GILBERTO GIL – EXPRESSO 2222
(1972)
Existe um profissional da canção
brasileira que representa tudo que há de mais criativo na música deste país:
seu nome é Gilberto Passos Gil Moreira. Com mais de 50 anos de atividades
musicais, Gil é uma verdadeira máquina de ritmos da canção nacional: transita
por diversos universos musicais com bastante naturalidade, possui parceiros dos
mais variados e é detentor de uma obra extensa, multifacetada e reconhecida no
Brasil e no mundo inteiro.
Porém cabe aqui uma questão importante: por onde andava Gilberto Gil em 1972?
Em 14 de janeiro de 1972, Gilberto Gil
retornava ao Brasil depois de um exílio forçado pela ditadura militar
brasileira de quase três anos em Londres. Ao contrário de Caetano Veloso – seu
companheiro musical, de exílio e andanças tropicalistas –, Gil retornou da
Inglaterra com várias ideias musicais para o seu primeiro disco brasileiro
depois de anos ausente. Sua condição de exilado, por incrível que pareça, lhe
trouxe benefícios: a ausência do Brasil lhe obrigou a entrar em contato com o
que existia de melhor na cena da música internacional. Por outro lado, o filho
de D. Claudina finalmente pôs em prática a partir de sua temporada londrina
toda a ousadia em termos de invenções musicais da época do
Tropicalismo.
Expresso 2222 foi lançado em
julho de 1972 e marca não apenas o retorno de Gilberto Gil ao seu país de
origem, como também a evolução de seu projeto musical. Um time
excelente de músicos foi convocado por Gil e pelo produtor Guilherme Araújo
para dar forma a este disco antológico: Lanny Gordin ficou responsável pela
guitarra (e às vezes pelo baixo), Bruce Henry pelo baixo, Tutty Moreno pela
bateria e percussão e Antônio Perna Fróes comandou os teclados (piano e celeste)
– além das participações especialíssimas de Gal Costa e Caetano Veloso.
Este álbum de Gil se caracteriza
pelo hibridismo musical, alia a nostalgia ao futuro, a tradição com
a modernidade, além de conter o canto alegre e espontâneo de um dos cantores
mais originais do universo. Por isso, resolvemos dividir a análise deste disco
em três grupos: canções tradicionais, canções inéditas e a faixa-título.
No grupo das canções
tradicionais reunidas estão “Pipoca Moderna” (Caetano Veloso /
Sebastião Biano), “O Canto da Ema” (Alventino Cavalcante / Ayres Viana / João
do Vale), “Chiclete com Banana” (Gordurinha / Almira Castilho), “Sai do Sereno”
(Onildo Almeida) e “Cada Macaco No Seu Galho (Chô Chuá)” (Riachão). Apesar de
ter optado por obras que pertencem ao cancioneiro nordestino tradicional, Gil
optou por não gravar meros covers, mas em realizar verdadeiras releituras dos
clássicos com a linguagem do Pop Rock
dos anos 1970. As participações de Gal Costa (“Sai do Sereno”) e Caetano Veloso
(“Cada Macaco No Seu Galho”) confirmam a vontade de Gilberto Gil em reler
canções de maneiras bastante modernas para o período. Afinal, os “velhos
baianos” ainda eram exemplos de modernidade musical lá pelos idos de 1972.
Já o grupo de canções inéditas compostas
por Gil especialmente para Expresso 2222 traz seis canções:
“Back in Bahia”, “Ele e Eu”, “O Sonho Acabou”, “Oriente”, “Vamos Passear no
Astral” e “Está Na Cara, Está Na Cura”. As três primeiras são belíssimas
crônicas poéticas que abordam a saudade dos tempos do exílio em Londres, a
alegria em retornar à tão amada Bahia e, concluem, lucidamente que “o sonho
acabou” e “quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”.
Sim, Gil sabia que, apesar de ter reconquistado a liberdade, muitas coisas
haviam mudado no Brasil em 1972. E como proceder diante da rigidez dos novos
tempos? Se seguirmos os passos ditados pela voz que canta em “Oriente”, devemos
nos orientar, determinar, (re)considerar novas opções sempre com um sorriso
estampado de forma que possamos dar “continuidade” ao “sonho de Adão”. As
demais canções deste grupo (“Vamos Passear no Astral” e “Está Na Cara, Está Na
Cura”) também refletem a preocupação de Gil em se voltar para o misticismo como
uma maneira de buscar conforto aos sobressaltos do espírito.
Enfim, chegamos à faixa-título do
disco: “Expresso 2222” não é apenas uma das canções mais populares de Gilberto
Gil, como também é um de seus hinos mais significativos. É uma canção sem idade
não só porque quer se projetar para além do ano 2000 que, em
1972, parecia tão distante para os seres humanos, mas principalmente porque
resume em um pouco mais de dois minutos uma mensagem de esperança e crença no
futuro. Quando ouvimos Gil cantar sobre seu mítico ônibus fazendo de seu violão
e de sua voz duas armas brancas de versos, sons e ritmos inconfundíveis,
descobrimos a presença de um embaixador da alegria tão risonho e sorridente que
chega a ser impossível não deixar de sorrir, cantar alto, bater palmas, ou tudo
isso junto.
Por tudo isto e tudo mais que Gilberto
Gil fez pela música do planeta é que devemos ouvir Expresso 2222. Mestre Gil
ainda tem muito a ensinar para os jovens de hoje, não por ser ousado,
inteligente, alegre e irreverente. Simplesmente porque Gil é sinônimo de moderno e,
por isso, um verdadeiro clássico!