14 de dezembro de 2016

DISCOS DE VINIL # 11

PATTI SMITH – BANGA (2012)


Patti Smith é, sem a menor sombra de dúvidas, a mulher mais inteligente que já surgiu no universo do Rock ‘n’ Roll. Não canta como Janis Joplin ou Tina Turner; não tem o glamour punk/new-wave de Debbie Harry, não é tão agressiva e/ou arrogante como Joan Jett e tampouco faz parte da tendência diva-oportunista-rebolativa-comercial de Madonna, Taylor Swift, Beyoncé ou Barbra Streisand.
Avessa a estratégias de marketing que ditam as regras do mainstream fonográfico, Smith foi uma poetisa que adentrou os portões do Olimpo do Rock por mero acaso e que se manteve distante dos clichês regidos pelo trinômio Sexo, Drogas e Rock ‘n’ Roll.


Oriunda de uma família de classe média baixa dos EUA sempre foi uma mulher simples e fiel a seus princípios morais e às suas referências artísticas (Arthur Rimbaud, Allen Ginsberg, Jimi Hendrix, Jim Morrison e Bob Dylan são algumas das principais). Ao mesmo tempo em que se aventurou pela música, esta senhora que completará 70 anos de idade em 30 de dezembro de 2016 sempre publicou livros de poemas (Auguries of Innocence, de 2005 é o mais recente) e, em 2010, publicou Just Kids (em português: Só Garotos), livro que conta as suas memórias ao lado de seu grande amigo, o fotógrafo e artista plástico Robert Mapplethorpe (1946-1989).


Sua discografia, no entanto, merece comentários mais extensos do que meras menções neste post: seu an-to-ló-gi-co (sim, separado por sílabas!) disco de estreia, Horses (1975), é um dos discos mais importantes dos últimos tempos e seus demais álbuns – Radio Ethiopia (1976), Easter (1978), Wave (1979), Dream of Life (1988), Gone Again (1996), Peace & Noise (1997), Gung Ho (2000), Trampin’ (2004) e Twelve (2007)– são provas definitivas de como a aliança entre poesia, Rock, atitude, humildade e engajamento é algo que faz de Patti um verdadeiro clássico, porém, às vezes, perdido: infelizmente são poucos os brasileiros que conhecem o poder de fogo que Patti Smith lança através de suas performances gravadas em discos e livros.


Banga é o 13.º álbum lançado por Mrs. Smith (incluindo coletâneas e trabalhos de canções inéditas). Concebido entre viagens de Patti pelo mundo, é um trabalho que dialoga diretamente com Just Kids, pois os dois projetos revelam ao grande público o universo particular de Patricia Lee Smith: seus amores, seus ideais artísticos, sua íntima relação com Mapplethorpe, seus olhares sobre o que aconteceu no mundo nos últimos cinco anos, sua saudade dos que já se foram deste mundo… (Amy Winehouse, Johnny Depp, Maria Schneider, Nikolai Gogol, Américo Vespúcio e Andrei Tarkovsky são alguns dos homenageados por Patti Smith no disco.


A coleção de 12 canções que compõe Banga fala das mais variadas formas de viagem – relatos de um explorador (“Amerigo” – em homenagem a Américo Vespúcio), voos literários e cinematográficos (“April Fool” e “Tarkovsky” – tributos ao escritor russo Nikolai Gogol e ao cineasta russo Andrei Tarkovsky), ondas devastadoras (“Fuji San” – Rock composto para homenagear o povo japonês, seriamente abalado pelo terremoto e pelo tsunami que se abateu sobre o seu território em 2011), baladas em homenagem a uma menina tristonha e a um ícone da sétima arte (“This is the girl” e “Maria” foram compostas para homenagear a cantora Amy Winehouse e a atriz Maria Schneider, mortas em 2011), um mosaico de sons e outro caleidoscópio de imagens (“Mosaic” – que narra uma viagem de Patti pela Turquia), uma ode ao astro de cinema e uma lullaby song para o querido afilhado (“Nine é uma homenagem a Johnny Depp; já “Seneca” é um mini-diário de aventuras e conquistas poético-musicais dedicado a Seneca Sebring), o projeto transcendental de um velho italiano e o protesto do velho roqueiro canadense (o épico “Constantine’s Dream” – de mais de 10 minutos – descreve um sonho que Patti teve em 1988 e uma belíssima releitura de “After the Gold Rush”, de Neil Young, resgatando o lamento de 1970 para as gerações que sofrem com os autoritarismos da espécie humana em pleno século XXI)…


Estes pares todos entremeados pelo latido intermitente de um cão (“Banga” é o nome do cão do romance russo Magarita e o Mestre, de Mikhail Bulgákov) vindo diretamente da ficção para nos avisar: “Believe or Explode!” (Creia ou Exploda!).


Concebido após o lançamento de seu livro de memórias, Banga foi gravado no Electric Lady Studios (construído e popularizado por Hendrix) e é mais uma colaboração de Patti, seus já habituais parceiros musicais (o guitarrista Lenny Kaye, o baterista Jay Dee Daugherty e o baixista e tecladista Tony Shanahan), alguns convidados especiais (Johnny Depp toca bateria e guitarra na faixa-título; já Tom Verlaine, guitarrista do Television e velho amigo de Smith, participa de “Nine”) e membros da família (Jackson Smith e Jesse Paris Smith, frutos do casamento de Patti com o guitarrista do MC-5, Fred “Sonic” Smith, tocam, respectivamente, guitarra e piano em algumas faixas deste trabalho).


Há pessoas (eu me incluo nesta lista!) que acreditam que Banga é o melhor trabalho lançado por Patti Smith desde Easter. Existem outros que dizem que este está entre os melhores discos lançados em 2012. Trata-se de um disco com referências poéticas mais evidenciadas pela própria autora no encarte deste trabalho e que deixa a ferocidade do discurso punk em segundo plano. De fato, é um disco que não carrega a agressividade tão característica de trabalhos anteriores como Radio Ethiopia e os gêmeos Gone Again e Peace & Noise, mas ainda mantém Patti como um baluarte do Rock mundial e pode tornar seu legado musical ainda mais perceptível para os jovens do século XXI que deveriam conhecê-la e/ou ouvi-la com mais frequência.

É preciso dizer que o primeiro disco de inéditas de Patti Smith nos anos 2010 não deixa de ser um grande disco de Rock. Afinal, ouvir música inteligente em tempos não tão inspirados como os nossos é mais do que uma necessidade: é uma obrigação para o bem-estar dos seus ouvidos... Como diria o mote deste disco: “Believe or Explode”!