UM CARTÃO DE
ANIVERSÁRIO PARA ELIS REGINA
Alô, Alô, Elis querida: aqui quem fala é da Terra. Sim, pra variar, AINDA estamos em guerra...
Há muito tempo que eu estava a fim de te
escrever. Como você mesma diria, sempre te achei o maior barato, bicho! Creio
que desde que criei este Blog, que nasceu no trigésimo aniversário da sua
partida deste plano, eu tive aquela vontade quase que escondida de te mandar
este cartão de aniversário. Já escrevi um e-mail pro Vinícius de Moraes na
ocasião do centenário dele, nada mais justo te escrever umas palavrinhas
repletas de amor e carinho para comemorar o septuagésimo dia do seu nascimento,
não é verdade?
Não lembro exatamente da data, mas tenho a
certeza de que a primeira vez em que eu realmente prestei atenção na sua voz
foi quando Tia Marlene, irmã do Vovô, deixou que um de seus LPs fossem passar
uns tempos lá em casa há mais de 20 anos atrás - deve ter sido em 1992, quando
eu tinha meus 11 anos de idade. Lado A, agulha encaixada na primeira faixa do
vinil e você sai cantando "É pau, é pedra, é o fim do caminho..."
pelos quatro cantos daquele apartamento de dois quartos na Ilha do Governador e
me arrebata no seu "Dois pra lá, Dois pra cá". Que uísque com guaraná
porra nenhuma, eu só queria deixar você literalmente deitar e rolar para poder
cantar e dar risada com o seu Quaquaraquaquá! Meu amor pela sua voz, sua
interpretação, sua garra e sua história de vida foi tão arrebatador que
tornou-se uma referência imprescindível para qualquer coisa que eu faço.
Afinal, o exercício do viver é nada mais, nada menos do que aprender a jogar,
como disse a velha canção.
Podemos dizer que você foi a primeira cantora que
anunciou a modernidade da canção com o seu "Arrastão" e os seus
braços-hélices que não tinham medo de fazer com que você soasse como uma
mistura insólita de Lennie Dale e Ângela Maria diante de milhões de
telespectadores. Poucas cantoras conseguem interpretar clássicos da canção
brasileira com tanta propriedade como você o fez com "Vida de
Bailarina" e "Inútil Paisagem". "Atrás da Porta" se
tornou, eu diria, a melhor canção sobre ressentimento e vingança jamais escrita
e cantada por alguém graças à sua interpretação irretocável. Dom? Talento?
Trabalho árduo? Obsessão pela perfeição? Ou tudo junto?
No decorrer desses 20 e poucos anos que eu me
encanto pelo valor inestimável do Brilhante que é o seu canto, passei a ter uma
ideia bem clara das duas décadas mais turbulentas da história brasileira
recente: a de 1960 e a de 1970. Não creio que alguém cantou as contradições do
Brasil com tanta veemência e sinceridade como você o fez. E para isso, tu
juntaste gente da pesada para a sua turma: Antônio Carlos Jobim, Gilberto Gil,
Milton Nascimento, Fátima Guedes, Renato Teixeira, Guilherme Arantes, Sueli
Costa, Ivan Lins & Vitor Martins, João Bosco & Aldir Blanc, dentre
tantos outros gênios. Guria, tu não perdeste tempo!!!
Artistas como você não existem iguais pelos
seguintes motivos: 1) Porque "cantora" é um termo muito injusto para
descrever você, pois você via o ato de cantar como uma espécie de devoção, um
sacerdócio para que, através de cada acorde, de cada nota, se fizesse das
tripas sentimento; 2) Porque você é tão autêntica, mas tão autêntica que eu
tenho dúvidas de que nasça uma mulher neste país que tenha mais personalidade
do que a tua! Digo tudo isso utilizando o Presente do Indicativo porque
concordo plenamente com o que disse o Nelson Motta sobre você e as
"colegas" das novas gerações: "Toda vez que eu ouço uma nova
cantora, eu tenho certeza de que Elis Regina canta ainda melhor". Sábio
Nelsinho: ele deixa claro para todos que todas as cantoras do Brasil devem
pensar mais de mil vezes antes de gravar algo que já tenha recebido a voz de
Elis Regina...
Infelizmente tu partiste num rabo de foguete ou
talvez em um trem azul para virar a maior de todas as nossas estrelas lá no céu
há mais de 30 anos. Não ouviste boa parte da música que se fez nos anos 1980,
não assististe a democratização do Brasil, não recebeste o reconhecimento
necessário em vida por tudo o que fizeste pela nossa música. Sempre me pergunto
o que Elis Regina diria ou estaria pensando nos dias de hoje em meio a tudo que
vivemos em nosso país hoje. Talvez você apenas cantasse aqueles versos da
"Cartomante": "Nos dias de hoje é bom que se proteja / Ofereça a
face pra quem quer que seja / Nos dias de hoje esteja tranquilo/ Haja o que
houver pense nos seus filhos // Não ande nos bares, esqueça os amigos / Não
pare nas praças, não corra perigo / Não fale do medo que temos da vida / Não
ponha o dedo na nossa ferida".
Para celebrar os 70 anos de teu surgimento, minha
cara Elis Regina, quero me lembrar da sua risada, das suas opiniões
inteligentes e da falta gigantesca que você faz para a Cultura Brasileira!
Graças a você, aprendemos que viver é realmente um barato! Por isso, como a
nossa esperança é equilibrista, tal qual você detectou através da obra de João
e Aldir, é imprescindível que o show de todo o artista tenha que continuar! E
se depender de mim, sempre haverá espaço para a sua voz enquanto voz eu tiver...
Com todo o carinho e a admiração do mundo do seu
querido
Vinil