UMA
LIÇÃO DE CORNOLOGIA COM O MESTRE MAIA
(ou amando e desamando intensamente ao som indefectível de Tim Maia)
(ou amando e desamando intensamente ao som indefectível de Tim Maia)
“As pessoas são falsas como pedras. Pensam que
são superiores por estarem por cima da terra, mas esquecem que sempre tem
alguém por cima delas.”
(Tim
Maia)
Além de
ter sido o maior Mestre do Soul Brasileiro, Tim Maia se autoproclamou Mestre em
Cornologia. Cantou a intensidade da cornitude mais desesperadamente do que
Lupicínio Rodrigues, não tão tragicamente do que Waldick Soriano, mais
debochadamente do que Roberto Carlos. Repreendeu alguns artistas de gerações posteriores
a dele justificando que é preciso levar muito chifre nas ideias para que
saibamos cantar a dor de corno com propriedade e respeito.
O Mestre
Maia, ao contrário do seu indiscutível talento para a música, não era um hit
nos assuntos amorosos. Brigava com suas esposas com a mesma voracidade com a
qual bebia, comia, cheirava e fumava. Suas paixões e desilusões amorosas foram
inspiração para compor e interpretar canções inesquecíveis e maravilhosas. Tim colocava
tanto sentimento em suas interpretações que se tornou praticamente impossível
para que nós, meros mortais, cantássemos qualquer coisa que ele já tenha
cantado com um pingo de qualidade. É em momentos nos quais ouço seus discos que
eu, mero aluno de canto, queria ter nascido negro e retinto quanto Macunaíma
para que minha voz pudesse soar como a de Tim Maia.
Podemos
enquadrar as canções de amor de Tim em três estágios de cornologia: o primeiro
momento, o da pré-cornitude,
consiste na descoberta do amor e no encantamento provocado pela mulher amada
diante da comunhão de um sentimento supostamente em comum. Tudo soa perfeito no
momento em que o amor aparece e faz do coração a sua morada. “Você”,
hit icônico de Tim Maia gravado em 1971, reflete a plenitude deste encontro:
“De repente a dor
De esperar terminou
E o amor veio enfim
Eu que sempre sonhei
Mas não acreditei
Muito em mim
Vi o tempo passar
O inverno chegar
Outra vez
Mas desta vez
Todo pranto sumiu
Um encanto surgiu
Meu amor”
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No entanto, a desilusão amorosa surge tão rapidamente quanto
à chegada das paixões avassaladoras e corroem a esperança no amor. É o momento
da cornitude plena. O resultado se
mostra através do ódio, do desespero fruto do abandono e do desejo insaciável
de vingança. “Sofre”, lado B gravado por Tim Maia em 1972, se inicia com um
trecho falado no qual o compositor expõe suas frustrações para depois expiar a
sua dor, sem rodeios, sem meias-palavras. Um detalhe que não devemos deixar de
compartilhar aqui é o de que este mesmo procedimento foi adotado pelo artista
11 anos depois em uma canção que se tornou o estandarte principal da cornologia:
“Me
Dê Motivo”, de Michael Sullivan e Paulo Massadas. Para Tim Maia,
cornitude é um estado cíclico:
“Não vou mais chorar,
mas se eu chorar
vai ser baixinho
pra ninguém me ver
O quanto eu sofro,
pois amei você.
E vou seguir meu caminho
triste
Como antes de te conhecer
Porém marcado,
humilhado, magoado.
Pode ver.
Você foi mulher
Se isso é ser mulher
Está enganada, pois não é
não.
Isto foi pura podridão
Se valeu do sentimento puro
e belo que eu tinha por
você
para fazer as suas
crueldades e maldades
Sem perdão.
Agora Sofre
Sofre
Todo mal que cê me fez
Você bem cedo irá pagar!
Disse a todo mundo eu que
era o mal
E, no entanto foi você quem
riu.
E quem me fez penar!”
|
Diante da dor inevitável e da solidão, não restam muitas
opções para o pobre homem: ou ele vive em meio aos fantasmas do passado, ou ele
decide sair em busca daquilo que tinha sido perdido. É o estágio da pós-cornologia! Ao se encontrar no meio
deste estágio, Tim Maia não pensaria duas vezes: ele preferiria engolir o
orgulho ao invés de amargar a ausência de uma companhia. “Réu Confesso”, samba-rock de 1973, é um pedido de
desculpas à mulher amada. O autor diz que a culpa de todos os males do mundo se
deve a ele mesmo e que é impossível viver sem a presença de sua amada:
“Venho lhe dizer
se algo andou errado
Eu fui o culpado,
rogo o seu perdão
Venho lhe seguir,
lhe pedir desculpas
Foi por minha culpa
a separação
Devo admitir
que sou réu confesso
E por isso eu peço,
peço pra voltar
Longe de você
já não sou mais nada
Veja é uma parada
viver sem te ver
Longe de você
já não sou mais nada
Veja é uma parada
viver sem te ver
Perto de você
eu consigo tudo
Eu já vejo tudo
peço pra voltar
Devo admitir
que sou réu confesso
E por isso eu peço,
peço pra voltar
Longe de você
já não sou mais nada
Veja é uma parada
viver sem te ver
Perto de você
eu consigo tudo
Eu já vejo tudo
peço pra voltar”
|
Através
de Tim Maia, podemos aprender um pouquinho sobre os três estágios básicos da ciência
da cornologia. Diante de um universo
amoroso em pleno desencanto (sem nenhuma referência à seita da qual ele
fazia parte em meados da década de 1970), é impossível não cantá-lo com todo o soul e o groove que possa existir no mundo. Afinal de contas, já que o sofrimento
é inevitável, que o cantemos de forma digna, visto que só existe dignidade na cornitude!
Salve, Tim Maia! Obrigado por mais esta grande lição, caro amigo!