23 de julho de 2017

TROVA # 129

ANJOS CAÍDOS



"Heaven, is this heaven where we are?
See them walking, if you dare, if you call that walking
Stumble, stagger, fall and drag themselves along the streets of heaven"
(Natalie Merchant & Robert Buck, 1987)


Ser uma estrela do Rock deve ter, sem a menor sombra de dúvida, os seus atrativos: você adquire fama por aquilo que você gosta e acredita, faz amigos e pode fazer música pelos palcos dos quatro cantos do mundo. Uma vida de prazer, luxúria e diversão, supostamente.


No entanto, a realidade descrita acima nunca aconteceu para os astros da música. John Lennon e Kurt Cobain, por exemplo, tiveram uma infância infeliz e uma vida adulta traumática; Elton John e Eric Clapton viveram anos e anos às voltas com as drogas e o alcoolismo; Além das drogas, Neil Young teve dois filhos com paralisia cerebral; Robert Plant e Keith Richards perderam dois filhos com menos de cinco anos enquanto estavam no auge da fama.


Se formos buscar ainda mais exemplos de histórias tristes que compõem o universo dos artistas do Rock ‘n’ Roll, chegaremos à obvia conclusão de que a mídia e a publicidade criaram o mito do self made man realizado através de fama, dinheiro e notas musicais através do combustível sexo, drogas e Rock ’n’ Roll. Quando lemos ou ouvimos notícias de desgraças ocorridas com estes astros, o choque é logo substituído pela reação instantânea: “Como esse cara foi cometer suicídio se ele tinha uma bela família, dinheiro e fama”?...

Chris Cornell (1964-2017)

Confesso que me senti deste jeito ao ouvir da morte de Chris Cornell (ex-vocalista do Soundgarden e Audioslave) em 18 de maio e de Chester Bennington (ex-vocalista do Linkin Park e do Stone Temple Pilots) em 20 de julho de 2017. Ambos se suicidaram por enforcamento e apresentavam quadros bastante agudos de depressão. Os dois tinham um extenso histórico de abuso de drogas e álcool e viviam em estado de angústia plena. Nunca fui fã do Soundgarden, gostava do som do Audioslave, sempre achei Linkin Park um tanto teen demais para os meus ouvidos e morreria sem saber que Chester tinha se aventurado na tarefa de substituir o lendário Scott Weiland como vocalista do Stone Temple Pilots. Porém, fiquei muito triste em saber do fim trágico dos dois artistas.

Chester Bennington (1976-2017)

A depressão é o verdadeiro mal do século XXI. Se não for tratada com terapia e medicamentos controlados, induz o paciente ao suicídio. Não é preciso fazer uma pesquisa extensa para comprovarmos este fato. Por outro lado, as relações econômicas e profissionais que aí estão nos desviam de uma discussão tão fundamental para a compreensão de onde e como devemos enfrentar os desafios do terceiro milênio: o sistema vende figuras de homens sadios, perfeitos e felizes para que possamos nos espelhar nesses arquétipos e, como consequência, elevar o nível de consumo e de dividendos para os artífices destas “imagens perfeitas”.


Suicídio é coisa muito séria: é o último recurso de quem não tem absolutamente mais nada a perder para poder cessar com a amargura e o sofrimento que castigam o corpo e adoecem a alma. O grande problema de pessoas que invertem as leis naturais ou do destino e optam por dar um fim às suas próprias vidas fazem com que os membros de suas famílias morram um pouco junto do ente que se suicidou. Isto é o mais dolorido: morrer junto de quem nós mais amamos...



Penso nas famílias de Chris Cornell e Chester Bennington e imagino a dificuldade de suas esposas e filhos em poder aceitar os fatos de que seus maridos e pais não existem mais por uma arapuca montada pela depressão. O lendário ex-vocalista do Soundgarden escolheu a última canção que cantou em cima de um palco – um trecho de “In My Time of Dying”, do Led Zeppelin. Chester escolheu a data de sua partida – o dia do aniversário de seu amigo Chris Cornell. Macabras coincidências? Sim, infelizmente! Mas que teriam sido evitadas se tivéssemos descoberto os pedidos de ajuda escondidos em cada gesto, em cada ato público de tristeza.



Por isso, devemos lutar bravamente contra este mal silencioso e perverso para que não encontremos outros anjos derrubados pela depressão e pelo suicídio. Por eles, por seus entes, por nós...