12 de novembro de 2013

TROVA # 25


UMA CARTA (IMAGINÁRIA) 

PARA JANIS JOPLIN


We miss you, Janis...


Dear Janis,



Antes de te perguntar se você está bem ou outras coisinhas de praxe, permita-me apresentar: meu nome é Vinícius (os que passam por aqui me conhecem apenas como Vinil), tenho 30 e poucos anos (apesar de alguns acharem que tenho mais anos do que aparento ter), sou Professor de Inglês, pesquisador nas horas (raramente) vagas e, de vez em quando, escrevo neste Blog. Não poderia deixar de te escrever no ano em que você teria feito 70 anos de vida se estivesse cantando por estas bandas terrenas. Além disto, escrever cartas está meio fora de moda, meio démodé, meio over, mas gosto de fazê-lo mesmo assim. Ainda acredito piamente na magia transformadora das palavras que chegam a nós através do correio, sabe? Coisas de gente velha, vai saber, né?

Família Joplin, Natal de 1967: Seth e Dorothy Joplin (pais de Janis), Laura e Michael Joplin (irmãos de Janis)

Como vão as coisas aí no reino dos céus? Será que o Diviníssimo e os arcanjos ainda conseguem tremer com o poder da sua voz toda vez que eu escuto os seus miados e grunhidos de "Ball & Chain"? Espero que sim... Eu ouço a sua música há mais de 15 anos e não consigo deixar de sentir o desespero que você sentia ao cantar "Turtle Blues", "Cry Baby", "Dear Landlord" ou "Work Me, Lord"? Afinal de contas, você deve ter sido a primeira mulher do Rock ‘n’ Roll que expressou seus sentimentos de maneira tão honestamente, tão abertamente, tão rasgadamente quanto um jeans velho, roto e surrado de muitas batalhas juvenis pelo mundo agora... Bessie Smith e Billie Holiday, por exemplo, teriam ficado ruborizadas com sua sinceridade.


Você deve estar perguntando algo como: "Por que raios este cara do Brasil resolveu me escrever esta porra de carta depois de tantos anos que eu morri, caralho?". Sim, com estas palavras! Não vivi o seu tempo, tampouco com você, mas sei o quanto você era uma menina encrenqueira, desbocada e que tinha um certo medo de se afeiçoar àqueles que te admiravam. É de se entender... Eu quis te escrever na ocasião do seu aniversário, mas 19 de Janeiro não é uma data muito favorável para quem ouve música brasileira – é o aniversário de nascimento de Nara Leão, como também é a mesma data na qual perdemos Elis Regina, colegas brasileiras suas aí no Olimpo. Hoje tenho um motivo mais nobre: o sistema deu a prova final de que A-DO-RA o seu charme, My Darling! Fizeram uma estrela para você na Calçada da Fama de Hollywood, dá para acreditar?!

A estrela de Janis na Calçada da Fama de Hollywood
Já sei que você deve estar dizendo para si mesma algo como: "Porra, cara! Os caras cagaram para mim a vida inteira e resolvem me fazer uma homenagem de peso décadas depois de eu estar morta, cara?!" Ah, Janis! Por que não try just a little bit harder, como você mesma disse e cantou desbragadamente? Antes tarde do que nunca, não é verdade? E, falemos francamente antes que você pegue as minhas linhas e jogue-as no lixo: isto ocorreu porque você estava muito à frente do tempo no qual você viveu! Muitas feministas de plantão e que queimaram sutiãs na fogueira dos 1960s não tiveram o mesmo alcance que você teve. Por tu teres sido a primeira grande estrela do Rock ‘n’ Roll, sempre recusaste toda e qualquer forma de glamour, afinal isto era coisa para outras stars do seu tempo como Grace Slick, Mama Cass ou Nico! A sua coragem em desafiar padrões de estética musical e de beleza feminina era maior do que a vontade de querer ser bonitinha, gracinha e de acordo com os padrões do tal do American Way of Life! Bem que você tentou, little girl blue... mas não conseguiu! O seu grande talento era ser mais um no meio dos caras e fazer mais barulho do que uma horda de machos juntos em uma mesma mesa de bar com direito a litros e litros de Southern Comfort! O sistema não iria te deglutir tão facilmente, certo?

Janis Joplin, Paul Morrisey, Andy Warhol & Tim Buckley em 1968

Para uma mulher com tanta energia, criatividade, sensibilidade e insegurança como você, Janis, é lógico que Port Arthur, uma cidadezinha medíocre e tacanha no meio do Texas seria muito pouco para o seu talento gigantesco. É evidente que San Francisco, com todo o seu pioneirimo, tinha mais condições de compreender a complexidade do seu brilho... Afinal, ninguém na Costa Oeste dos EUA queria saber se você era o cara mais feio do campus, não é verdade?


Venhamos e convenhamos... nenhuma estrela brilhou com a mesma intensidade do que a sua na Costa Oeste dos States. Quando o mundo começou a ouvir os sons e a psicodelia do Big Brother & The Holding Company, muitos queriam saber quem era o "negão" que estava por trás do microfone... Adoraria ter visto a cara de tacho das pessoas ao saberem que o tal cara era uma pequenina pérola branca de voz negra Made in Texas. Cheap Thrills se tornou, aos poucos, um clássico obrigatório em qualquer coleção particular dos amantes da boa música graças ao seu canto incomum, aos seus grunhidos lancinantes, ao seu feeling... Clássicos da canção norte-americana ficaram belamente irreconhecíveis depois que Miss Joplin pôs a sua voz neles. Veja o caso de "Summertime", de "Maybe" e "Little Girl Blue". Quem são as pessoas que se lembram de outras interpretações destes clássicos sem pensar na sua voz, Janis? Quem?


E com tanto talento que você tinha, ainda havia espaço para uma enorme insegurança... Em "Work Me, Lord", por exemplo, você dizia que se sentia inútil neste mundinho de Deus... Pergunto a ti: como assim, garotinha triste? Se você tivesse ideia do quanto o seu legado passou a significar para as pessoas, você certamente não teria cantado esta canção tão lindamente... Se você tivesse visto a beleza dos seus olhos azus quando você cantou "Maybe" no programa do Ed Sullivan, em 1969, você teria tido mais compaixão por si mesma... E se você tivesse se comportado um pouquinho melhor quando você visitou o Rio de Janeiro, quem sabe a Cidade Maravilhosa teria sido uma rehab melhor para ti...


Os seus "Kozmic Blues" estavam muito a frente do seu tempo, Janis. E se o tempo tivesse sido um pouquinho mais generoso com você, Pearl teria sido apenas o início de uma fase musical mais consistente e madura. A Full Tilt Boogie era tecnicamente melhor do que o Big Brother e a Kozmic Blues Band. Infelizmente o passar dos anos não foi nem um pouco favorável para ti.

Janis em foto de Richard Avedon

De qualquer maneira, eu gostaria muito de ter te conhecido, Janis Joplin. De verdade! Não apenas porque você foi uma garotinha triste e agressiva a vida inteira, mas porque você ainda é uma das minhas principais influências para a música e para o viver. Espero que o seu sofrimento tenha se dissipado junto com a dose fatal de heroína que se diluiu nas suas veias e te levou de vez em 1970. Deus não te deu uma "Mercedes Benz", mas te ofertou com a vida eterna - seja nos arquivos de jornais, de revistas, de canais de TV ou nas nossas memórias. Parabéns pela sua Estrela na Calçada da Fama! Você precisou de uma eternidade (e não de um carro alemão ou outras garantias baratas) e de uma obra musical eterna para obtê-la.


Por tudo isto, aceite este e-mail (ainda que imaginário) com todo o carinho do


Vinil

Leia também:
http://www.blogsdoalem.com.br/janis/
http://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2013/10/my-big-sister-janis-joplin.html