8 de setembro de 2020

TROVA # 150

 

SETE DE SETEMBRO: INDEPENDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA OU MORTE?

Vale a pena amar um país que pouco oferece aos brasileiros?

              


 

O seu amor

Ame-o e deixe-o livre para amar

Livre para amar

Livre para amar

 

O seu amor

Ame-o e deixe-o ir aonde quiser

Ir aonde quiser

Ir aonde quiser

 

O seu amor

Ame-o e deixe-o brincar

Ame-o e deixe-o correr

Ame-o e deixe-o cansar

Ame-o e deixe-o dormir em paz

 

O seu amor

Ame-o e deixe-o ser o que ele é

Ser o que ele é

(Gilberto Gil, 1976)

 

Estamos a dois anos do bicentenário do dia em que Dom Pedro I decidiu urrar por “Independência ou Morte” de cima de um burro (e não de um suntuoso cavalo, como sugere a história oficial). Apesar das celebrações oficiais em torno desse marco histórico, nosso país jamais pode se autodeclarar como livre ou independente. As mesmas elites que ditava as regras da economia, da política e de outras amarras há 200 anos AINDA fazem valer a lógica da exclusão no Brasil de hoje.

Antigamente, a gente assistia às novidades passarem diante de nossos olhos tal qual a Carolina do Chico Buarque. Hoje em dia, ficamos a par do que acontece pelas janelas abertas da Internet e dos meios de comunicação. O que não deve ter mudado muito de dois séculos para cá é o nível de revolta do povo, que pouco consegue fazer para mudar a sua (eterna?) condição de explorado e enganado. Enquanto alguns se conformam com atual estado das coisas, outros ficam indignados, revoltados, descabelados e tem a impressão de que atravessam um mar de solidão sem tamanho, sem fim.

Porém, é importante sacramentar a pergunta que não cala de jeito nenhum no ano da graça de 2020: vale a pena amar um país que pouco oferece aos brasileiros? Parcialmente, eu diria. E vou apontar alguns breves motivos para isso...

O atual Governo Federal, eleito na base das fake news e do ódio que sempre existiu em muitos de nós e que adora propagar pelas redes sociais o seu “patriotismo” típico dos piores anos da Ditadura Militar, tem se revelado como um verdadeiro vassalo dos EUA: submisso aos caprichos e insanidades de Donald Trump, o mandatário que ocupa o posto mais ilustre da República Federativa do Brasil (cujo nome não cito em público de jeito nenhum) já ofertou aos yankees uma base militar no Estado do Maranhão, tem planos de entregar a Amazônia de bandeja para o Tio Sam, fora as declarações “apaixonadas” ao Presidente norte-americanos. Isso sem citar detalhadamente todos os desmandos cometidos contra os mais pobres (Reforma da Previdência, vetos presidenciais que parecem atos institucionais etc.) e favorecendo os mais ricos.

Outro motivo gritante para ilustrar a nossa eterna condição de vira-lata é o seguinte: o Brasil JAMAIS poderá se autodeclarar como “independente” se prosseguir violando direitos do seu povo. O mundo inteiro sabe que nossos governantes administraram a nação de forma plenamente irresponsável quando o assunto é a pandemia causada pelo coronavírus. Na noite de 7 de setembro de 2020, enquanto o Sub-Trump falava à nação brasileira, contabilizamos mais de 4 milhões de infectados e mais de 127 mil mortos pela doença. Enquanto isso, milhões de brasileiros morrem de fome graças à ausência de políticas públicas que apoiem trabalhadores e pequenos empresários; milhares de estudantes não conseguem sequer estudar durante o período de isolamento social porque não conseguem ter acesso à Internet. Já a imprensa brasileira (que teve um papel determinante nas últimas eleições) segue cerceada pelo Governo Federal e parcialmente impossibilitada de noticiar os escândalos de corrupção que mencionem a família do Presidente. E, por fim, assistimos a Amazônia e o Pantanal em chamas, por culpa da imensa irresponsabilidade do Ministério do Meio Ambiente. Se fossemos governados por patriotas de verdade, jamais viveríamos situações tão absurdas assim...

A ocasião do feriado prolongado (a data comemorativa da Independência do Brasil caiu em uma segunda-feira) nos trouxe uma série sem fim de imagens desoladoras: praias, bares e restaurantes do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Nordeste lotadas de banhistas sem sequer termos uma vacina para o vírus; em um evento oficial, o Presidente da República desfila sem máscaras, sem qualquer tipo de proteção individual e com uma horda gigantesca de aloprados ao seu redor. A ciência, em nosso país, é constantemente ignorada e desrespeitada pelas autoridades em prol de um mercado desumano e de uma moral religiosa nada cristã, relegando a vida de milhares de pessoas para o segundo plano. Diante de 127 mil pessoas desaparecidas, temos algum motivo para celebrar?

Por outro lado, minha descrença em dias melhores no futuro sai um pouco de cena ao sabermos que temos uma classe artística e intelectual que consegue pensar o país com muito mais sabedoria e inteligência do que os infelizes que ocupam os Três Poderes e que estão comprometidos até o último fio de cabelo com os projetos de direita que sempre agradou as elites brasileiras. Seríamos muito infelizes sem o legado e o pensamento de lendas brasileiras como Glauber Rocha, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tarsila do Amaral, Rita Lee, Lima Barreto, Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, Antonio Candido, Silviano Santiago, Clarice Lispector, Teresa Cristina e tantos outros brasileiros ilustres e anônimos que sempre amaram o nosso país, apesar de tantos pesares. Graças ao trabalho dessas pessoas, eu me lembro que toda crise, por maior e pior que ela seja, é passageira e que, cedo ou tarde, teremos condição de ir às ruas com tranquilidade e com orgulho das coisas boas que ainda existem por aqui, independente da tendência política de qualquer governo.




7 de setembro de 2020 não deveria ser lembrado futuramente pelos dizeres “Independência ou Morte” ou “Ordem e Progresso”, mas por “Negligência e Morte” ou “Desordem e Retrocesso”. O que me consola diante de tamanho horror é ter a certeza absoluta de que eu jamais contribuí para isso já que, como diz a canção de Gilberto Gil, devemos ser livres para ser e amar como quisermos...