SOB O LUAR DE HAVANA
(ou o amor correspondido dos Rolling Stones por Cuba)
Para Gabi Medelo, com muito amor...
“I thought you
needed my lovin',
But it's my
heart that you stole.
I thought you
wanted my money,
But you
plundered my soul.”
(Mick Jagger
& Keith Richards, 1972/2009)
Foi na noite em que vi um concerto
inesquecível da Buena Vista Social Club que eu passei a desejar umas férias em
Cuba. Não apenas pela história de lutas e repressão que a ilha de Che e Fidel viveram
por anos de comunismo, radicalismo político, como também pela beleza “vintage” do lugar, com também pela música
belíssima dos cubanos e pela admiração que possuo por toda aquela bela gente. A
partir de outubro de 2016, ganhei mais um excelente motivo para querer fazer as
malas e conhecer Havana o quanto antes.
Quando soube que os Rolling Stones
iriam encerrar sua gloriosa Olé Tour com um concerto gratuito em Cuba depois de varrer várias
cidades da América do Sul com muito Rock ‘n’
Roll não achei apenas algo justo. Tinha a certeza de que seria um evento
inédito e extraordinário ou até um pouco mais do que isso: algo revolucionário
mesmo. Afinal de contas, o Rock tinha
sido banido na terra de Che Guevara desde que o Comunismo subiu ao poder e o
embargo imposto pelos EUA e Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ron Wood
foram os primeiros artistas do universo roqueiro a dar expediente por lá após a
retomada das relações dos norte-americanos com os cubanos.
No entanto, uma coisa deve ficar bastante
clara: o concerto dos Rolling Stones em Cuba na noite de 25 de março de 2016
não foi mais um mero feito notável para a banda. Foi a realização mais
importante para a primeira banda de Rock que tocou na China após a
abertura da economia daquele regime, que reuniu cerca de 2 milhões de pessoas
na Praia de Copacabana e que sempre bate recordes constantes de bilheteria após
o final de cada uma de suas turnês. O fato de estarem na estrada há mais de
meio século e de ocuparem o posto mais inalcançável no panteão da música
popular dos últimos tempos ao lado dos Beatles é algo insuficiente para Mick
Jagger e seus companheiros musicais. Eles sempre descobrem outras barreiras a
serem derrubadas através de sua música que está sempre a prova de qualquer
sinal de envelhecimento.
A Ciudad Desportiva de Havana recebeu
cerca de 1 milhão e duzentos mil cubanos que estavam ávidos e excitadíssimos para
verem os Stones ao vivo. Graças às lentes e à direção eficientíssima de Paul
Dugdale, aquela noite de março de 2016 foi registrada no belíssimo documentário
Havana Moon, que registrou não apenas os momentos
mais emocionantes do concerto, como também nos mostrou a felicidade dos membros
da banda em estarem naquele palco. Um esforço cinematográfico que não deve nada
ao trabalho notável de cineastas de renome como Martin Scorcese, Jean-Luc
Godard, Brett Morgen, Hal Ashby ou Robert Frank, que já fizeram filmes
excelentes com os músicos.
Qual são os verdadeiros trunfos de Paul
Dugdale em Havana Moon? Ele consegue
transmitir a energia de Jagger, Richards, Watts e Wood no palco nos dando a
impressão de que eles estão bem na nossa frente – conquista a qual apenas
Martin Scorcese pode ter o poder de se orgulhar. No entanto, ao contrário do
diretor de Taxi Driver, Dugdale nos
ofertou algo que eu jamais tinha conseguido observar em um documentário sobre
os Stones: poder ter a oportunidade de ver o que o acontece por detrás no palco
segundos antes do espetáculo começar ou durante as corriqueiras trocas de
figurino ao lado da mesa de som da banda, por exemplo. Ver que Mick Jagger e
Keith Richards ainda se revelam ansiosos antes de entrar em cena é algo
surpreendente e comovente ao mesmo tempo, pois nos dá a oportunidade de ver o quão
humanos estes músicos são. Outro fator fascinante do filme é a alegria
emocionante dos cubanos presentes em assistir, cantar, chorar e bailar com os
longevos ingleses – o amor daquela gente pela música dos Rolling Stones se
traduzia em cada lágrima, em cada aplauso, em cada palma que se batia na Ciudad
Desportiva de Havana.
Havana Moon
teve uma única exibição nos cinemas dos EUA e do Reino Unido na noite de 23 de
setembro de 2016 e passou como um cometa pelas salas do Cinemark na noite de 06
de outubro de 2016. Por se tratar de um evento único, nem hesitei ao correr
para o cinema mais próximo do trabalho para testemunhar uma das noites mais
inesquecíveis da trajetória dos Rolling Stones. Para meu consolo e de muitos
fãs da banda desejosos em ver ou rever o filme, um DVD será lançado em novembro
de 2016 para que possamos ter mais imagens de arquivo de uma das bandas mais
queridas de toda a história da música.
Por se tratar de um registro
belíssimo, o trabalho de Paul Dugdale se torna tão representativo quanto outros
documentários já realizados por Martin Scorcese (Shine a Light), Jean-Luc Godard (Sympathy for the Devil), Robert Frank (Cocksucker Blues), Hal Ashby (Let’s
Spend the Night Together) e Brett Morgen (Crossfire Hurricane). Não apenas por suas câmeras eficientíssimas,
sensíveis e precisas, mas principalmente por desvendar o principal mistério do
sucesso dos Rolling Stones após tantas décadas: é o público quem mantém a banda
unida; a partir de tamanha admiração, Mick Jagger, Keith Richards,
Charlie Watts e Ron Wood conseguem reestabelecer o encantamento dos fãs, como
também se mantém como referência absoluta de espetáculos ao vivo. Havana Moon nos mostra o porquê dos Stones
serem simplesmente incomparáveis e insubstituíveis enquanto artistas e, por
isso, é um documento histórico de suma importância para quem deseja compreender
os rumos da história recente da arte e da política dos séculos XX e XXI.