5 de setembro de 2016

TROVA # 84

MEU BLOCO NA RUA
(lutando pela democracia depois do golpe de 2016)

Dilma Rousseff - Brasília, 29 de agosto de 2016.
"Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender

Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval
(Sérgio Sampaio, 1972)


Nasci em 1981, durante o terceiro ano de governo do último general que governou o Brasil durante uma ditadura militar que censurou, torturou e matou aos borbotões. Minha família por parte de Pai, cujo patriarca era o Sr. Maurício (meu avô), era de militares da Aeronáutica. Eles sempre disseram que o período militar em Brasília foi uma “era de ouro” nos quesitos “autoridade” e “segurança”. Meus parentes por parte de Mãe foram beneficiados pelo ilusório “milagre econômico” semeado por Médici e seus comparsas: meu saudoso avô materno, Seu Adhemar, não tinha do que reclamar das benesses adquiridas pela classe média, que ascendeu economicamente durante os anos 1970.
Quando as Diretas Já tomaram o país de assalto, os milicos devolveram o poder da nação para os civis e o primeiro Presidente da República civil (embora apoiado pelos militares) retornou ao Palácio do Planalto depois de duas décadas, eu tinha entre 4 e 5 anos de idade, ou seja, ainda não tinha condições de opinar ou decidir sobre os rumos do país.


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         Eu tinha oito anos em 1989. Lembro bastante das eleições presidenciais ocorridas naquele ano: eu era um menino carioca vivendo em Porto Alegre que saía para passear no Parque Farroupilha aos domingos e já percebia a popularidade de Lula, Brizola (Silvio Santos até...) e Fernando Collor nos debates da TV e nas propagandas eleitorais gratuitas e obrigatórias. A pior cicatriz da ditadura já se fazia presente em minha família e em vários núcleos familiares já naquela época: bastava iniciar o horário político e a TV era automaticamente desligada até o horário da novela das oito.
Política era definitivamente um assunto que não se discutia em casa, tampouco perto das crianças. O resultado de tamanha falta de politização foi a eleição de Collor para o período presidencial de 1990 a 1994, depois de uma campanha eleitoral agressiva, baixíssima e vergonhosa.

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         Em 1992, já de volta ao Rio de Janeiro, cursava o sétimo ano do Ensino Fundamental e já nutria um interesse próprio pelas aulas de História. Durante meus momentos de tédio em sala de aula (hiperativo desde sempre, sempre foi um desafio focar minhas atenções única e exclusivamente na Professora), adorava ler as páginas do livro didático que descrevia os governos da República Velha, da Era Vargas, dos anos de chumbo, da redemocratização do país. Um detalhe chamava muita atenção: naquele volume estava escrito que Collor seria o Chefe de Estado da Nação por mais dois anos.
O país fervia em denúncias de corrupção diariamente e em torno das consequências geradas pelas medidas perversas de ajuste econômico – quem viveu o início da década de 1990 lembra bem a crise econômica sofrida por aqueles que perderam seus rendimentos na poupança, sequestrados pelo Governo Federal. Como se sabe, não foi aquele o destino selado do Presidente da República mais jovem a assumir o cargo até então.
Em outubro daquele ano, o Caçador de Marajás foi deposto por um impeachment gerado por inúmeras acusações, renunciou ao posto e saiu pela porta dos fundos do Planalto. Eu tinha 11 anos de idade enquanto assistia todo aquele circo midiático armado pela Globo e uma série de “caras pintadas” até certo manipuladas pelos interesses da vênus platinada e das elites brasileiras. Creio que foi naquele momento de minha vida em que realmente me interessei por algo relacionado às artes, à história e à política de meu país. Minha inocência dos anos de infância definitivamente começava a sair de cena...

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Foi aos 21 anos de idade, ou seja, no início de minha vida adulta, que vi o projeto neoliberal elitista, excludente e arrogante de Fernando Henrique Cardoso e seus asseclas ser desprezado nas urnas para que um ex-operário e ex-sindicalista, um representante das camadas populares, chegar ao posto mais elevado da República Federativa do Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva representava a possibilidade de termos um país mais justo e digno para todos, diminuindo as desigualdades sociais tão presentes na história nacional. Chico Buarque estava ao seu lado, junto com a nata da inteligência e da classe artística do território nacional. Eram tempos de glória e de euforia que não seriam abalados por nenhuma arbitrariedade.
No entanto, a euforia não iria durar para sempre: minha primeira decepção de peso com o governo Lula veio em 2005, quando os primeiros escândalos de corrupção vieram à tona. O PT, antes um partido livre de qualquer suspeita em termos de ética e honestidade, se transformou em um partido tão comum quanto todos os outros, deslumbrado com as delícias do poder e seduzido pelo canto da sereia da corrupção, do dinheiro fácil, do lucro instantâneo e da ganância absoluta. Como forma de protesto, fiquei sem exercer meu direito ao voto por mais de dez anos, justificando minhas ausências na zona eleitoral mais conveniente no dia das votações.
Descontente com a descaracterização do PT, que se aliou ao PMDB e as forças políticas de centro para chegar ao poder, não me animei muito quando soube que Dilma Rousseff, a herdeira política de Lula, tinha sido eleita Presidente do Brasil em 2010, apesar de sempre ter tido enorme admiração por sua biografia e sua trajetória política. Apesar dela ter sido a ministra mais firme e competente dos dois primeiros governos do PT. Apesar dela ter sido a primeira mulher a assumir o posto mais alto de uma República de um país machista, conservador, racista, homofóbico. Apesar dela ter combatido a ditadura militar e ter sido barbaramente torturada. Apesar dela ter sempre se destacado por possuir uma moral ilibada e inquestionável. Apesar de ela nunca ter pertencido ao grupo de notáveis do PT e por prometer o comando com mão de ferro e tolerância zero com desonestidade.

Laerte


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Meu retorno às urnas e à militância política se deu em 2014. O Brasil se via dividido entre um projeto político reacionário, machista e conservador representado por Aécio Neves e o PSDB de um lado e a continuidade uma política popular inclusiva, de tintas levemente neoliberais representada por Dilma e o PT. Entre a escolha de uma plataforma política que não me satisfazia por completo e o retorno de uma proposta elitista e retrógrada, fiz questão de viajar até o Rio de Janeiro para votar em Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais.


Vibrei de alegria e alívio quando constatei que “Dilmãe” tinha sido reeleita com 54 milhões de votos. Entretanto, fiquei com receio ao ouvir o tom de ressentimento do candidato derrotado pelo PT e o tom odioso da grande mídia, disposta a varrer a ex-guerrilheira para debaixo do tapete da história através de uma campanha incansável de desconstrução: inaugurava-se, enfim, o terceiro turno das eleições de 2014. Este seria o mais longo e o mais cruel de todos. Como novos integrantes deste thriller político estavam a economia brasileira em estado de saúde periclitante e o Congresso Nacional mais conservador desde 1964. Anos difíceis estavam por vir, sem a prosperidade de três mandatos petistas anteriores. Seriam dias de luta, frustração e de muita resistência.

Dilma Rousseff - Brasília, 31 de agosto de 2016.

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O segundo mandato de Dilma Rousseff, como sabemos, foi infinitamente prejudicado pela oposição que teve o seu projeto político recusado nas urnas, por um Congresso Federal que temia as investigações sobre corrupção que Dilma sempre apoiou, por um Vice-Presidente que negou o apoio que sua companheira de chapa tanto necessitava, por uma crise econômica que não foi combatida com eficiência e por uma mídia tão golpista quanto os políticos desonestos e reacionários que exploram e roubam o Brasil há anos e anos.

Dilma Rousseff - Brasília, 31 de agosto de 2016.
Dilma foi covardemente deposta por um golpe parlamentar sacramentado em 31 de agosto de 2016, para que o governo golpista de Michel Temer pudesse, enfim, chegar ao poder. Era a consagração de um projeto político neoliberal, hipócrita e cínico, para desespero das camadas mais pobres da sociedade brasileira e felicidade das elites conservadoras que sempre sonharam em obter lucro fácil e imediato em cima de uma mão de obra barata. Temer e seus ministros fizeram pouquíssimo caso das manifestações a favor de Dilma Rousseff e/ou pela convocação de eleições diretas. A resposta dos setores ligados à esquerda se deu no dia 4 de setembro de 2016: mais de 100 mil pessoas foram para as ruas de São Paulo protestar contra o golpe parlamentar que rompeu com a democracia no Brasil.


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A partir do momento em que a normalidade democrática deixou de ser a regra e transformou-se em exceção, cabe a nós, que ainda acreditamos na importância do regime democrático e do voto popular (descaradamente desrespeitado por vários parlamentares), ir para a rua pedir para que a boa e velha honestidade retorne à rotina da sociedade brasileira. Ao colocar o nosso bloco na rua e fazer barulho pela convocação de novas eleições e pela retirada dos golpistas do Planalto, reafirmamos nosso desejo por democracia.


Estes são dias de resistência, dias de combate, dias de luta. Cabe a todos nós que acreditaram no projeto político e na idoneidade de Dilma Rousseff defender a Constituição com unhas e dentes, apesar da truculência da Polícia e do Estado. Estarei nas ruas para brigar por isso...