UM BELO ENCONTRO FAMILIAR
Pepeu Gomes & Baby do Brasil: o reencontro musical de um dos casais mais importantes da música brasileira |
"Eu
queria tanto
Voar com você
Eu queria tanto, tanto, tanto
Encontrar você, Prá fazer um auê com você
Cai, cai aqui na minha mão
Eu não vou deixar cair, não
Homem asa, meu balão
Você voa no céu feito gaivota
Você é um passarinho
Cê mergulha no céu prá Terra o seu ninho
E realizou o antigo desejo do homem voar
Com a sabedoria dos pássaros
Você é o dono do mundo
Eu bem queria estar aí com você
Mas me contento em vibrar
E te espero rezando [orando] ansiosa
Por uma descida tranquila, vitoriosa
E depois me encontrar com você e fazer um auê"
(Baby
Consuelo / Baby do Brasil – “Um Auê com Você” –
quinta
faixa de seu disco Canceriana Telúrica,
de 1981 /
sétima faixa do CD/DVD A Menina Ainda Dança (Baby Sucessos), de 2015)
A minha chegada aos 30 anos de idade me
fez um sujeito bem mais crítico do que o habitual. Na véspera de completar 35,
confesso que a minha rabugice pode atingir níveis que podem enfurecer os
integrantes do "coro dos contentes" ou da "banda dos
contentes" (para pegar emprestado dois termos utilizados por Torquato Neto
e Erasmo Carlos) no que diz respeito ao gosto musical da massa ou em relação ao
que está "na moda". Acho preferível não citar mais nomes do que
os que já citei nas minhas redes sociais de forma que este espaço esteja
preservado do ódio e da discórdia alheia. No entanto, tem um evento que eu não
posso deixar de citar, pois ele é a origem das nossas reflexões e afetividades
presentes neste texto: a quinta edição do festival Rock in Rio, que completou 30 anos em 2015 e aconteceu entre os
dias 18 e 27 de setembro.
Não me lembro de absolutamente nada do
primeiro festival, que fez jus ao nome. Eu tinha 4 anos de idade quando ocorreu
a primeira edição e 10 na época da segunda. Fui à terceira edição, em 2001, mas
acho este assunto indigno de citar por aqui. Meu pai me contava que os shows do
Queen, de James Taylor e de Rod Stewart em 1985 foram eventos memoráveis e
inesquecíveis. Sei que George Michael e os Guns 'n' Roses passaram por aqui em
1991. Tudo o que sei foi o que eu vi nas inúmeras reprises de reportagens da
Globo e afiliadas, ou seja, minha memória e a minha vivência correspondem
exatamente ao que a televisão me contou. No entanto, o que os reclames do
plim-plim não me contaram tão bem assim foi a respeito da importância de
algumas atrações nacionais que fizeram do Rock
in Rio um evento histórico: não me refiro às bandas do chamado BRock, mas aos artistas que fizeram com
que ele surgisse e acontecesse com toda a sua plenitude: Ney Matogrosso,
Erasmo Carlos, Rita Lee e o ex-casal Baby do Brasil (na época, Baby Consuelo) e
Pepeu Gomes.
O que exatamente não me contaram? Que
estes artistas não só quebraram as barreiras que separavam o Rock da velha e
tradicional MPB, como também foram mais autênticos do que algumas das bandas
que "fizeram história" na nossa versão de Woodstock de décadas atrás.
Com a exceção de Rita Lee, que se recusa a retornar aos palcos (não apenas ao Rock in Rio, como também não se interessa
mais em fazer turnês até o presente momento), todos os artistas que citei
voltaram para a Cidade do Rock para um revival.
O encontro mais esperado para muitos foi o de Baby e Pepeu, que não trabalhavam
mais juntos há algum tempo. Em uma onda de tributos forçados (e desnecessários,
por que não dizer?) de bandas jurássicas, a retomada da dupla Baby do Brasil e
Pepeu Gomes soou como uma novidade interessante e (até) inesperada para muitos:
infelizmente não tenho ouvido muito do lendário guitarrista por aí; já em
relação a ela, soube que ela retornou triunfalmente ao universo da canção
popular em uma turnê revivendo seus grandes sucessos depois de anos de pregação
evangélica intensa e fervorosa. O responsável pela reunião destes dois gênios
foi o guitarrista e cantor Pedro Baby, quarto filho deles, que já acompanhou artistas
lendários de nossa música como Gal Costa e Marisa Monte pelos palcos do país e
do mundo.
Em 1985, Baby e Pepeu soavam como
ousados, despojados e bizarros demais para aqueles tempos com indistinções de
gênero, culto ao corpo (quem não lembra de Baby Consuelo lindamente grávida no
palco, esbanjando liberdade tal qual uma Leila Diniz em Ipanema?), aqueles
cabelos coloridos e aquela postura de "não estou nem aí" quando ela
cantava "Barrados na Disneylândia", no qual ela relatou um caso
verídico hilário na terra de Uncle Sam.
O Brasil ainda estava saindo das amarras de pouco mais de 20 anos de Ditadura
Militar: o casal egresso dos Novos Baianos vendia discos enlouquecidamente e
era sinônimo de sucesso no dial das rádios nacionais. No entanto, tenho a
ligeira e infeliz sensação de que a história do Rock in Rio é contada apenas a partir dos feitos das bandas do
chamado "Rock Brasileiro": porque Paula Toller (de quem eu até
gostava) é comportadinha demais, porque a rebeldia do Cazuza à frente do Barão
Vermelho é até aceitável, porque o som dos Paralamas é cool o suficiente para animar as festinhas e bailinhos e porque a
Blitz se encaixava muito melhor no chamado "Padrão Globo de
Qualidade" do que o casal Baby-Pepeu suas cabeleiras tingidas e seu papo
interessante de masculino-feminino cósmico como a toda natureza...
Fiquei animado quando soube que o
ex-casal (eles se separaram no final da década de 1980, com um saldo de seis
filhos, várias parcerias musicais lindíssimas e um legado irrepetível) iria se
reunir no palco, reeditando a parceria de outros tempos no Palco Sunset, menor e dedicado às estrelas
menos "badaladas" (?!) e aos chamados “encontros musicais”. Em meio a
uma série de parcerias forçadas e angariadas graças a uma série de jogadas de marketing (sem citar nomes, pois as inimizades
são semeadas muito mais facilmente do que as amizades, repito!), o reencontro
da popstora Baby do Brasil e com o lendário guitarrista Pepeu
Gomes foi natural, autêntico e soou como se eles nunca tivessem deixado de
fazer um som juntos. Pedro Baby foi mais do que um diretor musical e agiu como
um discípulo de um legado musical com respeito e a reverência de um guitar hero.
A estrutura do show apresentado por
Baby e Pepeu na quinta edição do Rock in
Rio foi uma versão compacta (porém não menos tocante) do tocante show Baby Sucessos, que foi a ressureição musical de uma
das cantoras mais importantes e talentosas que o Brasil (e o planeta) já viu em
atividade. Como o espetáculo – que saiu em CD e DVD no início deste ano com a
graça de todas as divindades envolvidas (Aleluia, Senhor!) – tratava-se de uma
homenagem ao homem que foi o parceiro musical de várias das canções daquele setlist, não houve nenhum favorecimento
de nenhuma das partes. Senti uma lágrima fugindo de meu olho quando o cantor de
"Masculino e Feminino" foi conduzido ao Sunset antes do terceiro número da apresentação do Rock in Rio, ovacionado pelos presentes
e chorando de emoção pelo reconhecimento mais do que merecido. E ele foi tão
grato, mas tão grato a todo o amor que recebeu e emendou com o explosivo riff de "Tinindo Trincando",
uma das melhores canções dos Novos Baianos, grupo que revelou o casal para os
quatro cantos do Brasil.
Pepeu: uma das maiores lendas da guitarra do mundo... |
Em um evento no qual artistas
(inter)nacionais não possuem a mesma envergadura de Baby do Brasil e Pepeu Gomes,
ver os dois em um palco menor em plena luz do dia, sem efeitos de iluminação e
tudo o mais foi, de certa maneira, um enorme desperdício. A emoção, os scats ma-ta-do-res de Baby, os duelos de
guitarra entre pai e filho, os metais em fúria absoluta, o baixo eficientíssimo
de Betão Aguiar e a percussão excelente marcada por dois percussionistas e um
baterista da pesada fariam um estrondo incalculável naquele palco principal
gigantesco. "Seus Olhos", "Telúrica", "Tinindo
Trincando", "A Menina Dança" e "Todo Dia era Dia de
Índio" foram sucessos que não apenas levantaram o público ao ponto de eles
se sentirem tão empolgados como se estivessem em um show de Ivete Sangalo, como
não deviam em absolutamente nada ao que se apresentou no outro local de
apresentações. De qualquer maneira, foi um evento inesquecível, memorável,
antológico e marcou meu dia de telespectador de tal maneira que não vou me
esquecer tão cedo.
Uma foto minha tirada da TV, com muito amor... |
Além disto tudo, é importante deixar
claro que um festival que se diz de Rock
quer fazer história na base do capitalismo mais deslavado e deselegante –
patrocínio do Itaú, amostras de lama do local da primeira edição vendidas a
quase R$ 200, dentre outras explorações das quais preferimos não saber,
funcionários dormindo no chão e em colchões improvisados de papelão enquanto certas
estrelas da música bebem do champagne
mais caro do planeta –, lendas do Pop
e do Rock nacionais capitaneando
fazer tributos manjados (Sorry, Cássia Eller: te amo de montão, mas te ver como musa
caça-níquel é algo que me dói um bocado...) e cantando os sucessos mais óbvios,
artistas internacionais que retornam ao Brasil pela segunda, terceira vez (ok, eu gostei de ver o Sir Elton John, respeito bastante os
caras do System of a Down e me emocionei ao ver o Rod Stewart em um palco
brasileiro depois de 20 anos) serem infinitamente mais valorizados do que
alguns artistas nacionais, presenciar aquele público da Cidade do Rock pedir a
saída de uma Presidente eleita democraticamente foi extremamente decepcionante.
Por outro lado, ver Baby do Brasil rodando seu tutu de bailarina roxo da cor de
seus cabelos loucamente ao lado de um Pepeu Gomes elegante vestido com chapéu e
óculos com a classe de um Deus da Guitarra (me lembrei daqueles chapéus lindos
do Hendrix quando o vi entrar no palco) por pouco mais de uma hora pela TV foi
um momento renovador para mim. Ou pegando as palavras emprestadas de Baby mais
uma vez, em uma canção que ela gravou no ano em que eu nasci, foi um auê para
mim:
consegui voar através daqueles versos e sons com a sabedoria dos pássaros que
se encantam livres com a beleza do que se ouve e vê em um belo encontro
familiar. Só posso agradecer a Baby, Pepeu e família com este humilde texto, já
que não posso enviar o beijo e o abraço para cada um deles...