GAL COSTA – ÍNDIA (1973)
1973 foi um dos anos mais
marcantes para a música brasileira. Apesar da censura e dos horrores que a ditadura
militar brasileira impunha às artes e aos cidadãos brasileiros, a criatividade
de nossos compositores mais populares (Chico, Gil, Caetano, Raul, Jobim, João Bosco) estava em
excelente forma. A MPB, apesar de cerceada, vivia um grande momento.
Podemos dizer o mesmo das
principais intérpretes da MPB. Elis
Regina, Maria Bethânia e Gal Costa (para citar apenas estas três)
estavam no auge da forma vocal em 1973 e lançando discos que definiram suas
carreiras artísticas. No entanto, das três que citamos a que merece mais
destaque é Gal. E por quê? Pela mudança de estilo, pelo encerramento de um
ciclo em sua carreira (e pela consequente abertura de outro) e pela capa (putz,
mas que capa!) de disco mais sexy de todos os tempos. As suas colegas cantoras,
não menos importantes, não conseguiram dar um passo tão longe naquele momento:
Elis também renovou seu estilo de certa forma, ao contrário da irmã do Mano
Caetano, que apenas consolidou fórmulas anteriores lá pelos idos da primeira
metade dos 1970.
Esqueçam as outras cantoras brasileiras que gostam de
se dizer sexy e cool: Índia,
lançado por Gal Costa em 1973, é uma das provas cabais de como Gracinha é a
cantora brasileira mais sensual e afinada de todas as galáxias pré e
pós-tropicalistas!
Falemos sobre a capa: um close em Gal, de tanga
vermelha, vestindo colares de contas retirando sua saia indígena. O rebu em
torno da imagem foi tão grande na época do lançamento do disco que a Philips
(gravadora de Gal, na época) precisou envolver a bolacha em um invólucro preto
para que o LP pudesse ir rumo às lojas.
É lógico que a polêmica em torno da icônica foto fez
com que mais cópias de Índia vendessem como se fosse um exemplar da
Playboy. A contracapa não deixa nada a dever à capa do disco: Gal aparece com
os seios desnudos (esqueçam aquele par de seios que
ela mostrou no polêmico show “O Sorriso do Gato de Alice”, please!), selvagemente
vestida como uma bela indígena. Um deleite!
Em termos musicais, Índia é um marco fundamental na discografia
de Gal Costa. Sucessor de Fatal (1971) – show e disco ao vivo que
levaram a cantora para o topo do panteão das maiores cantoras do Brasil –, este
é um disco no qual Gal deixa de lado a sonoridade psicodélica de seu segundo e
terceiro discos e decide seguir o procedimento tropicalista de ler os clássicos
do cancioneiro brasileiro e latino-americano, sem deixar de cantar o que havia
de mais recente no que seus companheiros de geração tinham a dizer
musicalmente.
A faixa-título, um dos clássicos da música paraguaia,
capitaneia o álbum. Canções inesquecíveis de Lupicínio Rodrigues (“Volta”) e
Tom Jobim (“Desafinado”) integram o repertório do disco ao lado de criações de
Caetano Veloso (“Da Maior Importância”, “Relance” – parceria de Caê com Pedro
Novis), Gilberto Gil (responsável pela adaptação de “Milho Verde”, uma cantiga
do folclore português), Luiz Melodia (“Presente Cotidiano”), Tuzé de Abreu
(“Passarinho”), Jards Macalé e Waly Salomão.
O time de músicos que contribuíram com seus talentos
para Índia é invejável. Sob a direção musical de
Mestre Gilberto Gil (que pilotou boa parte dos violões do disco), Roberto Silva
e Chico Batera ficaram responsáveis pela bateria, percussão e efeitos, Luiz
Alves pelo contrabaixo e Toninho Horta pela guitarra. As participações
especiais de Roberto Menescal (em “Desafinado”), Wagner Tiso, Arthur Verocai e
Chacal azeitaram a sonoridade deste clássico. Entretanto, devemos destacar a
contribuição essencial de dois artistas que foram fundamentais para este
trabalho: o Maestro Rogério Duprat (arauto erudito dos Tropicalistas), que
recriou “Índia” com um arranjo orquestral épico e Dominguinhos, que trouxe seu
indefectível acordeom para várias faixas do disco. Sem a presença destes dois,
o canto de Gal não teria atingido a mesma força, pois não teria a precisão
dramática do que o Tropicalismo nos ofertou de melhor.
São por estas e algumas outras
razões que Índia redefiniu a imagem de Gal Costa. A
partir deste trabalho, Gracinha tornou-se uma cantora mais acessível para o
grande público e inaugurava uma nova persona: deixou de ser a roqueira
tropicalista que se alternava com a discípula de João Gilberto para se tornar
em uma Diva Tropical que se sobrepôs a todas as demais personas que criara em
cena. O melhor desta reinvenção é que, em momento nenhum, Gal deixou de ter o
canto preciso e o olhar maliciosamente brejeiro da baiana verdadeira que sempre
foi. Este disco é o documento primordial desta evolução da bela Gracinha…
PS: Gostaria de dedicar este humilde texto à memória
de Dominguinhos (1941-2013). O Mestre Sanfoneiro foi fundamental não apenas na
concepção deste trabalho de Gal (na gravação do disco e na turnê de Índia), como foi um dos músicos
mais importantes da música brasileira. Que seu legado seja sempre um clássico
nas memórias musicais das pessoas…
O
LINK ORIGINAL ESTÁ NO PEQUENOS CLÁSSICOS PERDIDOS DESDE O DIA 25 DE JULHO DE
2013: