O MAGO DAS TECLAS
PRETAS E BRANCAS
(algumas memórias ao som de Elton John)
“Day to day, the shifting wind just blows us on our
way,
Here and there, our pockets full of things to say,
Oh my love, I proudly represent you in this world,
Little satellite, brightest star tonight, oh my love”
(Elton John & Bernie Taupin, 1997)
A grande atração da casa em 1991 era o novo aparelho de som 3
em 1 (rádio AM | FM) acoplado de leitor de CD, vitrola e tocador de fitas cassete)
que meu pai tinha comprado para o nosso modesto apartamento da Ilha do
Governador, Rio de Janeiro. Vivíamos alguns bons momentos de ascensão social em
meio aos horrores praticados pelo governo Collor, que manteve o Brasil em um
buraco político-econômico que não parecia ter fim. O Sr. Orlando, conhecido por
mim como Papai, fora trabalhar em Santos por uns tempos para garantir o
sustento da casa e o conforto de uma família classe média baixa e sempre trazia
CDs, LPs e cassetes à mão cheia para que a música sempre nos acompanhasse nas
viagens para a Baixada Santista ou em casa. O grande sucesso da época era a
regravação de George Michael com “Don’t Let the Sun Go Down On Me”, ao lado do
cantor que lançou aquela canção.
Naquela época ainda se consumia trilhas sonoras de novelas da
Globo em alta escala, pois aqueles álbuns reuniam o que havia de mais popular e
bacana no dial do rádio daquele
momento. Quando a trilha sonora internacional de Lua Cheia de Amor (novela das sete da noite com Marília Pêra
encabeçando o elenco) chegou lá em casa, fomos ouvir o vinil com a curiosidade
e excitação que dedicávamos às grandes novidades. Um som de piano e uma voz
masculina tomavam o ambiente em questão de segundos: era a magia de Elton John
se revelando para mim quando eu tinha um pouco mais de 10 anos de idade.
A partir daquele momento, minha vida de ouvinte não faria o
menor sentido sem ouvir as canções daquele mago das teclas brancas e pretas. As
letras belíssimas de Bernie Taupin somadas às músicas de acordes complexos de
Elton me fizeram viajar por lugares distantes do senso comum que se ouvia na
década de 1990, para minha total salvação. As opções para um adolescente no meu
tempo não me pareciam nem um pouco atraentes, por isso o meu apreço pela obra
de Elton John é tão grande.
Made in England (1995) |
Comecei a acompanhar os passos musicais de Sir Elton mais de
perto a partir de 1995, quando ele lançou um de seus discos mais bacanas de sua
discografia, Made in England, que foi bastante elogiado pelo público e pela
crítica. Senti a emoção da perda trágica de Lady Di enquanto ele cantava os
versos da segunda (e emocionante) versão de "Candle in The Wind", que
Bernie reescreveu especialmente para o funeral da figura mais popular da
realeza britânica nos últimos anos. Ouvi The Big Picture (1997) durante o verão de 1997-98 com o mesmo amor e prazer
que eu dediquei aos títulos mais amados da minha coleção de discos.
The Big Picture (1997) |
Anos depois, já nos meus últimos anos da Faculdade de Letras
e já saído da casa dos meus pais pela primeira vez, descobri o álbum mais
importante da discografia de Elton John: o maravilhoso Goodbye
Yellow Brick Road, uma das maiores obras-primas da
história da música. O disco não se tornou apenas
minha discografia básica, como passou a me acompanhar para onde quer que eu
fosse. Durante uma estadia minha em Curitiba, na qual eu tive de me apresentar
em um congresso internacional de Literatura Comparada, passei horas e horas
escrevendo sobre Virginia Woolf ao som de um dos lados B mais bonitos daquele
álbum, “I’ve Seen That Movie Too”.
Goodbye Yellow Brick Road (1973) |
No entanto, a força dos discos de Elton John não se compara a
energia de ver o mago das teclas pretas e brancas ao vivo em concerto. Consegui
ir a um show de Elton uma única vez, em 17 de janeiro de 2009, em um Anhembi escuro,
chuvoso e impróprio para shows de grande porte. Apesar das péssimas condições
para o show, Sir Elton fez um show emocionante e com mais de duas horas de
duração, com direito a várias canções de Goodbye Yellow
Brick Road. Apesar do cansaço,
do estresse, dos dois táxis e da chuva, valeu a pena ter testemunhado o mago
das teclas pretas e brancas ao vivo, afinal poderei constar estas memórias
corriqueiras para os meus sobrinhos e para os filhos que um dia eu possa vir a
ter.
Em relação a filhos, o astro possui dois. Casado com David
Furnish, com quem vive junto desde meados da década de 1990, Elton John é um
ferrenho defensor da comunidade LGBT e do combate à AIDS, mais um motivo para
minha admiração por ele. Apesar dele ser dono de uma personalidade difícil, um
tanto intragável com seus colegas de profissão (Madonna e Keith Richards já
foram vítimas da língua ferina de Sir Elton), sempre verei o mago das teclas
pretas e brancas como o senhorzinho bonachão de figurinos extravagantes. E ele
chega aos 70 anos de idade com um gás sem fim: gravando discos novos, saindo em
turnês, fazendo apresentações ao vivo e levando milhares de pessoas de gerações
distintas a estádios.
Salve, Sir Elton! Que o senhor possa ser o grande mago das
teclas pretas e brancas por muito tempo...