MARISA
MONTE – MM (1989)
Marisa de Azevedo Monte era uma menina graciosa de 21 anos
quando desistiu de ser cantora lírica em Roma para se aventurar pelos territórios
da música popular. A infância e a adolescência sempre foram marcadas pela
música: seu pai, o engenheiro Carlos Saboia Monte foi um dos diretores da Portela,
uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio de Janeiro. Além disso,
Marisa estudou piano, canto e bateria. Aos 12 anos, participou de uma montagem
de Rocky
Horror Show dirigida por Miguel Falabella.
Ao retornar de Roma para a Cidade Maravilhosa, Marisa Monte
procurou o produtor e compositor Nelson Motta para montar o seu primeiro
espetáculo solo. O repertório escolhido pelos dois era bastante abrangente – de
Mutantes a Carmen Miranda, passando por Peninha, Luiz Gonzaga, Kurt Weill,
Candeia e Waldick Soriano. A turnê, batizada de Veludo Azul,
fez com que Marisa cantasse por várias cidades do Brasil durante o ano de 1988,
com direito a aparição na mídia da época e o respeito da crítica. Inclassificável,
os meios de comunicação a tacharam como uma artista “eclética”, por ter
dificuldade em assimilar a diversidade que sempre foi a marca do trabalho da
filha de Carlos e Sylvia Monte.
Os convites das gravadoras para a realização do disco de
estreia não faltaram. Depois de várias propostas rejeitadas, Marisa Monte decidiu
assinar com a EMI. Com exceção de uma faixa, MM foi gravado ao vivo
durante uma apresentação ao vivo em maio de 1988, sem retoques ou recursos de
retoques na voz. Uma medida bastante incomum em termos de marketing estratégico
de lançamentos de novos artistas, diga-se de passagem.
MM é composto de 12 canções – 11 regravações e uma adaptação de
um sucesso italiano para o português: Nelson Motta adaptou a letra de “E Po'
Che Fa”, do italiano Pino Daniele, para o português. “Bem Que Se Quis” se
tornou o primeiro sucesso de Marisa Monte e foi uma das mais tocadas nas rádios
brasileiras do ano de 1989 e foi tema da personagem de Lúcia Veríssimo na
novela O Salvador da Pátria, da TV
Globo. A faixa de abertura é uma versão pungente de “Comida”, de Arnaldo
Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Frommer, uma das canções mais emblemáticas do
repertório dos Titãs. Do universo do Rock nacional, Marisa regravou “Ando Meio
Desligado”, de Rita Lee e dos irmãos Sérgio e Arnaldo Dias Baptista, um dos
números mais importantes do repertório dos Mutantes.
A terceira faixa do disco é uma regravação de “Chocolate”, uma
das canções mais interessantes do repertório de Tim Maia, por quem Marisa Monte
sempre considerou como uma de suas principais influências. O jingle de Tim, uma declaração de amor a
um dos doces mais adorados pelos seres humanos, foi uma oportunidade e tanto
para que Marisa fizesse um protesto a favor da liberação das drogas através dos
versos, inclusos por ela:
“Não quero pó
Não quero rapé
Não quero cocaína
Eu só quero chocolate
Só quero chocolate
(Legalize marijuana!)
Não adianta vir com guaraná pra
mim
É chocolate que eu quero beber”
Do mundo do samba, Marisa Monte resgatou três clássicos do gênero:
“Preciso Me Encontrar”, uma das criações mais célebres de Candeia, foi um
enorme sucesso na voz de Cartola. “Lenda das Sereias, Rainha do Mar” foi um dos
temas de samba-enredo mais populares da história do Carnaval carioca. Por fim, “South
American Way” (Al Dublin & Jimmy McHugh) é um dos números mais
significativos do repertório que fez de Carmen Miranda uma das maiores lendas
do showbiz internacional.
O trunfo principal de MM é a diversidade de ritmos (Rock,
Soul, Samba...). A regravação do Forró “O Xote das Meninas”, de Luiz Gonzaga e
Zé Dantas, em ritmo de Reggae e a
versão espetacular de “Negro Gato” (Getúlio Côrtes) em uma levada Blues com pitadas de Samba evidenciam o
quanto Marisa Monte é uma cantora versátil, ousada e marcante. Já as três faixas
finais do disco são releituras de clássicos da canção em língua inglesa: “I
Heard It Through The Grapevine” (Barrett Strong & Norman Whitfield), um dos
números mais importantes do repertório de Marvin Gaye; “Bess, You Is My Woman
Now”, um dos números mais belos da ária Porgy & Bess, dos irmãos Gershwin,
contou com a participação especial do grupo Nouvelle Cuisine; “Speak Low” (Kurt
Weill & Ogden Nash), a única faixa gravada em estúdio, é uma homenagem ao
estilo de cantar de João Gilberto.
O disco de estreia de Marisa Monte é o retrato fiel do
talento de uma das artistas mais talentosas da música brasileira. Um trabalho
que merece ser reouvido para que sempre possamos nos lembrar da beleza do canto
de uma das sereias mais belas do Brasil...