Três
Verdades e Duas Ilusões sobre Marisa Monte
Marisa Monte em foto de Nilton Serra - São Paulo, Setembro/2013 |
“Eu posso te
fazer ouvir
Milhões de
sinos ao redor
Eu posso te
fazer canções
O amor soa em
minha voz
Eu posso te
fazer sorrir
Meus olhos
brilham para ti
E os pés já
sabem onde ir
Ninguém
precisa decidir
Verdade - uma
ilusão
Vinda do
coração
Verdade - seu
nome é mentira.”
(“Verdade, Uma Ilusão”, de Carlinhos
Brown, Arnaldo Antunes & Marisa Monte – na interpretação
inesquecível de Marisa Monte)
Marisa Monte habita minhas memórias musicais
(e sentimentais) desde os meus oito anos de idade. Eu era um menino carioca
magrelo, sem graça que vivia em Porto Alegre (RS) por mero acidente
de percurso e que cursava o terceiro ano do Ensino Fundamental quando ouvi esta
voz pela primeira vez (ao contrário de qualquer menino da minha faixa etária, o
que aumentava ainda mais o abismo social que me separava de meus coleguinhas de
gaúchos na escola). Voltando ao tema da Trova
de hoje: lembro-me claramente de quando ouvi “Bem Que Se Quis” na heroica Fiat
147 que meu Pai tinha. A voz de Marisa, para uma criança que mal ouvia música
de qualidade, era um bálsamo para alguém que começava a se desenvolver suas
percepções musicais.
Minha adolescência foi regada pelos títulos
mais Pop da discografia de Marisa
Monte: Mais (1991), Verde Anil Amarelo Cor de Rosa & Carvão
(1993), Barulhinho Bom (1996),
somados ao seu antológico (e matador) disco de estreia, MM (1989), foram uma trilha sonora
recorrente de uma era na qual se ouvia pouquíssima música brasileira no
apartamento onde eu morava no subúrbio carioca que me pariu. A voz rara de
Marisa sempre foi referência de mais refinado em termos de modernidade,
tradição e bom gosto em matéria de canção brasileira. As interpretações que a
bela morena fez para “Negro Gato” (Getúlio Cortês), “Comida” (Arnaldo Antunes,
Sérgio Britto & Marcelo Frommer), “Chocolate” (Tim Maia), “Beija Eu”
(Marisa Monte, Arnaldo Antunes & Arto Lindsay), “Volte Para O Seu Lar”
(Arnaldo Antunes), “Eu Não Sou Da Sua Rua” (Branco Mello & Arnaldo
Antunes), “De Mais Ninguém” (Arnaldo Antunes & Marisa Monte), “Sou Seu
Sabiá” (Caetano Veloso) e tantas outras são tão definitivas e marcantes que não sairão das
memórias musicais de muitos brasileiros e estrangeiros que amam a música que se
faz por aqui.
Os intervalos longos que Marisa Monte tirava
entre o lançamento de cada trabalho inédito – extremamente benéficos para sua
arte, diga-se de passagem – sempre me desapontou um pouco. A partir de 2000,
data do lançamento de seu maior sucesso comercial, Memórias, Crônicas & Declarações de Amor (Textos, Provas &
Desmedidos), Marisa já não era apenas uma cantora talentosíssima, como
também era detentora de uma marca que lhe deixava em evidência
para o grande público em momentos e de maneiras devidamente estratégicos. Seus
CDs começaram a ser lançados mundialmente, suas turnês deixaram de ser
nacionais e se converteram em World Tours
produzidas com pompa, circunstância, efeitos especiais, músicos de renome,
ingressos caríssimos e lotações esgotadas não importa onde a Bela esteja. Muitas de suas canções se
tornaram hits instantâneos graças ao
fato de terem figurado em trilhas sonoras de novelas da Rede Globo.
*
A partir dos fatos enumerados até aqui,
podemos elencar três verdades e duas ilusões que percebo em
torno de Marisa Monte. Vamos às verdades:
1)
Marisa Monte
é a cantora brasileira de maior alcance internacional hoje em dia: graças à
EMI, seus CDs podem ser achados nas maiores cidades do planeta. O prestígio
conquistado no decorrer de duas décadas de atividades musicais é correspondente
ao respeito que os gringos possuem pela Bossa Nova. Além disto, Marisa já
gravou com nomes de peso da cena musical internacional – David Byrne e Julieta
Venegas, dentre os mais badalados.
2)
Marisa Monte
é uma cantora moderna, porém atada à tradição: o trunfo e a fraqueza de
Marisa residem justamente neste fato. Suas referências musicais principais
(Portela, Jorge Ben, Titãs, Tim Maia, Paulinho da Viola, Roberto & Erasmo,
Tropicália) lhe fazem uma artista que atualiza a produção dos medalhões da
música brasileira para as gerações mais jovens. Já suas parcerias (Arnaldo
Antunes, Carlinhos Brown, Nando Reis e alguns outros) lhe trazem um nível
considerável de estabilidade musical, mas não lhe permite maiores
possibilidades de inovação e renovação no panorama da música popular brasileira
pelo simples fato de que as canções gravadas por Marisa são essencialmente radiofônicas.
3)
Marisa Monte
não segue a cartilha das celebridades: apesar de ser uma personalidade de
altíssima popularidade, de possuir uma imagem icônica (seus cabelos negros,
longos e cacheados são sua marca visual registrada) e de ser profundamente
respeitada por seus colegas de profissão e adorada por seus fãs, Marisa está
longe de ser uma celebridade. Pouco se sabe sobre sua vida amorosa, seus filhos
e de seu infinito particular. Sabemos
pouquíssimo de seu paradeiro quando não está em turnê, para desespero dos paparazzi e das revistas de fofocas.
Diante disto tudo, merece o respeito do respeitável público por não expor suas
intimidades ao spotlight, como muitos
globais existentes no pedaço...
E vamos às ilusões:
1) Marisa Monte pode até ser popular, mas seus shows
não são:
os CDs da musa possuem uma vendagem altamente expressiva – a ponto de permitir
a façanha de lançar dois trabalhos consecutivos: Infinito Particular e Universo
Ao Meu Redor (2006). Entretanto, o mesmo não pode ser dito de suas
apresentações ao vivo: devido à alta oferta e procura de shows, a filha do Sr.
Carlos Monte deixou de se apresentar em locais pequenos e passou a lotar
grandes casas de espetáculo e com direito a lotações esgotadas e (possíveis)
datas extras, para alegria dos patrocinadores e das elites que possuem
bala na agulha e apreciar a arte de Marisa Monte a poucos metros de distância.
Lamento este fato, pois suas canções possuem uma linguagem de fácil apreensão e
muitos outros poderiam desfrutar de música qualidade se tivessem a oportunidade
de ver a bela cantora atuar em locais mais populares.
Marisa Monte: Prima Donna? Popular? Diva? |
2) Marisa Monte não é Diva: acreditem se quiser, mas a voz que canta
“Verdade, Uma Ilusão” não é uma Prima
Donna. Marisa pode parecer distante de seu público no início de um
espetáculo, mas, aos poucos, baila e interpreta canções dramaticamente,
permite-se acolher pelo público para o qual canta e chega até a contar anedotas
e curiosidades que se escondem por trás das canções entre um número e outro. Ao
dar início a uma sessão de Bis, pede para que todos cantem
juntos sem soar fake ou arrogante. A
interação artista – público é carinhosa e genuína. Um exemplo deste fato está
na experiência narrada por Nilton Serra, um genuíno admirador do trabalho de
Marisa, em um show feito em São Paulo, em Setembro de 2013. Veja só:
“E no bis, Marisa Monte volta
somente com sua guitarra, cantando "Amor I love You" dedicada à São
Paulo. O público, por sua vez, fazia backing
vocal. "Adoro quando um homem na plateia canta a parte do Arnaldo
[Antunes]. Alguém sabe?" Escolhido o homem, ele começa com uma voz grave:
"...
tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe
escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor
amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho
tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava
enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu
encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um
luxo radioso de sensações!".
Muito aplaudido, ela retoma a canção e
pergunta ao rapaz: "a quem você dedica esta canção?"; e ele: "ao
Márcio, meu namorado" e a plateia vem abaixo em meio a delírios e
aplausos. Um show magnífico, com um final pra lá de especial.”
Divas,
mestras absolutas na arte do distanciamento detestariam o público das apresentações
de Marisa Monte. Os pagantes-sortudos portadores de cartões de crédito, iPhones, contas no Instagram, et caterva
possuem a oportunidade de interagir com uma Falsa Prima Donna. Para a alegria de alguns, para as verdades de muitos,
para a ilusão de muitos outros (infelizmente)...
*
Dentre verdades e ilusões em torno de
sua figura, Marisa Monte sempre nos traz a referência de como a música no
Brasil e de uma qualidade extraordinária. Não precisamos saber do que tais
verdades e ilusões se tratam, basta ter ouvidos abertos e (tal qual sugere a
canção de um de seus espetáculos mais poéticos), deixar que Ela deixe
você sorrir...