6 de agosto de 2016

TROVA # 79

A MALANDRAGEM DO VIL METAL
(alguns episódios pessoais e públicos de como o dinheiro pode nos causar amor e ódio)



"Money, so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a rise 
It's no surprise that they're giving none away"
(Roger Waters - "Money", canção do lendário álbum The Dark Side of The Moon [1973], do Pink Floyd)


Minha relação com o dinheiro sempre foi muito difícil. Complicada mesmo, tal qual uma relação intempestiva de dois amantes que se amam muito e que vivem em pé de guerra permanente. 

Já fiz coisas horrorosas por não ter o tal do vil metal em mãos para adquirir algo. Já fiz coisas indignas, cedendo às tiranias dos outros, para poder garantir um pingo de estabilidade financeira. Consequência direta? Chegar à conclusão do quanto eu me anulei para poder satisfazer às demandas do mercado do qual eu faço parte - no caso, a educação privada. Consequência indireta? Minha qualidade de vida se tornou bastante comprometida ao ter que trabalhar todas às noites e durante meus finais de semana durante anos. 



Devo confessar não me arrependo de muitas coisas que já fiz por dinheiro. Entretanto, aprendi muito sobre mim, sobre os outros e (especialmente) sobre a falta de escrúpulos das instituições, amparadas pelo Capitalismo que nos rege. Acreditei piamente (e, de vez em quando, ainda acredito) na frase clássica de Nelson Rodrigues que dizia: "O dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro". Quando comecei a me olhar no espelho e ver os reflexos do envelhecimento rápido (calvície, olheiras de estimação, metabolismo mais baixo, gordura localizada) e que estava vivendo 3 anos em 1, aprendi da maneira mais dura e difícil de que não há salário alto ou benefício que compense a sua qualidade de vida.


Quando você trabalha por horas e horas a fio sem ter possibilidades significativas de crescimento profissional, com a ausência de um plano de carreira que dê aquele sorriso no rosto para que você pondere a necessidade de sacrifícios, quase tudo relacionado ao universo do trabalho deixa de fazer sentido para ti, afinal o lucro que está sendo gerado, em primeiro lugar, jamais pertencerá a você. Remuneração nenhuma substitui a possibilidade de você ver seu sobrinho que mora em outro estado crescer pelas redes sociais ou pelo celular ou a primeira visita da afilhada que veio passar o dia na sua casa enquanto você não está. Os momentos familiares perdidos por causa do seu trabalho doem na alma. Penso na dor de meu pai ao passar sua juventude tendo que trabalhar para sustentar esposa e dois filhos. Penso no sofrimento de meu avô em ter que começar um negócio próprio praticamente do zero e fazer prosperar através de muito suor enquanto os filhos cresciam e sua mulher trabalhava arduamente para dar conta de uma casa.


Já ganhei um bocadinho de plata nesta vida afora como professor em escolas regulares e institutos de idiomas. Não investi meus rendimentos e economias em um negócio próprio por jamais me imaginar como chefe ou alguém que deve administrar as finanças ou tomar decisões de grande porte. Jamais ambicionei o desejo de ter um carro 0km ou refeições regadas a champanhe e caviar como uma prioridade de vida. Roupas de marca e de fino trato até me interessam, mas prefiro meus velhos farrapos ao invés de ter que investir milhares de reais em um camisa pólo ou um sapato de presença que vá além de 200 reais. Jet set? Restaurantes claros e/ou cafés da moda? Baladinhas do momento ou casas de stand-up comedy? Não, obrigado! / No Thanks! Cogitei a possibilidade de um dia ter um teto para poder chamar de meu, porém os bancos ainda acham que o meu cartão de crédito é uma navalha. Um claríssimo exemplo de um amor jamais correspondido. Um ódio descaradamente declarado.


Desde sempre, compreendi que o mundo seria muito mais interessante pra mim a partir de um investimento maciço na intelectualidade. Não me tornei um grande pensador, tampouco em um influente formador de opinião. Por outro lado, já posso plantar meus amigos, meus discos e meus livros e nada mais - algo muito mais atraente do que roupas, festas, carrões e drinks à base de Red Bull. Com isso, não me sinto na eterna obrigação de agradar todo mundo, o que me faz um inimigo público de peso de acordo com uma boa parcela da sociedade. Resumindo: por ter escolhido o caminho menos óbvio, o dinheiro é algo de pouca relevância para mim, apesar de ser essencial para muitas atividades que faço.


A consequência por ter me feito um indivíduo menos materialista e mais pragmático? Desenvolvi uma capacidade crônica em lidar com dinheiro. Os credores e os bancos me amam de paixão por causa desta aptidão e pela facilidade impressionante em contrair dívidas. Minha revolta com o Capitalismo tem sido minha resposta para o fato do vil metal nunca ter gostado de mim, o que é um sentimento mútuo entre nós dois. O que me consola é o fato de não ser o único: o Poeta Vinícius de Moraes era conhecido entre seus familiares e amigos pela sua enorme incapacidade em lidar com as finanças. Dizem as lendas que o Poetinha, que se casou nove vezes, saía de cada um de seus divórcios apenas com uma muda de roupas e o seu Portinari debaixo do braço, prova claríssima do seu profundo desapego em relação à grana.


Em contrapartida, a ambição e a vontade desmedida por dinheiro pode levar o ser humano a cometer atos indecentes, deploráveis, nojentos, dignos de causar vergonha. Alguns exemplos bastante palpáveis deste fato são a corrupção dos políticos que elegemos, a eterna ganância das corporações, o desrespeito pelo ser humano em prol do lucro individual é limitado. Por causa do amor por este malandro que não nos ama ou não nos corresponde da mesma maneira, invertemos os valores da sociedade em que vivemos, passando a fazer da exceção à regra. Atitudes éticas se tornam em artigos enfadonhos. A arte e o pensamento crítico são relegados para outros planos e deixam de ser prioridade. O lucro e o sucesso são a cartilha a ser seguida.


O artista e o intelectual, por estarem plenamente comprometidos com a sensibilidade, geralmente possuem dificuldades gritantes em lidar com o vil metal. Leonard Cohen, por exemplo, se lançou em uma extensa turnê mundial devido a um gigantesco desfalque dado por sua ex-empresária. Os Beatles se separaram de vez em 1970 devido às disputas financeiras que azedaram a amizade e parceria musical de John Lennon e Paul McCartney. Os Rolling Stones seguiram rumo ao exílio na França a partir de 1971 por causa das dívidas astronômicas de Jagger & Richards com o fisco inglês. Dizem que Barbra Streisand retornou aos palcos depois de 20 anos de recusa em fazer turnês simplesmente porque o dinheiro tinha acabado. Sinais evidentes que as verdinhas podem amá-los, como também odiá-los com uma intensidade impressionante.


Sem falsa modéstia ou “vitimismo” descarado, afirmo, sem rodeios, que pertenço ao grupo daqueles que o dinheiro sempre odiou. Com muito orgulho é um pouco de vergonha. Sempre me pergunto por onde esse verdinho anda depois do dia 6 ou 7 de cada mês, pensando nas culpas e na minha eterna inaptidão em lidar com ele. O vil metal, o mais malandro de todos os malandros, volta sorrateiramente ou no último dia da temporada ou no quinto dia útil para, logo depois, bater cruelmente em retirada. Quando eu aprender a ser um romântico calculista, ele vai ficar do meu lado durante uma temporada mensal completa. Até lá, preciso entender a lição do velho Tio Patinhas e tomar decisões mais pautadas pelo cérebro, não pelo coração. Quem sabe a maturidade dos meus 30 e poucos anos me dê a oportunidade de um dia poder zombar daqueles que sorriram diante dos meus fracassos e das solas gastas dos meus sapatos furados. Talvez eu não consiga comprar um time de futebol ou um Lear Jet, mas quem sabe posso garantir um mínimo de conforto para a velhice?



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Quando idealizei o Trovas de Vinil, pensei em algo bem particular, como uma terapia, uma maneira de poder escrever sobre o que mais gosto: MÚSICA! Escrever sobre meu assuno preferido sem poder ter que me preocupar com obrigações profissionais ou demandas acadêmicas tem sido um exercício prazeroso durante estes 4 anos e meio.

Publicar mais de 80 textos sobre as mais diversas tendências musicais tem sido também um desafio e tanto para mim. Dos Rolling Stones ao Secos & Molhados, de Itamar Assumpção a David Bowie, de Gal Costa a Zélia Duncan, de Cauby Peixoto a Ney Matogrosso, de Nina Simone a Patti Smith, tem sido um prazer e um desafio poder falar de discos que fazem os sons aqui de casa e dos meus fones de ouvido, comentar sobre as lendas musicais que fazem o nosso mundo um pouco melhor aqui neste espaço. E sem deixar de falar sobre diversidade, política e outras polêmicas que fazem este mundo rodar cada vez mais loucamente. E sem deixar de lado alegrias e tristezas do meu universo particular e do mundo da música também...

Muito obrigado a todos que tem acompanhado o Trovas de Vinil por esta página do blogger e pelas redes sociais. Estamos cheios de planos para que este espaço se torne ainda mais atraente para os que leem acompanham os posts. Fiquem ligados e atentos para as novidades a caminho!

Por ora, muito obrigado pelo carinho!

Um abraço musical do 
Vinil