20 de agosto de 2017

TROVA # 133

MÊS DO GOSTO E DO DESGOSTO
(amando e odiando o mês de agosto)



Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marrakesh
Mexe qualquer coisa dentro, doida
Já qualquer coisa, doida, dentro mexe
Não se avexe não, baião de dois
Deixe de manha, 'xe de manha, pois
Sem essa aranha, sem essa aranha, sem essa aranha!
Nem a sanha arranha o carro
Nem o sarro arranha a Espanha
Meça: tamanha!
Meça: tamanha!
Esse papo seu já tá de manhã!

Berro pelo aterro
Pelo desterro
Berro por seu berro
Pelo seu erro
Quero que você ganhe
Que você me apanhe
Sou o seu bezerro gritando mamãe!
Esse papo meu tá qualquer coisa
E você tá pra lá de Teerã!”
(Caetano Veloso, 1975)



Dizem que o mês de agosto é o mais interminável de todo ano. Mês do cachorro louco, de início de semestre em escolas de idiomas (universo do qual eu faço parte há mais de 10 anos), com ausência de feriados, do retorno às aulas. Temporada de cansaço acumulado, de angústias rebocadas e de algumas esperanças pelo caminho. 31 dias que, aparentemente, nunca chegam ao fim.


É no decorrer deste mês que ilustres leoninos e virginianos comemoram os dias dos seus anos. Caetano Veloso, Madonna, Elba Ramalho e Ney Matogrosso fazem aniversário em agosto. Estes quatro artistas sempre estiveram presentes nos meus ouvidos e nos momentos mais marcantes na existência destas retinas ainda não muito fatigadas. Em 2017, por outro lado, vieram me lembrar que Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior, não está mais entre nós há exatos 30 anos. Há três décadas que a poesia no Brasil não pode contar com o seu maior poeta para tentar entender esta enorme contradição chamada "sentimento do mundo". O que o Poeta de Itabira teria a nos dizer nos dias de hoje?


A partir de agosto deste ano, descobri que ainda há espaço para desafios na minha vida profissional: iniciei meus trabalhos como Professor da Rede Pública na Cidade de São Paulo, depois de 16 anos de vida profissional e de 13 com registro em carteira. Ser um docente de crianças e adolescentes no ensino público é muito mais do que um mero professional challenge: é trabalhar com uma quantidade limitada de recursos com um público extremamente carente de tudo o que se possa imaginar. É preciso rever expectativas, revisitar conceitos, deixar outros preconceitos de lado, ter a corrente sanguínea de uma barata. Lições de ouro já valiosamente aprendidas no oitavo mês do ano de 2017.


Os noticiários internacionais nos mostraram que o ódio racial não é apenas uma constante na Alemanha de Hitler ou na França segregacionista de Le Pen. Li e assistir com imenso horror as notícias e protestos de ódio racial ocorridos em Charlottesville, EUA. A ideologia rota e imunda da "supremacia branca" tão bem defendida (e aplicada por nazistas e fascistas) em pleno século XXI com o aval do Presidente Trump é um dos maiores sintomas do retrocesso mundial que o terceiro milênio tem vivenciado nos últimos meses. Tenho em comum o mesmo desejo que o Cazuza: "eu queria ter uma bomba, um flirt paralisante qualquer" para poder fazer com que a justiça dos homens valesse alguma coisa...



Como diria o velho (e sábio) Caetano Veloso: "uma canção me consola". No nosso caso: várias canções nos consolam e tive a prova disso em dois shows incríveis que pude assistir. O primeiro deles, Trinca de Ases, contou com um Valete, a Dama Sofisticada de nossa música e o Rei Buda Nagô máquina de mil e um ritmos brasileiros. Gilberto Gil, Nando Reis e Gal Costa fizeram da minha noite de 5 de agosto repleta de som e da doce fúria dos Deuses da Música. Uma master class de ritmo, irmandade artística e de musicalidade em um país marcado por uma série de excessos.



O segundo show também não deveu em nada em relação ao anterior. Depois de décadas apurando meus olhos e ouvidos musicais, tomei coragem para sair em uma noite de sábado chuvosa e feia como um cão para assistir a uma apresentação ao vivo de Zé Ramalho em Santo André. Em quase duas horas, Mestre Ramalho cantou a fina flor de seu repertório para uma multidão de admiradores de seu indefectível trabalho. Enquanto Zé cantava clássicos como "Avôhai", "Admirável Gado Novo", "Banquete de Signos" e "Chão de Giz", não deixava de me perguntar o porquê de nunca ter assistido a um show seu antes. Ainda bem que o mês de agosto nos trouxe oportunidades musicais de ver a vida com mais poesia...




Enquanto o mês de agosto de 2017 não chega ao fim, temos mais 11 dias pela frente. Até lá, teremos que conviver com mais um dos desmandos do governo golpista que decidiu reduzir em 10 reais o reajuste do salário mínimo e esperar ansiosamente o lançamento de Caravanas, 23º álbum de estúdio de Chico Buarque. Não tenho do que reclamar do oitavo mês do ano até aqui. Na verdade, tenho muito mais para agradecer. Apesar do mês que parece nunca ter fim...