18 de julho de 2015

TROVA # 53

A REENCARNAÇÃO DO SIMPLY RED


I am in this business for the music. The whole fame and celebrity stuff is the bit that I’ve always been uncomfortable with.
(Mick Hucknall)


Uma das minhas primeiras lembranças musicais caseiras foi com a banda inglesa Simply Red, que meus pais adoravam. Foi bem no início da década de 1990 quando minha família, agraciada com a possibilidade de ascender socialmente dentro da cadeia social chamada Classe Média, resolveu investir em um aparelho de som da Gradiente e comprar LPs e alguns CDs, que surgiam na nossa casa. Dentre as aquisições, álbuns da banda preferida dos adultos lá de casa que, com o tempo, tornou-se um dos meus números musicais preferidos. Eu devia ter entre 9 e 10 anos quando aquele processo começou a acontecer, já tinha algumas noções bem básicas de Inglês e começava a me interessar por música.



A figura de Mick Hucknall, o vocalista ruivo que dá o nome à banda que fundou e o único membro remanescente da primeira formação do Simply Red, sempre me intrigou: suas madeixas cor de fogo revelam cachos rebeldes e que, naquela época, eram entrelaçados por dreadlocks. Quando abria a boca para cantar, achava um absurdo: como aquele branquelo inglês conseguia cantar tão efusivamente como um negro? E, ainda por cima, conseguia alcançar aqueles agudos que eu adorava imitar quando não havia ninguém em casa e ficava ouvindo os álbuns da banda. Comecei a invejá-lo de tal maneira a querer aprender a cantar como ele...



A sonoridade do Simply Red era algo que encantava fãs e críticos: sua música conseguia fundir elementos de Jazz, Funk, Rock e Soul em meio a baladas melosas como "Holding Back the Years" e números mais rápidos e dançantes tais como "I Won't Feel Bad". Tinha trânsito livre tanto em festivais de Rock como o nosso saudoso Hollywood Rock, como o festejado e chiquérrimo Festival de Montreux, realizado anualmente na Suíça. No decorrer do período entre 1991 - quando eles lançaram seu álbum de maior sucesso, o belíssimo Stars - e 1993, fim da turnê mundial dos caras, foi uma das bandas mais festejadas por aqui. Detalhe: tal período de prestígio ocorreu durante o auge do Grunge, que teve bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains como estandartes de um movimento que pregava uma estética mais suja e muito mais descompromissada com padrões estéticos, o que era oposto à arte de Hucknall e seus comparsas.



Confesso publicamente que fiquei com uma ponta de inveja quando duas das sobrinhas de meu Pai tiveram a oportunidade de ver uma apresentação do Simply Red ao vivo na edição de 1993 do Hollywood Rock. Como alegaram que eu era muito novo para ir desacompanhado de meus país a eventos de grande público (somando-se ao fato de que estávamos atravessando dificuldades financeiras delicadas naquela época), tive que me contentar em ficar em casa e assistir o show pela TV durante a noite de 24 de Janeiro de 1993, enquanto meus pais gravavam tudo pela transmissão da Rede Globo - com direito aos comentários toscos e chatíssimos da Maria Paula, já ex-VJ da MTV Brasil. Não consigo me esquecer da entrada triunfal de Mick Hucknall no palco depois da banda tocar uma introdução arrasadora de "Come to My Aid". Em poucos segundos, o ruivo inglês conseguira colocar toda a Praça da Apoteose para dançar e cantar enquanto ele se desdobrava em scats e notas agudas, insólitas para qualquer cantor do sexo masculino. A partir daquela noite, minha relação com a música mudou de uma vez por todas: sabia que eu queria viver dela, seja como jornalista musical, ou como escritor, ou (quem sabe?!) como músico amador (por quê não?).



Tornei-me não apenas um fã do grupo como também passei a comprar tudo que tinha disponível do Simply Red nas lojas de discos quando o parco dinheiro que caía em minhas mãos me permitia desfrutar das liberdades do consumo. No final da década de 1990, consegui reunir todos os álbuns do grupo em CD, um feito inédito para um jovem apaixonado por música como eu. Acompanhei não apenas as transformações na música do grupo - que deixou de aglutinar gêneros musicais distintos para fazer um Pop bem radiofônico - como também as mais diversas formações da banda, mantendo Mick Hucknall como a única entidade que comanda um negócio coletivo. O ruivo matador de Manchester tornou-se vocalista, compositor, produtor e acabou por fundir a banda com o homem, fato que não acho nada interessante, apesar de seu talento ser literalmente algo inquestionável.




Não me surpreendi quando o "fim da banda" foi anunciado no aniversário de 25 anos do Simply Red, em 2010. Mick Hucknall afirmou que queria se enveredar por projetos solo e que lhe dessem a liberdade artística que o "grupo" não lhe permitia mais (um dos projetos paralelos mais legais dos quais Hucknall participou foi como vocalista de uma reunião do Faces entre 2009 e 2010 e nos fez esquecer do brilhantismo de Rod Stewart por vários momentos). O ruivo gravou dois discos belíssimos e que, por não conter a marca Simply Red, não fizeram grande sucesso. Por outro lado, estava feliz que não houve nenhuma espécie de esforço por parte de qualquer empresário e/ou gravadora em querer ressuscitar o dinossauro aposentado. No entanto, ao contrário de gigantes adormecidos como o Led Zeppelin, o R.E.M. ou o Genesis, logo logo seríamos surpreendidos por uma novidade um tanto inesperada.




Fiquei meio surpreso quando soube que o Simply Red iria retomar as atividades em 2015. Quando pensei que Mick Hucknall iria fazer uma turnê de comemoração de 30 anos do surgimento de Picture Book, os caras (leia-se: o exército de um homem só) surgiram com um novo álbum chamado Big Love. O álbum não chega aos pés de trabalhos mais clássicos como A New Flame (1989), Stars (1991), Life (1995) ou Blue (1998), mas consegue ainda encantar o ouvinte como há muito tempo não fazia quando ouvíamos qualquer material inédito da banda. Hucknall reuniu alguns dos músicos que colaboraram com ele ao longo dos anos e conseguiu realizar o primeiro CD com repertório completamente inédito em 20 anos.




As canções de Big Love não chegam a ser tão marcantes com o melhor que já foi produzido pelo Simply Red na década de 1990. No entanto, o trunfo principal da banda manteve-se se intacto com a passagem do tempo: a voz de Mick Hucknall manteve o mesmo charme e viço de décadas atrás. No entanto, sem ela não teríamos a oportunidade de presenciar a reencarnação de uma das bandas com um dos repertórios mais legais dos anos 1980-1990. Assim, quem sabe novas gerações se encantam com um dos meus artistas preferidos e decidem se enveredar com intensidade pela música tal qual eu o fiz?



Aos 54 anos de idade, Hucknall dá sinais de que a aposentadoria de sua banda está longe de acontecer. Os amantes da boa música não ficarão insatisfeitos com este fato, ainda mais levando em consideração que a banda decidiu retornar também para os palcos. Quem sabe, desta vez, eu consigo a oportunidade de ver um dos músicos que mais me influenciou cantar ao vivo no meu país?