto cantar alto, feito que nem o próprio conseguiu igualar anos depois!); Keith Richards e Mick Taylor faziam de seus riffs e solos de guitarra verdadeiros arsenais de artilharia sonora; Bill Wyman e Charlie Watts eram a cozinha mais elegante e completa do Rock ‘n’ Roll com a imbatível parceria entre baixo e bateria; Os músicos de apoio não ficavam atrás dos membros da banda porque eram de uma eficiência sem tamanho: Nicky Hopkins nos pianos e outras teclas de todos os tipos, Bobby Keyes e Jim Price davam a elegância dos sopros à maioria das faixas do disco, as vocalistas de apoio Venetta Fields e Clydie King (negras, evidentemente!) davam o apoio essencial à voz de Sir Jagger e ao som afro-americano dos Rolling Stones.

          A capa do disco mostra uma quantidade diversa de universos paralelos – são fotos em preto e branco de pessoas anônimas misturadas a Jagger e o seu olhar de eterno desdém; Richards e sua aura de pirata; Watts, Wyman e Taylor como os coadjuvantes necessários para que todas as pedras rolem juntas pelos ouvidos das pessoas. Canções sobre sexo, delírios, jogatinas, política, desilusões amorosas, esperanças perdidas e tantas outras que poderiam ser encontradas em algum verso menos óbvio de Exile On Main Street. Não se trata de um disco para ouvir uma faixa ou duas, é um disco para se ouvir inteiro num sábado de manhã e com o volume bem alto! Para o bem dos Stones, Jagger, Richards & Cia. conseguiram fazer do amargor do exílio uma obra imprescindível para a história da música do planeta. Por isso, ouça-o!


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          Voltando a pergunta do post de hoje, eu não sei onde eu estava em 1972, mas sei que os caras que estão aqui hoje estavam no ápice de suas carreiras no decorrer deste ano. Seus acordes ressoam como nunca 40 anos depois. E se depender deste blog travestido de máquina do tempo, as notas continuarão ressoando...

 Leia mais sobre outros discos lançados em 1972 no blog Pequenos Clássicos Perdidos, mantido pelo Mestre Fabio Bridges: