DIA ONZE
“Where
in hell can you go
Far
from the things that you know
Far
from the sprawl of concrete
That
keeps crawling its way
About
1,000 miles a day?
(…)
Now,
come on, shotgun bride
What
makes me envy your life?
Faceless,
nameless, innocent, blameless and free
What’s
that like to be?”
(Natalie
Merchant, 2001)
Em 2001, eu vivia a felicidade e
a plena arrogância de um jovem de 20 anos de idade que achava que a juventude
seria eterna e o mundo uma utopia a conquistar. Apesar de sempre ter desejado o
Jornalismo, a Faculdade de Letras tinha mudado a minha vida: graças aos estudos
de Literatura, passei a nutrir um amor gigantesco pela palavra. Todavia, o desejo de ser jornalista ainda me rondava, pois
tinha recebido um convite de Izabel Leventoglu, uma de minhas professoras de
Língua Portuguesa da Graduação, para escrever e editar o jornal universitário Estilo, do curso de Letras da
Universidade Estácio de Sá. Caroline Rohan, parceira e amiga de boas e más
horas, embarcou comigo naquele desafio.
Editar o Estilo era uma tarefa que nos rendeu muito suor, paciência,
gargalhadas, algumas lágrimas, alguns aliados queridos, além de uns dois ou
três desafetos. Vivíamos na sala de edição de materiais impressos da
Universidade, que pertencia ao curso de Jornalismo, ao lado de Marita, uma
editora que possuía uma paciência invejável conosco. Era uma terça-feira
ensolarada e sinistra e resolvemos “matar” uma aula de Legislação para podermos
finalizar uma das edições do jornal universitário. Carol e eu estávamos justamente
nesta sala quando ouvimos as notícias no rádio de que Nova York estava em
chamas. Diante da catástrofe, o periódico iria ter de esperar mais uma vez...
Os plantões do noticiário
tratavam dos aviões sequestrados, do Pentágono em chamas, das torres gêmeas
sendo atacadas e ruindo. O choque de presenciar um ataque terrorista obrigou a
Universidade a interromper os afazeres aos quais se dedicava naquele momento
para ver e rever as aeronaves colidindo contra o World Trade Center. Cheguei na
frente da TV mais próxima a tempo de ver o segundo avião cumprir o seu trágico
destino. Não me lembro de mais nada que tinha que fazer durante o dia: sei que
tinha que ir para casa ou ir para o estágio, talvez. Mais tarde, de volta para
as aulas do período da noite, vi a abertura do Jornal Nacional com os rostos de William Bonner e Fátima Bernardes
se alternando através uma edição frenética e noticiando os fatos do dia como se
fosse um espetáculo inédito. O mundo mudava depois de tudo aquilo. Para pior,
infelizmente...
*
Quatro aviões sequestrados e
derrubados: dois em Nova York, um em Washington, outro na Pennsylvania.
Milhares de mortos. As torres gêmeas do World Trade Center caíram como se
fossem singelos castelos de cartas – a diferença é que havia concreto, tijolos,
pessoas, dor e sofrimento por dentro. O Pentágono em chamas. Um avião
destroçado no meio de uma floresta graças à heroica resistência dos reféns. Choque
e perplexidade. O mundo em alerta.
O maior feito dos talibãs não foi
ter matado muitos de uma só vez. Foi ter dado cabo à “revolução televisionada”
da qual tanto se escreveu e falou: o terrorismo se tornara, enfim, integrante
do horário nobre. Se isso não foi revolucionário, não deve ser possível saber o
que mais poderia ter sido...
Todas as pessoas se recordam bem
do lugar onde estavam e do que estavam fazendo no exato momento de uma grande tragédia.
As mortes de Ayrton Senna, Cássia Eller e Michael Jackson são exemplos para
muitos de minha geração. O dia 11 de setembro de 2001 não apenas chocou o
planeta inteiro, como entrou para a galeria de crimes hediondos dos quais a
humanidade jamais poderá se esquecer ou se orgulhar como o Holocausto, a Bomba
Atômica, a escravidão e os Tribunais do Santo Ofício, para não citar mais
alguns.
*
Depois de recolher os destroços e
os mortos, os Estados Unidos não conseguiram superar o luto dos acontecimentos
de 11 de setembro de 2001. A Terra de Uncle
Sam embarcou em uma onda de paranoia ridícula de censura que se espalhou
pelas rádios e emissoras de TV: não era permitido tocar canções que nos
remetessem aos atentados terroristas. Os artistas foram vítimas de um
puritanismo reacionário motivado pela dor e pela morte de milhares de
inocentes. Excluir os trabalhos de artistas e bandas que jamais tiveram inclinações terroristas do dial e dos canais televisivos era de um exagero patético, ridículo. Alanis Morissette, U2, Pearl Jam, Tom Petty, Foo Fighters, Phil Collins, Frank Sinatra e o Red Hot Chilli Peppers foram alguns dos que sofreram tais sanções.
Chico Buarque um dia nos disse
que a pior coisa de se viver em um regime ditatorial não é ser censurado pelo
governo, e sim ter de se autocensurar. Um exemplo ocorrido nesta época se deu
com uma de minhas cantoras preferidas, Natalie Merchant. A ex-vocalista do
10,000 Maniacs tinha concluído as gravações de seu terceiro disco de estúdio, Motherland, em 9 de setembro de 2001.
Como consequências dos ataques que abalaram os EUA dois dias depois, Miss
Merchant precisou reformular seus planos originais em relação ao projeto.
A primeira alteração foi feita
com a arte do álbum – a sessão de fotos de capa e encarte consistia em imagens
de crianças vestindo máscaras de oxigênio em um campo aberto. De acordo com a
artista, as controversas imagens (hoje, desaparecidas) foram feitas em 10 de
setembro. A sessão de fotos se reiniciaria no dia seguinte, o que jamais chegou
a acontecer. A segunda mudança feita em Motherland
foi em relação ao repertório: o disco que já abria com uma canção
descaradamente política – “This House is on Fire” – contaria com uma das
canções mais belas de Natalie Merchant: “The End”, uma “Imagine” do século XXI,
foi influenciada por uma exposição de fotos do renomado fotógrafo Sebastião
Salgado. A letra fala em um utópico fim da lei, das religiões e da perversidade
dos homens.
Natalie não queria se tornar a
inimiga número 1 da América, o que resultou na exclusão desta canção do disco.
Os ataques de 11 de setembro de 2001 deram uma interpretação deturpada às
canções de Motherland. Apesar das
críticas bastante elogiosas ao álbum, a Warner e o selo Elektra fizeram pouca
divulgação do disco e dispensou Natalie Merchant do casting da gravadora pouco tempo depois. Como consequência da
autocensura, “The End” infelizmente só foi gravada em disco 13 anos depois.
Por outro lado, os
norte-americanos nunca se recuperaram da dor causada pelos ataques de 11 de
setembro. Ao andar pela parte sul de Manhattan em 2012, visitei o local da
tragédia e a sensação era de um mal estar tremendo. O que mais me surpreendeu
foi descobrir a St. Paul’s Chapel,
localizada atrás do antigo World Trade Center. Aquele local, intacto e imune às
barbáries do passar do tempo, abrigou moradores locais em um grande incêndio
ocorrido na cidade no século XVIII e foi pólo de resgate das vítimas do
terrorismo. Aquela capela me deu uma lição: a força dos justos sobrevive aos
anos, o mesmo se aplica aos artistas da música e às belas canções que ouvimos
por aí...
Tenho a consciência de que todo
dia onze do nono mês do ano é uma oportunidade que temos para abominar o ódio e
a injustiça para que possamos reafirmar nosso amor uns pelos outros e ouvir música
que nos faça bem e nos faça pensar. É por isso que as canções são feitas. É por
isso que escrevemos sobre música...