CHICO
BUARQUE ENTRE A TELONA DO CINEMA & A TELA DA TV
(5 motivos para ir ao cinema assistir Chico – Artista Brasileiro e 5 motivos para esperar este filme sair em DVD)
A música brasileira tem recebido documentários maravilhosos sobre vários
de nossos artistas. Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Tom Jobim, Maria
Bethânia, Ney Matogrosso, Raul Seixas, Jorge Mautner, Luhli & Lucina, Elza
Soares, a Era dos Festivais e a Tropicália foram homenageados com toda a pompa
e circunstância necessária e merecida por cineastas jovens e experientes.
Fiquei bem animado quando soube que Miguel Faria Jr. tinha feito um
documentário sobre Chico Buarque e resolvi ir ao cinema assim que as férias
batessem a minha porta.
Ingressos comprados, assentos tomados, quase prontos para o início de
mais uma experiência cinematográfica, exceto... a falta de educação de mais da
metade do público da sala de cinema, que foram ao Cine Belas Artes para ver o Pop Star Chico Buarque, não o artista
Chico Buarque, o escritor Chico Buarque, o homem público Chico Buarque. Órfãos
de turnês extensas do cantor e compositor de "A Banda", mais da
metade das pessoas que estavam ali se comportavam como se estivessem em uma
casa de shows: falando alto, comentando o filme como se fosse uma partida de
futebol ou a novela da Rede Globo. Se houvesse um garçom, bebidas seriam
requisitadas em um pronto estalar de dedos e os meus instintos mais
antissociais e psicopatas poderiam aflorar dentro de uma sala do Cine Belas
Artes. Fui contido. Ainda bem.
Estes motivos seriam suficientes para que eu esperasse Chico – Artista Brasileiro sair em DVD e eu pudesse assistir cada detalhe na santa tranquilidade do
meu HD e no silêncio do meu quarto. No entanto, resolvi enumerar alguns
motivos, digamos, mais técnicos para justificar minha falta de vontade de
voltar a assistir esta película no cinema:
1) A pobreza de depoimentos da família
de Chico Buarque
Apesar
do documentário focar na trajetória artística de Chico, há um pecado mortal em
não termos nenhuma espécie de testemunho de sua ex-mulher, Marieta Severo, e de
suas filhas e de seus netos. A única presença familiar que concedeu depoimento
para Chico – Artista Brasileiro foi de
Miúcha, sua irmã mais velha.
2) A ausência sentida de vários
parceiros e intérpretes de Chico
Como
Francis Hime, Luiz Cláudio Ramos e Paulo Pontes foram esquecidos / ignorados em
uma ocasião tão simbólica? Nara Leão, Bibi Ferreira e Maria Bethânia - intérpretes
significativas da obra de Chico – mal aparecem no filme; Elis Regina, Gal
Costa, Fafá de Belém, Elza Soares, Simone, Cauby Peixoto, Marisa Monte, Cida
Moreira e outras foram sumariamente ignoradas.
3) A presença desnecessária de
certas interpretações da obra de Chico
Em
primeiro lugar, não consigo conceber o porquê de uma cantora de nacionalidade
portuguesa ter que interpretar a obra de um artista brasileiro com tanta
cantora brasileira de calibre e envergadura dando sopa por aí! A presença de
Carminho em DOIS números do documentário de Miguel Faria Jr. é completamente
desnecessária: as canções de Chico se tornam em dois lamentos lusitanos
sofridos, que nos faz ter saudades de Amália Rodrigues. A escolha de Moyséis
Marques e Péricles para interpretar dois dos sambas mais importantes do
repertório buarqueano - "Mambembe" e "Estação Derradeira" -
ao sabermos que existem sambistas experientes como Zeca Pagodinho e Diogo
Nogueira foi, no meu ver, leviana.
Milton Nascimento ao lado da cantora portuguesa Carminho |
4) Os inevitáveis cortes no
documentário
Fiquei
bem triste ao saber que Laila Garin tinha gravado uma versão para "Bastidores", uma das
canções mais belas de Chico. Uma baixa dessas diante de
dois números com Carminho é, no mínimo, de gosto duvidoso...
5) O incentivo à
"Chicolatria"
Chico - Artista Brasileiro, apesar de possuir momentos de puro humor, peca por, indiretamente, incitar a
clássica "Chicolatria" por parte daqueles que se interessam pelas
peripécias do Sr. Buarque. Ele é digno de nossa admiração e de nosso respeito,
não de nossa idolatria cega, tal qual da metade das pessoas que estavam na sala
de cinema na noite em que eu estava lá...
Entretanto, as duas longas horas do filme de Miguel Faria Jr. possuem
alguns aspectos encantadores, que valem a ida ao cinema e não poderíamos deixar
de apontar aqui. Vamos enumerar um por um?
1) A quebra de alguns mitos populares
em torno da figura de Chico Buarque
Sempre
fomos levados a crer que Chico era um homem tímido, que detesta fazer shows e
etc e tal. Não necessariamente: conhecido pelos familiares como
"showboy" quando criança, o Sr. Buarque realmente não é muito dado a
longas temporadas para promover seus discos. Além do mais, o extremo humor é
muito mais aparente do que a aparente timidez do artista.
2) Alguns números musicais do
documentário
Miguel
Faria Jr. conseguiu fazer algumas escolhas bastante acertadas para as
interpretações que aparecem em Chico - Artista Brasileiro: Ney Matogrosso fez
uma releitura emocionante de "As Vitrines" (inédita na sua voz até a
realização desta película); Mônica Salmaso fez uma interpretação pungente de
"Mar & Lua"; Mart'nália & Adriana Calcanhotto
protagonizaram com perfeição o roteiro amoroso meio tortuoso, meio bem-humorado
de "Biscate" ao sugerir uma relação entre duas mulheres; Laila Garin
me emocionou ao retratar a mãe cruel de "Uma Canção Desnaturada".
Ney Matogrosso em uma das interpretações mais bonitas de toda a sua carreira... |
3) As imagens de arquivo
Rever
algumas imagens de arquivo e assistir outras raridades, tais como as fotos da
montagem censurada de Calabar - O Elogio da Traição, imagens de D. Maria
Amélia Buarque de Hollanda indo cumprimentar o filho famoso no palco no auge da
era dos festivais ou algumas raríssimas filmagens de Chico durante o seu exílio
em Roma já valeram a película de Miguel Faria Jr.
4) Um breve olhar sobre o Chico Buarque
escritor
Os
momentos do filme de Miguel Faria Jr. nos quais Chico comenta o ofício tardio
da Literatura (ele começou a escrever seu primeiro romance, Estorvo, em 1989) e a repercussão diante
de seus romances é algo infinitamente interessante. Alguns trechos de suas
longas narrativas foram barrados pela já saudosa voz de Marília Pêra. Vale a
pena conhecer esta faceta menos óbvia do Sr. Buarque...
5) A busca pelo irmão alemão
Um dos
tabus mais latentes dos Buarque de Hollanda foi o fato de que o patriarca da
família, o lendário historiador, sociólogo e professor da Universidade de São
Paulo Sérgio Buarque de Hollanda teve um filho com uma alemã durante a sua
breve estadia em Berlim durante o período compreendido entre 1929-1930. Sérgio
Günther (1930-1981), o irmão alemão de Chico Buarque, foi objeto de buscas do
irmão brasileiro famoso e inspiração para o quinto romance de Chico. Miguel
Faria Jr. nos mostra o processo de investigação para o encontro do paradeiro de
Günther, que era cantor e apresentador de TV, com direito a um clipe do filho
desaparecido do autor de Raízes do Brasil
cantando para a TV alemã nos anos 1960. O que mais me impressionou foi a
semelhança entre pai e filho, para deleite dos investigadores e de todos nós,
espectadores.
Entre as perdas e ganhos de Chico – Artista Brasileiro,
ficamos no zero a zero. Como critério de desempate, sugiro que as salas de
cinema sejam a segunda opção para um provável DVD com extras e envolto em um
belo package elegante, bem como
merece a obra do Sr. Buarque. Assim, poderemos deleitar a beleza de sua
poesia no melhor canto jamais inventado: no conforto e no sossego de nosso lar.
Afinal, sem a presença de ninguém para perturbar a sua experiência fílmica, a
tela do HD sempre será uma opção mais cômoda e reconfortante.