A MALANDRAGEM DO VIL METAL
(alguns episódios pessoais e públicos
de como o dinheiro pode nos causar amor e ódio)
"Money, so they say
Is the root
of all evil today
But if you
ask for a rise
It's no
surprise that they're giving none away"
(Roger Waters - "Money", canção do lendário álbum The
Dark Side of The Moon [1973], do Pink Floyd)
Minha relação com o dinheiro sempre foi muito
difícil. Complicada mesmo, tal qual uma relação intempestiva de dois amantes
que se amam muito e que vivem em pé de guerra permanente.
Já fiz coisas horrorosas por não ter o tal do vil
metal em mãos para adquirir algo. Já fiz coisas indignas, cedendo às tiranias
dos outros, para poder garantir um pingo de estabilidade financeira.
Consequência direta? Chegar à conclusão do quanto eu me anulei para poder
satisfazer às demandas do mercado do qual eu faço parte - no caso, a educação
privada. Consequência indireta? Minha qualidade de vida se tornou bastante
comprometida ao ter que trabalhar todas às noites e durante meus finais de
semana durante anos.
Devo confessar não me arrependo de muitas coisas
que já fiz por dinheiro. Entretanto, aprendi muito sobre mim, sobre os outros e
(especialmente) sobre a falta de escrúpulos das instituições, amparadas pelo
Capitalismo que nos rege. Acreditei piamente (e, de vez em quando, ainda acredito)
na frase clássica de Nelson Rodrigues que dizia: "O dinheiro compra tudo.
Até amor verdadeiro". Quando comecei a me olhar no espelho e ver os
reflexos do envelhecimento rápido (calvície, olheiras de estimação, metabolismo
mais baixo, gordura localizada) e que estava vivendo 3 anos em 1, aprendi da
maneira mais dura e difícil de que não há salário alto ou benefício que
compense a sua qualidade de vida.
Quando você trabalha por horas e horas a fio sem
ter possibilidades significativas de crescimento profissional, com a ausência
de um plano de carreira que dê aquele sorriso no rosto para que você pondere a
necessidade de sacrifícios, quase tudo relacionado ao universo do trabalho
deixa de fazer sentido para ti, afinal o lucro que está sendo gerado, em
primeiro lugar, jamais pertencerá a você. Remuneração nenhuma substitui a
possibilidade de você ver seu sobrinho que mora em outro estado crescer pelas
redes sociais ou pelo celular ou a primeira visita da afilhada que veio passar
o dia na sua casa enquanto você não está. Os momentos familiares perdidos por
causa do seu trabalho doem na alma. Penso na dor de meu pai ao passar sua
juventude tendo que trabalhar para sustentar esposa e dois filhos. Penso no
sofrimento de meu avô em ter que começar um negócio próprio praticamente do
zero e fazer prosperar através de muito suor enquanto os filhos cresciam e sua
mulher trabalhava arduamente para dar conta de uma casa.
Já ganhei um bocadinho de plata nesta vida afora como professor em escolas regulares e institutos de idiomas. Não investi meus rendimentos e
economias em um negócio próprio por jamais me imaginar como chefe ou alguém que
deve administrar as finanças ou tomar decisões de grande porte. Jamais
ambicionei o desejo de ter um carro 0km ou refeições regadas a champanhe e
caviar como uma prioridade de vida. Roupas de marca e de fino trato até me
interessam, mas prefiro meus velhos farrapos ao invés de ter que investir
milhares de reais em um camisa pólo ou um sapato de presença que vá além de 200
reais. Jet set? Restaurantes claros
e/ou cafés da moda? Baladinhas do momento ou casas de stand-up comedy? Não, obrigado! / No Thanks! Cogitei a possibilidade de um dia ter um teto para poder
chamar de meu, porém os bancos ainda acham que o meu cartão de crédito é uma
navalha. Um claríssimo exemplo de um amor jamais correspondido. Um ódio
descaradamente declarado.
Desde sempre, compreendi que o mundo seria muito
mais interessante pra mim a partir de um investimento maciço na
intelectualidade. Não me tornei um grande pensador, tampouco em um influente
formador de opinião. Por outro lado, já posso plantar meus amigos, meus discos
e meus livros e nada mais - algo muito mais atraente do que roupas, festas,
carrões e drinks à base de Red Bull.
Com isso, não me sinto na eterna obrigação de agradar todo mundo, o que me faz
um inimigo público de peso de acordo com uma boa parcela da sociedade.
Resumindo: por ter escolhido o caminho menos óbvio, o dinheiro é algo de pouca
relevância para mim, apesar de ser essencial para muitas atividades que faço.
A consequência por ter me feito um indivíduo menos
materialista e mais pragmático? Desenvolvi uma capacidade crônica em lidar com
dinheiro. Os credores e os bancos me amam de paixão por causa desta aptidão e
pela facilidade impressionante em contrair dívidas. Minha revolta com o
Capitalismo tem sido minha resposta para o fato do vil metal nunca ter gostado
de mim, o que é um sentimento mútuo entre nós dois. O que me consola é o fato
de não ser o único: o Poeta Vinícius de Moraes era conhecido entre seus
familiares e amigos pela sua enorme incapacidade em lidar com as finanças. Dizem
as lendas que o Poetinha, que se casou nove vezes, saía de cada um de seus
divórcios apenas com uma muda de roupas e o seu Portinari debaixo
do braço, prova claríssima do seu profundo desapego em relação à grana.
Em contrapartida, a ambição e a vontade desmedida
por dinheiro pode levar o ser humano a cometer atos indecentes, deploráveis,
nojentos, dignos de causar vergonha. Alguns exemplos bastante palpáveis deste
fato são a corrupção dos políticos que elegemos, a eterna ganância das
corporações, o desrespeito pelo ser humano em prol do lucro individual é
limitado. Por causa do amor por este malandro que não nos ama ou não nos
corresponde da mesma maneira, invertemos os valores da sociedade em que
vivemos, passando a fazer da exceção à regra. Atitudes éticas se tornam em
artigos enfadonhos. A arte e o pensamento crítico são relegados para outros
planos e deixam de ser prioridade. O lucro e o sucesso são a cartilha a ser
seguida.
O artista e o intelectual, por estarem plenamente
comprometidos com a sensibilidade, geralmente possuem dificuldades gritantes em
lidar com o vil metal. Leonard Cohen, por exemplo, se lançou em uma extensa
turnê mundial devido a um gigantesco desfalque dado por sua ex-empresária. Os
Beatles se separaram de vez em 1970 devido às disputas financeiras que azedaram
a amizade e parceria musical de John Lennon e Paul McCartney. Os Rolling Stones
seguiram rumo ao exílio na França a partir de 1971 por causa das dívidas
astronômicas de Jagger & Richards com o fisco inglês. Dizem que Barbra Streisand
retornou aos palcos depois de 20 anos de recusa em fazer turnês simplesmente
porque o dinheiro tinha acabado. Sinais evidentes que as verdinhas podem
amá-los, como também odiá-los com uma intensidade impressionante.
Sem falsa modéstia ou “vitimismo” descarado, afirmo, sem rodeios, que pertenço ao grupo daqueles que o dinheiro sempre odiou. Com muito orgulho é um
pouco de vergonha. Sempre me pergunto por onde esse verdinho anda depois do dia
6 ou 7 de cada mês, pensando nas culpas e na minha eterna inaptidão em lidar com
ele. O vil metal, o mais malandro de todos os malandros, volta sorrateiramente
ou no último dia da temporada ou no quinto dia útil para, logo depois, bater
cruelmente em retirada. Quando eu aprender a ser um romântico calculista, ele
vai ficar do meu lado durante uma temporada mensal completa. Até lá, preciso
entender a lição do velho Tio Patinhas e tomar decisões mais pautadas pelo
cérebro, não pelo coração. Quem sabe a maturidade dos meus 30 e poucos anos me
dê a oportunidade de um dia poder zombar daqueles que sorriram diante dos meus
fracassos e das solas gastas dos meus sapatos furados. Talvez eu não consiga
comprar um time de futebol ou um Lear Jet,
mas quem sabe posso garantir um mínimo de conforto para a velhice?