UM E-MAIL PARA O HOMEM DAS ESTRELAS
Em memória de David Bowie (1947-2016) |
Dear Mr.
Bowie,
Permita-me uma breve apresentação: meu nome é Vinícius. Sou professor de
línguas. Brasileiro. Vivendo a plenitude de um inferno astral que precede os
meus 35 anos de idade, como bom aquariano. Já escrevi um livro e mantenho este
blog sobre música. Minha percepção sobre música e arte mudou quando eu comecei
a assistir a antiga MTV brasileira em meados dos anos 1990 e via os seus
videoclipes. Desde então, sempre fiquei de olho no que o senhor estava fazendo
de bom. Até o momento em que decidi te escrever...
Queria ter te escrito no dia 8 de janeiro de 2016, dia do seu último
aniversário para te parabenizar pelos seus 69 anos. Infelizmente não consegui,
por algumas questões paralelas, indignas de serem expostas aqui. Vi uma foto
sua no Instagram da Iman bem vestido, com um sorriso bem largo, terno elegante,
radiante como nunca e vi o quanto o senhor estava feliz e contente por
completar mais um ano de vida e por lançar seu vigésimo-quinto álbum de
estúdio. Achei menor deixar minhas palavras para o dia em que completasses sete
décadas de vida neste planeta azul. Mas o destino veio e nos deu uma rasteira
daquelas, né?
No dia seguinte, depois de ouvir seu Blackstar, fui ao
cinema e depois saí para almoçar em um restaurante indiano. Enquanto esperava
na fila do almoço que parecia não terminar nunca, comentei com amigos a
respeito da sua boa forma artística e que seu disco era lindo. Lindíssimo.
Profundo. Sensível. Recebi um convite de meu brother Fábio Bridges para escrever sobre o seu disco e aceitei
lisonjeado e desesperado com a responsabilidade gigantesca de escrever sobre um
lançamento. Escrever bem sobre o Senhor não é tarefa das mais fáceis.
Principalmente sendo um estudioso. Principalmente quando não é a primeira vez
que você escreve sobre a obra de alguém importante e que você nutre um profundo
respeito. Principalmente quando muito já foi dito e escrito sobre ti e a sua
obra. Principalmente quando a gente é fã. No entanto, "Boys keep swinging,
boys always work it out", como você dizia lá no Lodger...
Eis que acordo na segunda-feira, 11 de Janeiro de 2016, abro o feed de notícias das redes sociais e
vejo uma noticia que supostamente seria um boato. Ao ler tudo e confirmar que
tudo fora endossado por seu filho Duncan, não nos restava dúvidas: David Robert
Jones perdera a batalha da vida para o câncer após um ano e meio de luta
secreta sem trégua; nosso herói nos deixara. E nem sequer se despediu de todos
nós. O choque foi imenso. O choro foi instantâneo. A dor era incalculável. As
mensagens chegavam de vários lugares do mundo sem parar. Não conseguia sequer
pensar e escrever direito. David Bowie estava morto depois de 69 anos de
convivência neste planeta. Um golpe que nem que Ziggy Stardust teria pensado...
Foi na segunda-feira mais maldita de todos os tempos, ao ouvir Blackstar, que
eu percebi junto com o resto dos fãs do planeta de que, na verdade, o homem que
nunca nos dizia bye bye, fez uma tentativa e tanto de se despedir de todos nós.
O vigésimo-quinto álbum de David Bowie era o seu canto de despedida do público
que o amou por quase cinco décadas ininterruptas. Os dois videoclipes eram
encenações de um drama pessoal, de uma tragédia anunciada. A morte ronda os
clipes da faixa-título do CD e de "Lazarus" e faz as honras da casa.
Percebemos a gravidade de tudo quando era tarde demais, mas sem deixar de
concluir o gênio que havia por trás do artista que conseguiu fazer do seu
sofrimento mais intenso uma verdadeira obra de arte. Você já estava in heaven
com todas as suas cicatrizes invisíveis quando percebemos o chamado... Ao
contrário do personagem bíblico, não tinha a menor possibilidade do seu
renascimento no quarto dia... Como diria a sua canção, hoje: "Now my death
is more than just a sad song" [Agora minha morte é mais do que apenas uma
canção triste]...
E o mundo, crente que senhor vivia o ápice dos seus golden years, se
surpreendeu com a sua partida repentina em um rabo de foguete para desbravar os
céus que ansiosamente te aguardavam para saber se realmente existe vida em
Marte ou não. Afinal, tu foste, na verdade, um invasor do espaço, uma rock 'n'
rolling bitch que veio para mudar os rumos da música, do comportamento e tudo
que estivesse em volta. Cair aqui na Terra só para fazer alguns shows e discos
por cinco aninhos em um planeta condenado com a possibilidade de fazer isso por
quase cinquenta?! E ainda com o bônus de conhecer gente legal, provar de todos
os clichês do trinômio sexo, drogas & Rock
'n' Roll com bastante intensidade? E ainda por cima ser casado com a modelo
negra mais linda do mundo?! O senhor vai ter milhares de histórias para contar
aí para as estrelas e fazer com que elas fiquem freaking out no seu moonage
daydream, aposto...
A música de qualidade se tornou aquilo que o Senhor profetizava com o
seu "DJ", de 1979: muita coisa boa veio daquilo que tocava nos seus
discos, na sua trilogia de Berlim arrasadora, no seu convite irresistível para
sair dançando, afinal nós ficamos face a face com o homem que vendeu o mundo
por mais de 40 anos. O planeta Terra fica sem o mais elegante dos roqueiros
ingleses, menos criativo, como uma slow burn permanente. Ficaremos uma
verdadeira mess sem a sua honorável presença, mas teremos o seu legado para nos
ajudar com a dor da sua ausência e para nós lembrarmos de que não estamos
sozinhos. Sonho com um dia andar pela Av. Paulista, sempre tomada por covers de
Elvis e Michael Jackson, tomada por covers do senhor, sabe? Quem sabe
daqui a 30 anos vemos imitações distintas de David Bowie espalhados pela mais
paulistana das avenidas? Seria uma bela utopia...
Decidimos que não vamos ficar apenas de luto pela sua partida prematura,
Mr. Bowie. Temos feito várias comemorações, celebrando sua obra musical e
cinematográfica. People on the streets, mas não para dizermos que estamos under
pressure. Estamos nas ruas, nas praças, nos cinemas, nas livrarias e demais
esferas do espaço público dançando com os nossos sapatos vermelhos imaginários
para disseminar sua sound & vision pelos quatro cantos e
agradecermos ao senhor por tudo que fizestes pela mentalidade deste planeta. A
terra é azul e não havia nada a ser feito, o mundo era careta e muitos esforços
foram feitos para que ele se tornasse melhor. Sua contribuição foi fundamental
para que isso acontecesse...
Não quero mais me alongar, Sr. Bowie. Sei que o senhor deve ter milhares
e milhares de correspondências para responder, por causa da sua mudança de
endereço e ainda deves ser um absolute beginner na arte dos e-mails
interestelares. Que tal aproveitar um pouco do seu tempo também para cantar a
noite todinha, como em Lady Stardust? As estrelas ficariam loucas com o seu
charme inconfundível. Ou então, fazer como o Thin White Duke e sair lançando
dardos nos olhos apaixonados das stars? Elas nem sentiriam, eu te garanto...
Agora o senhor vai ser o starman oficial a nos esperar aí no céu, pronto a
fundir com as cucas dos presentes e dos que estarão por vir. Quando tiveres um
tempinho e se puderes, é lógico, responda este carinhoso e-mail. Ou, se rolar
uma permissão por parte do divino e ele te disser algo como: "Wake up you
sleepy head / Put on some clothes, shake up your bed" para fazer uma
visita por aqui, estaremos esperando com todo o carinho.
Descanse por ora, Mr. Bowie. Sua agonia foi longa. Seu sofrimento deve
ter sido intenso. Como o bluebird de "Lazarus", estás finalmente
livre de tudo isso. Turn and face the strange. Vai ser difícil para ti, tem
sido difícil para nós, para sua família deve ter sido de uma dificuldade que
não podemos calcular. O senhor foi o herói de muitos dos nossos dias e não
apenas de um dia só. Muito obrigado por tudo!
Um forte abraço, com todo o amor, o carinho e a admiração do
Vinil
LEIA
OS TEXTOS ESCRITOS SOBRE OS DISCOS DE DAVID BOWIE PARA O PEQUENOS CLÁSSICOS PERDIDOS:
★ [Blackstar]
(2016)
Live in Santa Monica ’72 (2008)
Let’s Dance (1983)
Young Americans (1975)
Diamond Dogs (1974)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust from Mars (1972)