OS SINAIS ATENTOS DE
NEY MATOGROSSO*
“Peço aos céus para me proteger
Eu não hei de ceder ao vazio desses dias iguais
Mal em mim nunca há de fincar
Mel em mim nunca há de findar
Olhos nus e atento aos sinais
Faço fé pra poder ver
A vida há de ser sempre mais.”
(“Oração”, de Dani Black, na
interpretação de Ney Matogrosso)
Gosto muito de uma fala de um filme
de Bruce Willis no qual o herói da trama dizia algo como: “Quando Sinatra está
na cidade, meu coração está com ele!”. O mesmo se aplica a mim quando sei que
Ney Matogrosso vem a São Paulo para mais uma temporada de shows. Sempre faço o
possível (e, por vezes, o impossível) para ver o belo astro em ação no esplendor
de sua forma e energia.
Por mais que um show de Ney não seja
“inédito” para os meus olhos e ouvidos, a emoção de sentir e presenciar a voz,
o corpo e a alma que ele dedica a cada canção que ele interpreta ao vivo é
renovável a cada espetáculo. Daí a necessidade de sempre retomarmos este encontro. Ele do palco, eu da plateia. Um
detalhe importante: Ney já passou dos 70 anos e tem mais energia que muitos
homens de 30! Além de termos uma aula imperdível de interpretação e voz no
contexto da música brasileira, ele não deixa de ser uma inspiração para nós que
tentamos insistir na magia da juventude.
Consagrado no Brasil e respeitado
pelo mundo afora há pouco mais de quatro décadas, Ney Matogrosso podia se
ancorar em velhas fórmulas e/ou repertório consagrados para retornar aos
palcos. No entanto, os olhos de farol buscaram novos
paradigmas para serem quebrados ao escolher um setlist praticamente inédito para o grande público. Nada de hits ou clássicos de Chico Buarque ou
Luhli & Lucina desta vez: o show e CD Atento
aos Sinais privilegiam a produção musical de nomes não tão recorrentes nos
ouvidos do mainstream, como Itamar
Assumpção, Pedro Luís, Vitor Ramil, Dan Nakagawa, Alzira Espíndola, Vitor
Pirralho e alguns outros. Dos baluartes da MPB, Ney escolheu apenas dois lados
B de Paulinho da Viola (compositor bissexto na voz do experiente Matogrosso) e
Caetano Veloso.
Enquanto muitos artistas preferem
subir no palco depois de lançar um CD de canções inéditas, Ney Matogrosso
prefere apostar em uma estratégia incomum na indústria musical de hoje: investe
primeiramente em shows para depois gravar e lançar um álbum com material
inédito. Este processo chega a levar alguns meses para se completar, para
estranhamento e encantamento do público que o acompanha há algum tempo. Quando
assisti minha primeira apresentação de Atento
aos Sinais, confesso que achei o show um tanto indie demais para o meu gosto. A partir do segundo show que vi,
passei a gostar muito mais de tudo que presenciei, afinal de contas, é um tanto
difícil gostar de coisas que não (necessariamente) conhecemos tão bem. A
interpretação irreconhecível de Ney deste repertório teve um papel central
neste processo – fazer com que Itamar Assumpção, Vitor Pirralho, Dan Nakagawa e
Pedro Luís ficassem na ponta da minha língua é um digno trabalho de Hércules!
Além de desbravar novos horizontes
nos palcos e no disco, o ano de 2013 trouxe novas empreitadas e parcerias para
Ney Matogrosso. A mais importante destas, o documentário Olho Nu, que teve a direção de Joel Pizzini, refaz não apenas a
trajetória de um dos cantores mais importantes da música brasileira, como
também expande o olhar do homem e do artista em relação à vida, à arte e ao
contexto no qual vive e atua com brilhantismo. Além disto, o espectador é
brindado com um número sem fim de imagens de arquivo, vídeos antigos e
recentes, locações inusitadas e depoimentos reveladores sobre o artista
documentado.
Lembro-me de um episódio inusitado
quando estive na estreia do filme em São Paulo: 1) Estava comentando com alguém
a respeito da possível presença de Ney na projeção da fita e afirmando piamente
que era impossível que o “home” desse as caras no Espaço Itaú de Cinema quando
me deparo com Ney Matogrosso em carne e osso ao meu lado; 2) Estava
ansiosamente sentado em uma cadeira no fundo da sala de cinema quando vejo Ney se
sentando em uma cadeira na fileira da frente para ver o filme. Assistir a um
documentário sobre meu artista preferido com ele sentado bem à frente de mim
foi realmente um evento memorável...
Os passos tomados por Ney Matogrosso
recentemente indicam que estamos diante de um artista que não olha para trás de
forma alguma. Poderia aproveitar o momento de retrospectiva (documentário, 40
anos de carreira musical) para fazer um flashback
de seu trabalho artístico. No entanto, sua decisão é projetar o seu olhar para
o futuro e fazer uma crônica musical do tempo em que vivemos. Atento aos Sinais é um trabalho que
reflete injustiças sociais (“Rua da Passagem [Trânsito]”, “Incêndio”), detalhes
da intimidade em meio à selva urbana (“Noite Torta”, “Freguês da Meia-Noite”, “Beijos
de Ímã”, “Não Consigo”) e críticas às firulas da modernidade (“Samba do Blackberry” e “Todo o Mundo o Tempo
Todo”).
É bom saber que existem artistas que
estão atentos aos sinais dos tempos atuais. Ney Matogrosso, esboçando uma
jovialidade e energia típicas de um iniciante não é apenas fonte de inspiração
para seus admiradores, é um exemplo que muitos artistas deveriam seguir para se
manterem conectados com a cena musical que pulsa intensamente por aí. É por
estas e muitas outras que desejamos vida longa ao nosso querido artista e que
ele se mantenha atento e forte sempre!
* Este post vai com todo o meu carinho por Rosana
Barbosa, para quem eu sempre escrevi relatos de shows do Ney.