9 de julho de 2015

TROVA # 52

CAETANO VELOSO ENTRE AS EXTREMIDADES DAS EMOÇÕES 

(ou ENTRE O HYPE E O COOL A PARTIR DE UM ABRAÇAÇO EM ITAQUERA)


"Não sou proveito
Sou pura fama"
(Caetano Veloso, 1983)

Não me lembro de nenhum outro artista da música brasileira que consiga provocar tantos amor e ódio quanto Caetano Veloso: enquanto muitos o veneram, outros o detestam com uma intensidade impressionante. Caê (tal qual alguns membros de sua ilustre família) não se esforça muito para ser simpático e/ou coerente em meio às brigas e polêmicas que já arranjou pelo Brasil e pelo mundo afora, o que faz com que sua horda de haters aumente ainda mais...


Por outro lado, ainda me surpreendo com a capacidade de Caetano Veloso em arrebanhar as gerações mais jovens para os seus shows. Quando comecei a prestar atenção em sua obra, lá pelo início dos anos 2000, eu era um jovem estudante de Letras que descobria a poética que emanava das letras da canção brasileira. Fui assistir uma apresentação da turnê Noites do Norte na praia de Copacabana e o público que vi por lá era a típica audiência de show de MPB: pessoas de meia idade, que viveram o esplendor das vanguardas brasileiras e do desbunde no decorrer dos anos 1970. No entanto, senti que Caetano queria se aproximar dos mais jovens (mais especificamente das pessoas da minha geração, ou dos integrantes das gerações Y e Z) quando ele misturou Kurt Cobain e Cole Porter em seu álbum de standards A Foreign Sound, de 2004. Ouvir "Come As You Are" com aqueles vibratos característicos soou como Kurt Cobain tentando cantar uma versão grunge de "Superbacana": algo completamente artificial e inautêntico. O jogo virou para Caê dois anos depois, quando ele decidiu romper com a longa parceria musical com o maestro Jacques Morelembaum e gravou um dos discos mais bacanas de sua discografia.


(2006) foi o ponto de virada de Caetano Veloso em relação à sua música: a parceria com Morelembaum foi rompida para dar lugar a um Power Trio composto por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo, piano Rhodes) e Marcello Calado (bateria). A sonoridade das canções do arauto tropicalista ficou indie e surpreendentemente jovial para um senhor de 60 e poucos anos que se aventurava a fazer música popular. Por outro lado, o público de Caetano passou a consistir de jovens hype que adoram posar de moderninhos e descolados que colocam "Anna Julia" no mesmo balaio de "Qualquer Coisa", uma canção estandarte do cool. Ironicamente, lembro de um ex-colega de faculdade que dizia que os discos de Caê eram praticamente os mesmos, pois basicamente eles se resumiam a ele com o seu violão, baixo, bateria e algum acompanhamento musical... Bem, se eu o encontrasse hoje diria que a trilogia composta por , Zii e Zie (2009) e o ótimo Abraçaço (2012) trouxeram um frescor e tanto para a música do "bruxo de Santo Amaro da Purificação".


Depois de mais de 10 anos sem ver Caetano Veloso cantar ao vivo, soube que ele iria fazer os shows de encerramento da turnê de de Abraçaço em São Paulo: seria uma série de quatro shows no SESC Pompeia entre os dias 3 e 6 de junho de 2015 cujos ingressos se esgotaram tão rapidamente quanto um show de estreia de turnê de uma artista do porte de Madonna ou dos Rolling Stones. O preço camarada, a possibilidade de ver um espetáculo bem próximo do artista (Caetano fez os shows na choperia do Pompeia) e a véspera de feriado fez com que tal fenômeno se consumasse. Não foram poucas as reclamações que li nas redes sociais de fãs que não iriam degustar a música do bardo tropicalista. Como não tenho a menor paciência e a maior rabugice do planeta para filas e disputas de ingressos (ah, a lucidez dos 30 e poucos anos!), nem resolvi tentar...


Fiquei muito surpreso e feliz de que o autor de "Reconvexo" e "Estrangeiro" resolveu fazer um show extra (e gratuito, esta é a melhor parte!) em 7 de junho de 2015 no SESC Itaquera, que não é tão longe aqui de casa. Ver Caetano Veloso ao vivo depois de séculos, de graça, perto de casa  e ainda por cima logo após uma temporada mítica que sacudiu as estruturas do SESC Pompeia e depois de outras oportunidades que ele esteve aqui por temporadas limitadas e ingressos caríssimos?! Não poderia ter tido sorte maior!!! O trabalho mais difícil que tive a partir daquele momento era convencer minha nobre companhia para ir ao show, visto que Caetano é esse cara que suscita mais ódio e rejeição do que amor e aceitação por parte de pessoas que integram o meu círculo de amizades.


Enquanto muitos chegavam em Itaquera de carro, ônibus, circular e metrô, Caetano (em um furor típico de Diva) chegou de helicóptero poucos minutos de dar início aos trabalhos, enquanto muitos ainda se estapeavam para chegar às imediações do palco depois das 18h, horário que o show já tinha começado. Conseguimos chegar uma hora antes para curtir as belas paisagens que o SESC Itaquera nos oferece, tirar fotos e achar um lugar relativamente confortável em meio a multidão incalculável que se aglomerava para ver uma apresentação de Caetano Veloso. Um fato curioso que vale compartilhar aqui: shows gratuitos são programas de índio divertidíssimos nos quais encontramos de gente de tudo quanto é tipo, de famílias com crianças de colo a bichos-grilo com baseados a tiracolo, de jovens hype a jovens trintões e quarentões como eu e vários outros da minha geração. Todos unidos pelo som, aplaudimos com alegria quando o criador de "Sampa" entrou no palco e cantou suas canções mais recentes e vibramos com maior empolgação quando o Mano Caetano reapresentou seus clássicos em versão Indie para toda a galera.

Ao contrário do que eu esperava de um artista que sempre está nos holofotes da mídia e faz parte da intelligentsia artística brasileira, Caetano Veloso mal se comunicou de forma direta com o público que foi prestigiá-lo no SESC Itaquera em 7 de Junho de 2015. Não que eu esperasse que ele fosse esbanjar a simpatia de um Gilberto Gil ou a dramaticidade plena de um Ney Matogrosso ou um histrionismo catatônico de uma Angela Ro Ro ou a leveza e a doçura de uma Ceumar, mas achei, em muitos momentos, sua postura blasé, levemente arrogante, e distante do gosto popular, como se ele tivesse que cumprir um dever burocrático. Canções de Abraçaço como "Parabéns" com o seu exaustivo refrão "Tudo de bom, gigabom, terabom", a ultra-reflexiva "Um Comunista" (suíte de 8 minutos e pouco na qual homenageia a memória e o legado de Marighella) e a insossa "Quando o Galo Cantou" podem até fazer parte de uma certa lógica dentro do setlist do show, mas não funcionam tão bem no palco, apesar da competência inquestionavelmente espetacular do guitarrista Pedro Sá, que me fez vibrar de emoção com cada um de seus solos lancinantes. Por outro lado, "Baby", "Homem", "Eclipse Oculto" e "Alguém Cantando" demonstram a importância de Caetano para a consolidação de um padrão de excelência em termos de música popular. A junção de "Escapulário" (poema de Oswald de Andrade musicado por Caê) com a recente "Funk Melódico" foi um dos momentos mais interessantes da apresentação. Já o encerramento com "Você Não Entende Nada" e o arremate do Bis com "A Luz de Tieta" foi suficiente para deixar todos os presentes em pleno estado de alegria.

Ame-o ou odeie-o, e motivos para ambos sempre haverá por parte do artista, Caetano Veloso é sempre motivo para debates acalorados em mesas de bar, rodas de amigos, redes sociais, mesas redondas e (por que não?) aqui neste Blog também. E ele consegue provocar reações tão diversas e embaralhar as dinâmicas da vida cultural brasileira por mais de quatro décadas...

O QUE FAZ DE ABRAÇAÇO UM MOMENTO ESPECIAL NA DISCOGRAFIA DE CAETANO VELOSO?

1. A Bossa Nova é Foda


2. Baby



3. Quando o Galo Cantou

 

4. Um Abraçaço


5. Parabéns


6. Homem


7. Um Comunista


8. Triste Bahia



9. Estou Triste


10. Odeio



11. Escapulário / Funk Melódico


12. Alguém Cantando


13. Quero Ser Justo


14. Eclipse Oculto


15. De Noite na Cama


16. O Império da Lei


17. Reconvexo


18. Você Não Entende Nada


19. Nine Out of Ten


20. Força Estranha



21. Sampa


22. A Luz de Tieta