SEM PARTIDO, COM MORDAÇA
“We don’t need
no education
We don’t need no thought control
No dark sarcasm in the classroom (…)”
(Roger Waters, 1979)
Dentre todas as irregularidades que tem acontecido no país desde o golpe
de 2016, as piores delas se concentram nos ataques incessantes contra as
escolas brasileiras. O Ministério da Educação não apenas limitou o orçamento
das Universidade, como também cortou programas universitários (saudades do
Ciência sem Fronteiras, amiguinhos?) e realizou uma reforma do Ensino Médio completamente
estapafúrdia e autoritária – alunos e professores não foram sequer convidados a
debater o tema a fundo. Porém, nenhuma destas arbitrariedades chama mais a
minha atenção do que as propostas do grupo Escola sem Partido.
Idealizado por um advogado de São Paulo, o ESP alega que o principal mal
das escolas brasileiras reside no fato de que os alunos são doutrinados por
docentes esquerdopatas que impõem suas concepções políticas, morais e
religiosas em plena sala de aula – ignorando completamente o fato de que os professores
ganham mal, de que a educação privada é orientada por lógicas desumanas de
mercado e de que as escolas públicas estão cada vez mais sucateadas e sofrem
com o descaso das autoridades. De acordo com os mentores, nós, professores,
devemos ser combatidos pelo Estado e impedidos de expor nossas crenças e concepções
em nosso ambiente de trabalho. O que me pergunto diante de tamanhas propostas é
o seguinte: por que docentes engajados e escolas participativas incomodam tanto
os conservadores e poderosos?
A escola, em linhas gerais, deixou de ser o espaço opressor e retrógado tal
qual observamos no filme The Wall,
do Pink Floyd. Os bancos escolares do passado eram repletos de alunos
reprimidos por professores e gestores que tratavam os espaços estudantis tal
qual se fossem prisões. Em pleno século XXI, os estudantes possuem a liberdade
(muitas vezes abusam da mesma!) de agir como desejam; o mesmo deveria valer para
aqueles que se dedicam ao ensino, principalmente após a redemocratização do
Brasil. Por sermos cidadãos, somos políticos. Por sermos profissionais de
educação, temos o compromisso de atuarmos criticamente, pois é através da
disseminação do saber é que fazemos um país andar para a frente. Se há um
interesse para que o conhecimento se perpetue, é preciso ser responsável e
apresentar os dois lados da moeda para cada fato a ser discutido em sala de
aula, por exemplo.
O ESP acusa os professores de serem “doutrinadores” por colocarmos em
prática preceitos marxistas, no entanto, veem Mises como um guru e Paulo Freire
como a personificação de Lúcifer ou apenas um petista ordinário. A partir desta
lógica muito pessoal e peculiar, eles se sentem à vontade para cercear e
intimidar o trabalho de operários do ensino, estes comunas vermelhos, comedores
de criancinhas dispostos a almoçar os cérebros de nossos jovens a qualquer hora
do dia. Minha experiência como profissional da rede privada de ensino esfregou
na minha cara que a lógica mercadológica, amada pela direita sempre deu o tom
da ideologia dos estabelecimentos – o aluno, isto é, o pagante é o cliente que
sempre tem e terá razão – e nunca foi objeto de perseguição dos órgãos oficiais
ou do ESP.
Duas escolas da Prefeitura de São Paulo receberam a visita de um
vereador ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre) no início de abril de 2017. O intuito
da “visitação” era o de fiscalizar as condições das instituições e verificar se
os professores não estariam doutrinando os alunos daquelas unidades escolares. A
repercussão pública foi escandalosa: as redes sociais e seus partidários e seus
partidários de esquerda e de direita entraram em mais um debate baixo e
violento; a grande imprensa e os vassalos do GAFE (Globo, Abril, folha e
Estadão) viram nesta discussão acalorada uma oportunidade e tanto para atirarem
mais lenha na fogueira; o Secretário Municipal de Educação – a autoridade mais
competente e habilitada para nos orientar e fiscalizar) – decidiu pedir demissão,
mas foi demovido da decisão pelo Prefeito de São Paulo, João Dória.
O fator mais revoltante da visita do vereador do MBL não foi a simples e
notória patrulha ideológica ou a imposição da tática de mercado de fiscalizar
os funcionários para verificar se a produção está de acordo ou não com a meta
esperada. Atos como estes restringem a liberdade dos professores através da
pura e simples intimidação, tal qual ocorria nos tempos da ditadura militar. Este
é o pior retrocesso imposto pelo golpe de estado liderado por Michel Temer e o
PMDB: reprimir profissionais de ensino, limitar a atuação crítica das escolas,
sucatear a educação pública, atingir o povo com a retirada de um de seus
direitos mais importantes.
Escolas são espaços de liberdade: a pluralidade de saberes precisa ser
mantida, a diversidade precisa ser respeitada (daí a importância de se discutir
questões de gênero com nossos alunos, por exemplo), a liberdade do professor em
um ambiente de trabalho tão desgastado – salários baixos, assédio moral, burocratização
e mercantilização do ensino – não pode ser patrulhada por fascistoides
populistas. A lógica da mordaça para combater nossas crenças em pleno século
XXI não nos cabe mais.
É por isto que acredito na importância da luta dos profissionais de
Educação para que nosso trabalho não seja golpeado de maneira tão dura pelos
defensores do ESP. Sem resistência, há retrocesso. Sem luta, há patrulhamento. Sem
a crença em nós mesmos e no nosso poder de alcance, não há um Brasil melhor.