A
MÚSICA, AS MEMÓRIAS E A MAGIA DE BARBRA STREISAND
“If you see me in the alley
Looking like I don't belong
You can put me in your greenest valley
I'll still be singing the same old song”
(Barbara Keith na voz de Barbra Streisand, 1971)
Barbra Streisand surgiu para os meus
ouvidos quando eu estava entrando na adolescência. Enquanto as pessoas da
minha idade piravam no som das bandas descoladas como Nirvana, Red Hot Chilli
Peppers ou Pearl Jam, eu me encantava com sucessos como “Guilty”, “Woman in
Love” e “The Way We Were”. Achava o primeiro disco que ela gravou com o Barry
Gibb dos Bee Gees o verdadeiro máximo e fiquei super feliz quando eu adquiri
uma versão comemorativa de 25 anos de Guilty para a minha coleção. Era
mais um sinal de que o meu ouvido musical era anormal em comparação às pessoas
da minha idade.
O que me encantava tanto no trabalho de
Barbra Streisand? A voz. Seu talento estupendo de atriz lhe fazia uma performer
seja de canções dos musicais da Broadway, seja de canções pop contemporâneas. Apesar
dela ser odiada pelos daqui de casa e de seu gosto do que os falantes de língua
inglesa chamam de corny para o seu repertório
mais recente e de seus excessos de Diva, não deixei de comprar seus álbuns. Eu sempre
digo para qualquer um que se há mais de três discos de um mesmo artista é
porque estamos diante de um fã. Daqui da mesa do escritório, vejo mais de dez
CDs e um LP da artista de quem escrevo hoje.
Devo confessar por aqui que, apesar de
gostar bastante dos serviços de streaming,
não sou muito afeiçoado ao Netflix. Minha preguiça em acompanhar novelas e
séries de TV se tornou uma parte congênita de mim desde que minha rotina tem
sido tomada pela minha vida profissional e dos meus estudos. Porém, ao saber que
The Music... The Mem’ries...
The Magic!, a turnê de 2016-2017 em que Barbra Streisand
comemorou 6 décadas de uma carreira de sucesso, aproveitei a solidão de uma
noite de quarta-feira e fui conferir o resultado.
Aos 75 anos de idade, Barbra Streisand
infelizmente não possui a mesma extensão vocal (os agudos eram uma de suas
marcas registradas) de outros tempos. Por outro
lado, a teatralidade que ela imprimiu a clássicos como “People” (Bob Merrill
& Jule Styne) e “I Didn’t Know What Time It Was” (Rodgers & Hart) ou a
canções pop como “Being At War With
Each Other” (Carole King), “The Way We Were” (Marvin Hamlisch, Alan &
Marilyn Bergman) ou “Evergreen” (parceria bissexta de Streisand com Paul
Williams) é simplesmente comovente. Ao contrário de turnês anteriores,
onde poderíamos notar a presença de orquestras repletas de cordas e sopros, Barbra
é acompanhada por um número restrito e competente de músicos no palco.
Apesar das excelentes interpretações, The Music... The Mem’ries... The Magic! possui momentos, digamos, um tanto over para os não-admiradores
de Barbra Streisand: o diálogo entre Barbra e o gerente do restaurante no qual
ela pede o seu jantar pareceu fake demais
até para este que vos escreve; a homenagem à cadelinha Sammy (companheira fiel
da estrela durante as turnês), comovente para os amantes de pets, e suas aparições forçadas no palco
deviam ser um desgaste para a pobre criaturinha – os donos de cãezinhos sabem
que eles possuem audição extremamente sensível; imaginem o desconforto de
milhares de pessoas aplaudindo e berrando por sua dona em plena boca de cena...
No entanto, pouquíssimas mulheres na
história da música sabem encantar, entreter e provocar uma plateia como Babs:
Madonna, Beyoncé, Adele e muitas outras mulheres que se aventurarem pelo showbiz devem aprender um pouquinho com
ela em matéria de como se interpretar uma canção, como se vestir com
sensualidade e elegância, como se dirigir ao público contando histórias, piadas
e anedotas de cunho político e por aí vai... Dois detalhes a respeito de sua
história profissional me deixaram boquiaberto: Barbra tem pavor de palco e só
fez apenas cem concertos públicos até hoje. Chega a ser impactante saber que
uma das figuras femininas mais longevas do entretenimento mundial não fez um
centésimo de apresentações ao vivo do que todas as estrelas da música Pop juntas e mesmo assim tem muito a
ensinar a todas elas.
E torço para que Barbra sempre consiga
dominar o medo do palco para não apenas ensinar aos seus pares com quantos
refletores e notas musicais se fazem um bom espetáculo, como também tenha
canções belíssimas para cantar para o mundo por bastante tempo. Afinal de
contas, precisamos de belas vozes para que possamos ainda acreditar na beleza
de nosso cotidiano. Como a boa nos redime e nos salva dos males do dia-a-dia, a
música, as memórias e a magia de Barbra Streisand nos fazem crer em um mundo um
pouco melhor. Mesmo que este efeito tenha a duração de apenas duas horas...