2 de outubro de 2016

TROVA # 89

LADY STANSFIELD
(algumas memórias públicas e particulares de Lisa Stansfield)


"If I could change the way I live my life today
I wouldn't change a single thing
'Cause if I changed my world into another place
I wouldn't see your smiling face"
(Lisa Stansfield, Ian Devaney & Andy Morris, 1991)


Eu fui um adolescente durante os anos 1990, época da qual não tenho muito orgulho de ter vivido. O Brasil vivia uma sucessão de crises econômicas, tivemos o primeiro presidente deposto por um processo de impeachment e, apesar da sobrevida financeira que obtemos graças ao Plano Real, vivíamos uma era de vacas financeiras bem magras. A música do nosso país e do resto do mundo seguia a onda neoliberal que começava a se abater pelo mundo: uma pobreza musical movida por muitas batidas eletrônicas pasteurizadas, muita pose, hedonismo e pouquíssimo conteúdo musical de consistência. Muitas modas musicais embaladas  com o sabor do que a indústria fonográfica queria que ouvíssemos. Tempos difíceis para suburbanos adolescentes como eu, que estava se iniciando pelo universo da música...

Uma musa do Europop
Uma das raras exceções à regra que mencionei acima, além de Madonna, é Lisa Stansfield, uma cantora inglesa da qual sempre gostei muito. Surgida no final dos anos 1980, em meio aos estertores do rock que batia cabelo e as batidas do Europop, Stansfield era uma exceção das mocinhas que faziam música Pop naquele momento. Para início de conversa, ela compunha boa parte do material que compunha. Em segundo lugar, tinha no Maestro Barry White e em Marvin Gaye, suas principais influências musicais.




Outro aspecto que sempre me chamou atenção em relação à Lisa Stansfield foi o fato dela conseguir cantar bem diversos estilos de música. Sua gravação de "Down in the Depths", de Cole Porter, é um dos melhores tributos já feitos a um dos maiores gigantes do American Songbook. Já a sua participação no primeiro grande tributo a Freddie Mercury cantando "These Are the Days of Our Lives" ao lado de George Michael e os membros remanescentes do Queen no final de 1991 é uma das mais belas intervenções musicais das quais eu tenho notícia. Em poucas palavras: Lady Stansfield é uma cantora singular, de um talento pouco comparável às suas colegas de geração.




Nascida em Lancashire, Inglaterra, em 11 de abril de 1966, Lisa Stansfield lançou seu primeiro álbum (Affection) aos 23 anos de idade. Ainda orientado pelas batidas eletrônicas do Europop do final dos anos 1980 e que orientaria uma boa parte da década seguinte, o disco trazia uma das canções que marcariam todo o repertório da cantora inglesa: "All Around the World", parceria de Lisa com seus fiéis músicos, produtores e escudeiros Ian Devaney e Andy Morris. O disco de estreia de Lady Stansfield vendeu mais de cinco milhões de cópias em todo o planeta, fazendo da jovem inglesa a queridinha do Pop naquele momento.


Real Love, o segundo álbum de Lisa Stansfield, foi lançado em novembro de 1991. O lado dançante foi encorpado por uma sonoridade mais romântica e ligada à soul music. A voz de Lisa se mostrou mais rica e os arranjos eram mais elaborados - cordas, guitarras e teclados e a presença marcante das backing vocals Anna Ross e Aileen McLaughlin resultaram em uma excelente simbiose musical. Sim, o Pop nos rendeu pérolas raríssimas e de enorme complexidade...


A sequência de Real Love foi o belo So Natural, lançado em novembro de 1993, produzido pela artista ao lado de Ian Devaney e Bobby Boughton. Ainda mais romântico do que o anterior, Lisa Stansfield gravou canções ainda mais românticas e sentimentais. A influência da soul music de Philadelphia e dos discos de Barry White e da Love Unlimited Orchestra se fez ainda mais presente, o que fez com que Stansfield se desse ao direito de cantar com uma intonação mais sexy em canções como "Be Mine" e "In All the Right Places" (parceria bissexta de Lisa, Devaney e Morris com o maestro e compositor John Barry, que integrou a trilha sonora do filme Proposta Indecente), além de algumas tendências do velho Europop.




Lisa Stansfield ao lado de seu parceiro na música e na vida, Ian Devaney

Depois de um recesso de quatro anos, Lisa Stansfield retomou sua discografia de forma triunfal com um disco epônimo. A parceria com Ian Devaney se estendeu do meio musical para a vida afetiva - os dois se casaram em 1996, depois de um longo namoro. O quarto álbum de Lady Stansfield era descaradamente mais soul e mais dançante do que seus dois antecessores. O fato de Lisa estar no topo do jogo chamado Pop Music fez, por exemplo, com que a MTV Brasil transmitia-se os clipes de "The Real Thing" (Lisa fazia uma espécie de "cupido" que atraía casais de amantes, dentre estes, dois rapazes, o que surpreendeu este que vos escreve, na época com 16 anos de idade e inocente de tudo e mais um pouco) e "Never Never Gonna Give Ya Up" (cover de Barry White no qual ela aparece se banhando em uma banheira e andando pelas ruas de Londres completamente nua!) até à exaustão. Nada mal para um adolescente suburbano que buscava pérolas em meio ao mar revolto da música Pop daquele momento.





Creio que foi nesta época em que descobri o talento de Lisa e vi o quão ela era diferente dos demais artistas de sua geração. Ouvi o CD Lisa Stansfield por anos até à exaustão em casa, no meu quarto, no carro de meus pais e até na casa de meus avós. Enquanto meus colegas de escola ou do curso de inglês curtiam o som de bandas mais descoladas de Pop Rock ou das odiosas boy bands ou das detestáveis imitações de Madonna, eu adorava cantar o cover delicioso que a bela inglesa tinha feito para o clássico da disco Music "You Know How to Love Me", de Phyllis Hyman.




O período de ouro da obra musical de Lisa Stansfield se deu entre 1989 e 1997. Ela tentou retomar o ritmo musical em seus discos de 2001 e 2004 - Face Up e The Moment. Confesso que o primeiro destes discos não me empolgou nem um pouco e eu parei de seguir o trabalho de Lady Stansfield. Primeiro, por ter perdido a empolgação diante de seu trabalho. Em segundo lugar, por ter expandido meus horizontes musicais com a música brasileira e o rock clássico. Além disto, Lisa decidiu investir em sua carreira de atriz e chegou, inclusive, a gravar uma trilha sonora de um dos filmes dos quais participou. Retornou ao disco em 2014, com o emblemático título Seven, como alusão ao sétimo título de sua discografia, depois de anos de reclusão.






Fiquei empolgado ao saber que Lady Stansfield estava em turnê e passaria novamente pelo Brasil (a primeira vez foi em janeiro de 1991, para a segunda edição do Rock in Rio) em setembro de 2016. Fiquei ainda mais feliz em saber que ela venceu a insegurança e a reclusão e tinha decidido subir aos palcos novamente. Se eu tivesse sido mais atento aos eventos da cidade ou estivesse mais preparado financeiramente, teria me deslocado para o Espaço das Américas para ver a bela inglesa encantando o público brasileiro mais uma vez. Ou, se estivesse em um momento mais apaixonado de minha vida, tentaria obter um autógrafo na minha cópia de So Natural. Ou, se fosse um cara de pau convicto (coisa que estou longe de ser), me ofereceria para fazer tradução simultânea em coletiva de imprensa, assessoria de imprensa, leão de chácara ou o que ela quisesse sem ganhar um centavo sequer do para poder ver o show de perto... Quem sabe terei uma próxima vez?

Lisa Stansfield em São Paulo - 21 de setembro de 2016

Lady Stansfield poderia voltar para mais shows e fazer com que eu despertasse da minha inércia. Não pela subserviência musical, e sim para que eu pudesse assistir uma das cantoras mais belas e talentosas do planeta ao vivo e a cores. Como bom aquariano que sou, mantenho acesa a chama da esperança de ver "The Real Thing" bem de pertinho...





LADY STANSFIELD'S TOP 12:

1. All Around the World

2. This is The Right Time

3. Real Love

4. Set Your Loving Free

5. All Woman

6. A Little More Love

7. Someday (I'm Coming Back)

8. Never Set Me Free

9. Too Much Love Makin'

10. Marvellous & Mine

11. Never Gonna Fall

12. The Line