ZÉLIA DUNCAN – INTIMIDADE (1996)
Em
1996, o Brasil já conhecia o talento único de Zélia Duncan: voz grave, delicada
e ao mesmo tempo de uma força avassaladora. O pop brasileiro precisava de mais mulheres
inteligentes em meados daquela década – enquanto Marina Lima tinha uma
linguagem mais Rock ‘n’ Roll, Marisa Monte e Adriana Calcanhotto conquistavam as
ondas do rádio com trabalhos que, ao mesmo tempo aliavam a modernidade e a
tradição da MPB. Zélia tinha como trunfos uma influência da vanguarda paulistana,
de Folk Music e parceiros musicais de primeira categoria.
Intimidade, seu terceiro álbum de carreira, foi lançado
em 1996, dois anos após Zélia Duncan ter estourado nas paradas de sucesso com
uma versão em Português de “Cathedral Song”, de Tanita Tikaram. Apesar do
sucesso estrondodo causado por uma canção que foi trilha sonora de novela, Zélia
procurou compor canções que fugissem do óbvio, da tal receita fácil para tocar
nas rádios e TVs. Como consequência, o brasileiro médio teve a chance de ouvir
um tipo de música mais elaborado, com letras repletas de rimas improváveis e
inteligentes. Uma provocação e um deleite de Miss Duncan para cada um que se
aventurasse a ouvir o seu terceiro disco naquela época.
Produzido
por Liminha, um dos produtores mais famosos do país, Intimidade conseguiu
emplacar mais dois sucessos para a cantora de “Nos Lençois Desse Reggae”: “Enquanto
Durmo” (Christiaan Oyens & Zélia Duncan) fez parte da trilha sonora da
novela Salsa & Merengue, de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa e até
hoje é um dos números preferidos dos fãs durante os shows da artista. “Não Tem
Volta” é uma das melhores parcerias de Zélia com Christiaan Oyens:
Se você vai por muito tempo
Você nunca volta
Você retorna, você contorna
Mas não tem volta
A estrada te sopra pro alto
Pra outro lado
Enquanto aquele tempo vai mudando
Aí, de quando em quando você lembra
Aquele beijo
Aquele medo
Mas você sabe que tudo ficou antigo
E você não volta
Nem com escolta
Nem amarrado, porque o passado já te perdeu
E o perigo muda mesmo de endereço.
Não existe pretexto, o dia mudou
O carteiro não veio
O princípio é o meio
E você retorna, mas não tem volta.
Foi neste trabalho no qual Zélia Duncan
conseguiu gravar uma canção de um de seus maiores ídolos, o cantor e compositor
Itamar Assumpção, cuja obra ela sempre reverenciou sem medir paixões ou consequências.
“Vou Tirar Você do Dicionário”, parceria do eterno Nego Dito com a poeta Alice
Ruiz, ganhou uma de suas melhores releituras e fez com que milhares de pessoas pudessem
conhecer melhor o legado de Itamar:
Eu vou tirar do
dicionário
A palavra você
Vou trocar-lá em
miúdos
Mudar meu
vocabulário
e no seu lugar
vou colocar
outro absurdo
Eu vou tirar
suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do
meu gosto
Eu vou tirar
você de letra
nem que tenha
que inventar
outra gramática
Eu vou tirar
você de mim
Assim que
descobrir
com quantos
"nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o
sentimento
do meu pensamento
sua imagem e
semelhança
Vou parar o
movimento
a qualquer
momento
Procurar outra
lembrança
Eu vou tirar,
vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar
você e eu de nós
o dito pelo não
tido
Eu vou tirar
você de letra
nem que tenha
que inventar
outra gramática
Eu vou tirar
você de mim
Assim que
descobrir
com quantos
"nãos" se faz um sim
"Tudo que
você disser
deve fazer bem
Nada que você
comer
deve fazer
mal"
"Eu quero
as mulheres
que dizem sim
E quem não tem
vergonha
de ser
assim?"
Outra parceria frequente
nos trabalhos de Zélia Duncan é a da artista com a cantora e compositora Lucina.
Intimidade registrou três belos exemplos deste trabalho: as faixas “Coração na
Boca”, “Minha Fé” e “Primeiro Susto”. Dentre as colaborações com Christiaan Oyens,
“Bom pra Você”, “Me Gusta”, “Assim Que Eu Gosto” e a faixa-título, cujos versos
retratam as pequenas coisas (boas e ruins) das relações amorosas:
Não nega
Fui eu que senti
Renega
Ninguém vai te ouvir
Intimidade é fato
Não dá pra fingir
Impeça
Senão vou cumprir
Carrega
Seus traumas daqui
Envelhecer é fato
Nâo dá pra fugir
Se esfrega em outro rosto pra deixar de me amar
Você me deu o gosto e esqueceu o lugar
Passos largos fora de hora
Não vão me afastar
Confessa
Seu tombo é aqui
Na queda
Quem vai se exibir?
Dignidade é fato
Não dá pra pedir
Se esfrega em outro rosto pra deixar de me amar
Você me deu o gosto e esqueceu o lugar
Passos largos fora de hora
Não vão me afastar
Confessa
Seu tombo é aqui
Na queda
Quem vai se exibir?
Dignidade é fato
Não dá pra pedir
Envelhecer é fato
Não dá pra fugir
Intimidade é fato
Não dá pra fingir
Depois de mais de 20 anos de lançamento,
Intimidade ainda se revela
como um dos melhores trabalhos da discografia diversificada de Zélia Duncan. Se
você quiser se aventurar pela música de uma das artistas mais criativas da
música brasileira hoje, este CD é uma ótima pedida para você conhecer o que
esta bela moça de cabelos cacheados tem para te dizer...