Versos
& Sons da Garoa
Canções
que levaram São Paulo para os ouvidos (e para as memórias) das pessoas
“Garoa do meu
São Paulo,
-Timbre
triste de martírios-
Um negro vem
vindo, é branco!
Só bem perto
fica negro,
Passa e torna
a ficar branco.
Meu São Paulo
da garoa,
-Londres das
neblinas finas-
Um pobre vem
vindo, é rico!
Só bem perto
fica pobre,
Passa e torna
a ficar rico.
Garoa do meu
São Paulo,
-Costureira
de malditos-
Vem um rico,
vem um branco,
São sempre
brancos e ricos...
Garoa, sai
dos meus olhos.”
(Mário de Andrade)
Terra da garoa? Planalto de
Piratininga? Paulicéia Desvairada? Túmulo do Samba? Selva de Pedra? Terra do
café? Afinal de contas, o que é a cidade de São Paulo?!?!?!
São Paulo é tudo isso e muito mais: uma
cidade que instiga sentimentos de todos os tipos: paixão, raiva, amor, ódio,
desprezo, admiração, descuido, carinho... Desde que eu me entendo por adulto,
eu tenho nutrido sentimentos positivos pela cidade que me oferece régua e
compasso desde 2006. Trocar o sol e a irreverência do Rio de Janeiro pela garoa
e a correria de São Paulo foi, sem dúvida nenhuma, a mudança mais radical que
eu fiz em toda a minha vida – na verdade, foi o início oficial de minha jornada
como adulto. Como tantos outros, sou
Paulista de coração e com muito orgulho!
Os sons que se ouvem por aqui ecoam
pelo concreto que faz de São Paulo a cidade mais urbana do Brasil. As canções
que se fizeram sobre o Planalto de Piratininga falam sobre como é viver em um
espaço repleto de contradições, de semáforos, de opostos, de prédios e do
trânsito mais insano da América do Sul. Em outras palavras, são versos e sons
que retratam o que é viver em pleno caos
urbano.
Em homenagem à nossa cidade, aqui vai
uma lista de 10 canções sobre São Paulo das quais gostamos muito:
10) “Amanhecendo” (Billy Blanco)
São Paulo não é como Nova York, que
nunca dorme, mas é uma cidade que acorda cedo e dorme muito tarde.
“Amanhecendo”, de Billy Blanco, retrata a típica pressa de todo
paulistano. Se existe um estado de espírito que é constante de todo mundo que
vive aqui é este nosso sentimento apressado de ser e viver perante às filas e à
multidão.
9) “Deu Pane Em São Paulo” (Luiz Tatit)
Luiz Tatit, cantor e compositor de São
Paulo, é um dos músicos mais importantes do Brasil hoje. Fundou o grupo Rumo,
fez uma carreira solo magistral e
sempre retratou (com um humor bastante peculiar) a vida urbana da garoa. “Deu
Pane Em São Paulo” é uma faixa de seu primeiro disco, Felicidade (1997), e conta com a participação de alguns de seus
colegas do Rumo (Ná Ozzetti, Geraldo Leite, Hélio Ziskind) e nos avisa que
Sampa em ritmo de folia, alegria e carnaval está em pleno estado de pane.
8) “Lampião de Gás” (Zica Bergami)
Antes de Sampa se tornar esta grande
metrópole de luzes e fumaça proveniente dos milhões de veículos que trafegam
pelas ruas da cidade, muitos paulistanos inalavam o vapor que vinha dos
lampiões a gás que existiam em suas casas antes do advento da energia elétrica.
A valsa, de tom nostálgico, foi composta por Bergami em 1957 e foi gravada pela
voz imortal de Inezita Barroso no ano seguinte. A letra fala de um endereço em
um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, o Bom Retiro, que foi cena de
personagens e cenários bucólicos de uma cidade que hoje não existe mais.
7) “Paulista” (Eduardo Gudin & J. C.
Costa Netto)
A avenida mais charmosa do Brasil (e,
provavelmente, do mundo inteiro!)
está em São Paulo. Todo paulistano que se preze deve, nem que seja uma vez na
vida, andar pela Av. Paulista e admirar seus prédios, semáforos, lojas, bancas
de jornal, semáforos. Nesta avenida, vidas tomam seu rumo, negócios são feitos
e desfeitos, além de amores que vem e vão. É este o enfoque que a canção de
Gudin e Costa Netto traz através dos belos versos “Você sabe quantas noites / Eu te procurei / Nessas ruas onde andei? /
Conta onde passeia hoje / Esse seu olhar / Quantas fronteiras / Ele já cruzou /
No mundo inteiro / De uma só cidade”... Afinal de contas, não teve um compositor brasileiro que disse que “São Paulo é como o mundo todo”?
6) “Venha Até São Paulo” (Itamar Assumpção)
Itamar Assumpção é um compositor de mão
cheia! O “Jimi Hendrix da Vila Madalena” compôs várias odes musicais
homenageando São Paulo. Esta que escolhemos foi gravada por ele e por Rita Lee
em sua antológica trilogia Bicho de Sete
Cabeças (1993) e convida o ouvinte para vir até São Paulo, abençoada por
uma infinidade de santos, repleta de pressa e de gente de todas as origens e
tribos. Assim, pode-se saber “o que é bom pra tosse”.
5) “São, São Paulo” (Tom Zé)
Tom Zé é o único tropicalista em atividade
neste país. Digo isto porque ele é o artista que leva a bandeira da Tropicália
para onde quer que ele vá, sem deixar de soar saudosista e/ou datado. “São, São
Paulo”, composta em 1968, é de uma atualidade impressionante: fala de violência
urbana, de pessoas que se amam “com todo ódio” e “se odeiam com todo amor”.
Apesar de todos as imperfeições e de toda a injustiça social, é impossível não
levar São Paulo no lado esquerdo do peito, tal qual o sábio tropicalista nos
diz...
4) “Ronda” (Paulo Vanzolini)
A região central da cidade de São Paulo
guarda bares e inferninhos nos quais as paixões acontecem e as desilusões
amorosas se materializam. Nem sempre são tramas com finais felizes, são
melodramas que inspirariam qualquer episódio de A Vida Como Ela É..., de
Nelson Rodrigues. A referida canção de Paulo Vanzolini nos apresenta alguém em
busca de um amor perdido que é encontrado na boemia e na farra de um bar na
Avenida São João, reduto boêmio de Sampa. Um clássico urbano com as tintas
negras das páginas de jornal que vive para sempre nas memórias afetivas de
muitos de nós...
3) “Saudosa Maloca” (Adoniran Barbosa)
Adoniran Barbosa era um artista único
no planeta. E paulistano! Nenhum compositor retratou a vida urbana paulistana
com tanta perfeição, irreverência e inteligência melhor do que ele. “Saudosa
Maloca”, de 1955, retrata uma São Paulo que deixava de existir em prol de uma
vida urbana dominada por arranha-céus que atestam o vigor do progresso. A
escolha de palavras feitas por Adoniran reproduz a fala do paulistano da época
– um misto de Jeca Tatu com imigrante italiano... Um clássico da canção
brasileira que já foi regravado por vários bambas da MPB!
2) “Lá Vou Eu” (Rita Lee & Luiz Sérgio
Carlini)
Rita Lee Jones, em seus dias de glória
e inspiração, era uma compositora inteligente, ferina e que fazia de sua
melancolia, seu deboche e sua irreverência sua matéria-prima de uma obra
musical de altíssima qualidade. “Lá Vou Eu”, parceria de Rita com o guitarrista
Luiz Sérgio Carlini, traz um olhar de uma pessoa que vê o mundo e pensa na vida
do alto de uma janela de apartamento. Um Lado B da Rainha do Rock Brasileiro que deve ser entoado a plenos pulmões todo
dia...
1) “Sampa” (Caetano Veloso)
Quando Caetano Veloso veio a São Paulo
pela primeira vez, não conseguiu entender a “poesia concreta” das esquinas de
São Paulo. No entanto, entendeu que a boemia que pulsa na esquina da Av.
Ipiranga com a Av. São João era de uma intensidade única e compreendeu que os
contrastes que regem o Planalto de Piratininga são o seu verdadeiro charme. “Sampa”,
gravada pelo Mano Caetano em 1978, é uma das canções mais pedidas pelos fãs do
velho baiano em seus shows. Simplesmente pelo fato de ser de uma poesia
sincera, atraente, honesta e com gosto de concreto!
*
Flashback: quando São Paulo
completou 450 anos de idade, lembro-me de uma polêmica que fez de Rita Lee o
Judas do aniversário da cidade. Lembro-me de que Madame Lee tinha dito que
paulistano não sabia fazer festa e tinha criticado a decoração que Marta
Suplicy (prefeita de São Paulo, na época) tinha escolhido para a Av. 23 de
Maio: cinza! Eu estava na estreia
nacional da turnê que Rita começava naquele ano e afirmo, com todas as letras: ela não disse nada além daquilo!
Pensando bem a respeito do que Rita
Lee disse em 2004, o cinza é a cor que retrata muitíssimo bem a embriaguez de garoa
e gás carbônico que se chama São Paulo. Entretanto, se passearmos por São Paulo em uma bela tarde de sol, podemos verificar que há outras cores que dialogam com a massa cinzenta da Terra da Garoa...