15 de janeiro de 2017

TROVA # 107

DAME STREEP


She is an observer and a thief. She waits to share what she has stolen on that sacred place, which is the screen. She makes the most heroic characters vulnerable, the most known familiar, the most despised relatable. Dame Streep. Her artistry reminds us of the impact of what it means to be an artist, which is to make us feel less alone.
(Viola Davis, 2017)

"Disrespect invites disrespect, violence incites violence. And when the powerful use their position to bully others we all lose."
(Meryl Streep, 2017)
  

Meryl Streep & Viola Davis em Doubt (2008)
Se eu tivesse um mínimo de talento para a atuação, gostaria de ter um décimo, ou um centésimo do dom de Meryl Streep. Atriz mais consagrada de Hollywood nos últimos 40 anos, essa senhora de 67 anos já acumulou, até janeiro de 2017, 19 indicações para o Oscar e 30 para o Globo de Ouro, sendo que ela já levou três estatuetas douradas e nove globinhos dourados para casa, além de já ter participado de mais de 60 películas.


Meryl Streep & Woody Allen em Manhattan (1979)
Meryl Streep já foi várias mulheres na sétima arte: já viveu executiva de moda, uma mãe solteira que abandona o único filho, uma roqueira desgarrada da família, uma freira obcecada pela sua definição de verdade, uma professora de música que faz arte a partir do lado esquerdo do peito, uma atriz de musicais em plena decadência que descobre como a morte lhe caía muito bem, uma polonesa fugida de um campo de concentração atormentada pela escolha mais difícil de sua vida, a autora de A Festa de Babette, uma editora de livros preocupada com a festa em homenagem ao amigo artista que estava morrendo de AIDS, uma escritora de best-sellers que enfrenta a ira da diabólica ex-mulher de seu marido, a bonachona cozinheira que encantou os EUA nos anos 1950/1960, a temida Dama de Ferro, dentre tantas outras.


Meryl Streep como a famigerada editora de moda Miranda Priestley em The Devil Wears Prada (2005)



Diziam algumas línguas há uns tempos atrás de que ela viveria Clarice Lispector no cinema, para meu deleite e de tantos outros leitores apaixonados pela ucraniana mais brasileira já surgida por estas bandas. Infelizmente, era um boato. Mas a esperança ainda permanece... 



Meryl Streep como Florence Foster Jenkins (2016)

Preciso acrescentar um valioso detalhe: em vários desses papeis, precisou cantar. E, sim: Meryl possui uma voz belíssima e canta muitíssimo bem! Mesmo quando teve que interpretar Florence Foster Jenkins, considerada a pior cantora do planeta, Dame Streep o fez com perfeição: cantava muitíssimo mal com uma perfeição gigantesca, absurda! Ou quando teve que dar voz à bruxa amargurada de Caminhos da Floresta (Into the Woods), nos brindando com alguns dos raros momentos de brilhantismo daquela película. Ou ainda quando teve que fazer a nata do repertório do ABBA em Mamma Mia! (2008)... 




 
Meryl Streep em Into the Woods (2014)


Meryl Streep & Clint Eastwood em The Bridges of Madison County (1995)

Comecei a prestar atenção nos filmes de Meryl Streep já na adolescência, apesar de ter algumas memórias remotas das exibições de Ela é o Diabo (She Devil) na Sessão da Tarde na época em que eu era criança. Fiquei encantado quando a vi ao lado de Clint Eastwood em As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County) e infernizando as vidas dos personagens de Goldie Hawn e Bruce Willis em A Morte lhe Cai Bem (Death Becomes Her). Rolei de dar risadas com cada desmando de Miranda Priestley em O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada). Fiquei tenso em cada segundo de sua atuação surpreendente ao lado de Philip Seymour-Hoffman, Amy Adams e da extraordinária Viola Davis em Dúvida (Doubt).


Meryl Streep, Bruce Willis & Goldie Hawn em Death Becomes Her (1992)

Dustin Hoffman & Meryl Streep em Kramer vs. Kramer (1979)

No entanto, foi no momento em que vi sua atuação comovente de Joanna Kramer em Kramer vs. Kramer no qual descobri o quão Meryl é uma atriz muito especial. Ela consegue te fazer rir e chorar com uma facilidade tão impressionante quanto que ela tem de encarnar personagens tão distintos entre si. Daquele momento em diante, sempre procurei assistir seus filmes na telona do cinema. De algumas produções gostei muito, de outras nem tanto. Porém, sempre tinha alguma coisa boa a dizer acerca do talento de Dame Streep, minha atriz preferida.

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Meryl Streep em Sophie's Choice (1982)

Ao ser reconhecida pelo conjunto da obra e pelos 40 anos de carreira completados em 2017, Meryl Streep foi agraciada por ter recebido o Prêmio Especial Cecil B. DeMille na septuagésima-quarta cerimônia do Globo de Ouro. Diante do redemoinho político no qual os EUA se encontram, Meryl Streep fez um discurso contundente sobre o presidente eleito Donald Trump e da intolerância cada vez mais reinante. Falou de preconceitos, da arrogância dos poderosos, de xenofobia. Uma fala histórica, surpreendente e que deixa claro o posicionamento da maioria dos trabalhadores de Hollywood em relação ao novo chefe da nação norte-americana.


Meryl Streep vivendo a ex-Primeira Ministra Margaret Thatcher em The Iron Lady (2011)

As reações foram energéticas de ambos os lados: os detratores do presidente enalteceram o discurso incendiário de Meryl Streep com citações, inúmeros likes e vários compartilhamentos nas redes sociais. O GAFE vibrava com a polêmica do momento. Do outro lado, a atitude deselegante já esperada de Donald Trump, alegando que Streep é uma atriz supervalorizada, dentre outras baixezas. O mais impressionante foi ver pessoas as quais eu considerava sãs e respeitáveis endossando o discurso fascista e conservador de Trump acusando Meryl de hipocrisia e oportunismo. Hollywood promete travar quatro anos de disputas verbais e batalhas com Washington. No meio desta confusão, alguns princípios democráticos, interesses pessoais, artísticos e econômicos. E com direito à ampla cobertura da mídia, sedenta por notícias em meio à mediocridade dos tempos de hoje.


Em meio à avalanche de informações, de meias-verdades e de muita arrogância, saber da existência de ideias tão libertárias quanto as de Meryl Streep serve como alento para aguentarmos as insanidades dos medíocres com a cabeça erguida, sem desistir de lutar por aquilo que acreditamos: a liberdade irrestrita para todos, para justificar o nome da estátua que atrai milhões e milhões de pessoas para Nova York a cada ano. Ou, como diz Suzanne Vale (uma de suas personagens mais célebres): a vida não deveria imitar a arte, a vida deveria ser arte.



Shirley MacLaine & Meryl Streep em Postcards From the Edge (1990)

Salve, Dame Streep! Que o seu exemplo seja seguido por todos os cidadãos revoltados com os desmandos dos canalhas tanto dentro como fora das telas...



Meryl Streep com suas três estatuetas do Oscar nas mãos - 1979, 1982 e 2011