25 de janeiro de 2014

TROVA # 32

Versos & Sons da Garoa
Canções que levaram São Paulo para os ouvidos (e para as memórias) das pessoas


“Garoa do meu São Paulo,
-Timbre triste de martírios-
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro,
Passa e torna a ficar branco.

Meu São Paulo da garoa,
-Londres das neblinas finas-
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre,
Passa e torna a ficar rico.

Garoa do meu São Paulo,
-Costureira de malditos-
Vem um rico, vem um branco,
São sempre brancos e ricos...

Garoa, sai dos meus olhos.”
(Mário de Andrade)

         Terra da garoa? Planalto de Piratininga? Paulicéia Desvairada? Túmulo do Samba? Selva de Pedra? Terra do café? Afinal de contas, o que é a cidade de São Paulo?!?!?!
São Paulo é tudo isso e muito mais: uma cidade que instiga sentimentos de todos os tipos: paixão, raiva, amor, ódio, desprezo, admiração, descuido, carinho... Desde que eu me entendo por adulto, eu tenho nutrido sentimentos positivos pela cidade que me oferece régua e compasso desde 2006. Trocar o sol e a irreverência do Rio de Janeiro pela garoa e a correria de São Paulo foi, sem dúvida nenhuma, a mudança mais radical que eu fiz em toda a minha vida – na verdade, foi o início oficial de minha jornada como adulto. Como tantos outros, sou Paulista de coração e com muito orgulho!
         Os sons que se ouvem por aqui ecoam pelo concreto que faz de São Paulo a cidade mais urbana do Brasil. As canções que se fizeram sobre o Planalto de Piratininga falam sobre como é viver em um espaço repleto de contradições, de semáforos, de opostos, de prédios e do trânsito mais insano da América do Sul. Em outras palavras, são versos e sons que retratam o que é viver em pleno caos urbano.
Em homenagem à nossa cidade, aqui vai uma lista de 10 canções sobre São Paulo das quais gostamos muito:

10) “Amanhecendo” (Billy Blanco)



         São Paulo não é como Nova York, que nunca dorme, mas é uma cidade que acorda cedo e dorme muito tarde. “Amanhecendo”, de Billy Blanco, retrata a típica pressa de todo paulistano. Se existe um estado de espírito que é constante de todo mundo que vive aqui é este nosso sentimento apressado de ser e viver perante às filas e à multidão.



9) “Deu Pane Em São Paulo” (Luiz Tatit)



         Luiz Tatit, cantor e compositor de São Paulo, é um dos músicos mais importantes do Brasil hoje. Fundou o grupo Rumo, fez uma carreira solo magistral e sempre retratou (com um humor bastante peculiar) a vida urbana da garoa. “Deu Pane Em São Paulo” é uma faixa de seu primeiro disco, Felicidade (1997), e conta com a participação de alguns de seus colegas do Rumo (Ná Ozzetti, Geraldo Leite, Hélio Ziskind) e nos avisa que Sampa em ritmo de folia, alegria e carnaval está em pleno estado de pane.


8) “Lampião de Gás” (Zica Bergami)


         Antes de Sampa se tornar esta grande metrópole de luzes e fumaça proveniente dos milhões de veículos que trafegam pelas ruas da cidade, muitos paulistanos inalavam o vapor que vinha dos lampiões a gás que existiam em suas casas antes do advento da energia elétrica. A valsa, de tom nostálgico, foi composta por Bergami em 1957 e foi gravada pela voz imortal de Inezita Barroso no ano seguinte. A letra fala de um endereço em um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, o Bom Retiro, que foi cena de personagens e cenários bucólicos de uma cidade que hoje não existe mais.



7) “Paulista” (Eduardo Gudin & J. C. Costa Netto)


         A avenida mais charmosa do Brasil (e, provavelmente, do mundo inteiro!) está em São Paulo. Todo paulistano que se preze deve, nem que seja uma vez na vida, andar pela Av. Paulista e admirar seus prédios, semáforos, lojas, bancas de jornal, semáforos. Nesta avenida, vidas tomam seu rumo, negócios são feitos e desfeitos, além de amores que vem e vão. É este o enfoque que a canção de Gudin e Costa Netto traz através dos belos versos “Você sabe quantas noites / Eu te procurei / Nessas ruas onde andei? / Conta onde passeia hoje / Esse seu olhar / Quantas fronteiras / Ele já cruzou / No mundo inteiro / De uma só cidade”... Afinal de contas, não teve um compositor brasileiro que disse que “São Paulo é como o mundo todo”?


6) “Venha Até São Paulo” (Itamar Assumpção)


         Itamar Assumpção é um compositor de mão cheia! O “Jimi Hendrix da Vila Madalena” compôs várias odes musicais homenageando São Paulo. Esta que escolhemos foi gravada por ele e por Rita Lee em sua antológica trilogia Bicho de Sete Cabeças (1993) e convida o ouvinte para vir até São Paulo, abençoada por uma infinidade de santos, repleta de pressa e de gente de todas as origens e tribos. Assim, pode-se saber “o que é bom pra tosse”.


        
5) “São, São Paulo” (Tom Zé)


         Tom Zé é o único tropicalista em atividade neste país. Digo isto porque ele é o artista que leva a bandeira da Tropicália para onde quer que ele vá, sem deixar de soar saudosista e/ou datado. “São, São Paulo”, composta em 1968, é de uma atualidade impressionante: fala de violência urbana, de pessoas que se amam “com todo ódio” e “se odeiam com todo amor”. Apesar de todos as imperfeições e de toda a injustiça social, é impossível não levar São Paulo no lado esquerdo do peito, tal qual o sábio tropicalista nos diz...


4) “Ronda” (Paulo Vanzolini)


         A região central da cidade de São Paulo guarda bares e inferninhos nos quais as paixões acontecem e as desilusões amorosas se materializam. Nem sempre são tramas com finais felizes, são melodramas que inspirariam qualquer episódio de A Vida Como Ela É..., de Nelson Rodrigues. A referida canção de Paulo Vanzolini nos apresenta alguém em busca de um amor perdido que é encontrado na boemia e na farra de um bar na Avenida São João, reduto boêmio de Sampa. Um clássico urbano com as tintas negras das páginas de jornal que vive para sempre nas memórias afetivas de muitos de nós...


3) “Saudosa Maloca” (Adoniran Barbosa)



         Adoniran Barbosa era um artista único no planeta. E paulistano! Nenhum compositor retratou a vida urbana paulistana com tanta perfeição, irreverência e inteligência melhor do que ele. “Saudosa Maloca”, de 1955, retrata uma São Paulo que deixava de existir em prol de uma vida urbana dominada por arranha-céus que atestam o vigor do progresso. A escolha de palavras feitas por Adoniran reproduz a fala do paulistano da época – um misto de Jeca Tatu com imigrante italiano... Um clássico da canção brasileira que já foi regravado por vários bambas da MPB!



2) “Lá Vou Eu” (Rita Lee & Luiz Sérgio Carlini)


         Rita Lee Jones, em seus dias de glória e inspiração, era uma compositora inteligente, ferina e que fazia de sua melancolia, seu deboche e sua irreverência sua matéria-prima de uma obra musical de altíssima qualidade. “Lá Vou Eu”, parceria de Rita com o guitarrista Luiz Sérgio Carlini, traz um olhar de uma pessoa que vê o mundo e pensa na vida do alto de uma janela de apartamento. Um Lado B da Rainha do Rock Brasileiro que deve ser entoado a plenos pulmões todo dia...


1) “Sampa” (Caetano Veloso)


         Quando Caetano Veloso veio a São Paulo pela primeira vez, não conseguiu entender a “poesia concreta” das esquinas de São Paulo. No entanto, entendeu que a boemia que pulsa na esquina da Av. Ipiranga com a Av. São João era de uma intensidade única e compreendeu que os contrastes que regem o Planalto de Piratininga são o seu verdadeiro charme. “Sampa”, gravada pelo Mano Caetano em 1978, é uma das canções mais pedidas pelos fãs do velho baiano em seus shows. Simplesmente pelo fato de ser de uma poesia sincera, atraente, honesta e com gosto de concreto!



*

         Flashback: quando São Paulo completou 450 anos de idade, lembro-me de uma polêmica que fez de Rita Lee o Judas do aniversário da cidade. Lembro-me de que Madame Lee tinha dito que paulistano não sabia fazer festa e tinha criticado a decoração que Marta Suplicy (prefeita de São Paulo, na época) tinha escolhido para a Av. 23 de Maio: cinza! Eu estava na estreia nacional da turnê que Rita começava naquele ano e afirmo, com todas as letras: ela não disse nada além daquilo!

Pensando bem a respeito do que Rita Lee disse em 2004, cinza é a cor que retrata muitíssimo bem a embriaguez de garoa e gás carbônico que se chama São Paulo. Entretanto, se passearmos por São Paulo em uma bela tarde de sol, podemos verificar que há outras cores que dialogam com a massa cinzenta da Terra da Garoa...