MADONNA – BEDTIME STORIES (1994)
“I’m a role
model for those who dare to be different. For those who dare to take a stand in
their life and have an opinion.”
(Madonna)
No ano de 1994, Madonna vivenciava uma
das maiores encruzilhadas de sua carreira até então. A Pop Star precisava se reinventar urgentemente para que pudesse
continuar no topo das paradas de sucesso e, principalmente, sobreviver aos
ciclos velozes e (às vezes) furiosos da cena musical dos anos 1990. Like A Virgin já tinha completado uma
década de explosão, enquanto o combo bombástico composto pelo álbum Erotica, o livro Sex, o filme Body of Evidence
e a turnê The Girlie Show colocaram
Madge no topo da lista das celebridades mais controversas e discutidas da mídia
do planeta entre 1992 e 1994.
Em suma: Madonna era persona non-grata
número 1 de acordo com muitas famílias tradicionais do mundo inteiro por não
ter tido a menor vergonha em falar de sexo (em sua plenitude) de maneira
extremamente despojada e depravada para o mundo. Seus fãs eram considerados
admiradores de uma “vagabunda sem classe” e blá blá blá… Bedtime Stories foi o
contra-ataque de Madge aos seus inquisidores de plantão. A começar pelas fotos
do próprio CD, que revela uma Madonna mais sóbria, sensual e elegante em um
belíssimo ensaio fotográfico de Patrick Demarchelier, renomado fotógrafo do
universo da moda. As imagens não lembram em absolutamente nada a mesma Pop Star que estava de chicotes de couro
em punho meses antes.
Tal qual seu grande muso inspirador,
David Bowie, Madonna também decidiu realizar uma grande transformação em seu
som: sai da cabine de som o habitual parceiro Shep Pettibone (que já produzira smash hits como “Vogue” e “Erotica”) e
entram em cena um quarteto fantástico de produtores que estavam envolvidos com
o Pop e o R&B da época. São eles: Nellee Hooper, Dallas Austin, Dave “Jam”
Hall e Babyface. Por conta disto, a música de Madonna nunca soou tão negra
quanto na época de Bedtime Stories. Samples de Stevie Wonder, Aaliyah, Herbie
Hancock, dentre outros permeiam as batidas deste trabalho. As letras são mais
confessionais e tratam de temas altamente presentes nas canções da Pop Star: amor, ausência, hipocrisia,
hedonismo, obsessão…
“Inside of Me”, quinta canção do
disco, versa sobre uma presença amorosa que existe apenas no retrato da cama e
nas memórias da voz que está cantando. Seria esta pessoa um(a) amigo(a) querido(a),
ou a própria mãe de Madonna – morta quando a Pop Star ainda era criança? A produção de Hooper e os vocais
sussurrados de Madge resultam em uma faixa repleta de groove e sensualidade,
espantando a melancolia e o romantismo óbvio para bem longe.
“Survival”, “Human Nature” e “Love
Tried to Welcome Me”, por exemplo, revelam o ressentimento e a (eterna!) culpa
cristã de Madonna em relação aos que colocaram sua cabeça a prêmio. Versos como “I’ll never be an angel / I’ll never be a
saint, it’s true / I’m too busy in surviving / Whether it’s heaven or hell /
I’m gonna be living to tell” (“Survival”); “You punished me for telling you my
fantasies / I’m breaking all the rules I didn’t make” (“Human Nature”) ou “I
know how to laugh, / but I don’t know happiness / And I must confess, instead
of spring, it’s always winter / And my heart has always been a lonely hunter
(…)” (“Love
Tried to Welcome Me”) revelam toda a angústia que Madonna sentia e vivia
naquele período – um álbum, um livro e uma turnê que revelaram uma atitude de
independência e despudor para falar de tabus em uma era na qual os EUA e o
resto do mundo estavam mais conservadores com a cartilha do neoliberalismo e a
ascensão das mortes por AIDS, dentre outros problemas lhe renderam um preço
altíssimo.
“I’d Rather Be Your Lover”, “Take a
Bow” e “Forbidden Love”, produzidas por Dave Hall e Babyface tiveram
participações especiais. A primeira delas, por exemplo, chegou a receber a
contribuição do rapper Tupac Shakur (que, dizem certas línguas, teve um breve
romance com Madonna): como Tupac fora preso na época da finalização de Bedtime Stories,
a Warner Bros. Decidiu cortar os versos do artista e substituir o rap pelos improvisos da baixista e
cantora Me’Shell N’dgé Ocello, rendendo um resultando tão provocante quanto o
original, pois a letra passa a sugerir uma relação lésbica. “Take a Bow” e
“Forbidden Love” tiveram a produção e os backing vocals de Babyface (nome
verdadeiro de Kenny Edmonds) tiveram bastante popularidade no final da primeira
metade dos anos 1990. Se formos pensar nas três das melhores baladas
interpretadas por Madonna, “Take a Bow” obrigatoriamente deve constar entre
elas.
No grupo das faixas de Bedtime Stories que apontam
as transformações mais radicais do som de Madonna estão as faixas 9 e 10 do
álbum. “Sanctuary” é marcada por uma batida trip hop hipnótica que flerta com a
sonoridade dos álbuns do Massive Attack (grupo com o qual Madge trabalharia
pouco depois). “Bedtime Story”, única faixa do disco que não fora composta pela
Pop Star”, é uma parceria de Björk com Nellee Hooper e Marius de Vries: uma
mistura intricada de sons eletrônicos com batidas de House, Ambient Music, New Age e Techno.
Devemos fazer uma menção à parte para
o videoclipe de “Bedtime Story”: dirigido por Mark Romanek – que já trabalhara
com a artista no premiadíssimo “Rain” –, o clipe é repleto de efeitos visuais
de última geração lá pelos idos de 1994-1995 e inspirado em pinturas
surrealistas e na obra de Frida Kahlo. A apresentação desta canção no Brit
Awards na qual Madonna vestia um Versace e um longo aplique nos cabelos, é um
dos melhores momentos jamais vistos na história de prêmios de música Pop em
todos os tempos.
As duas faixas de Bedtime Stories que deixamos
para o fim deste texto são “Don’t Stop” e “Secret”. A primeira faixa trata do
tema mais recorrente nas canções de Madonna: o hedonismo que surge nas pistas
de dança. Após a passagem de vibrações muito pesadas, Madge propõe um convite
muito simples para o seu ouvinte – que ele deixe a música e o ritmo lhe levar para
o esplendor do êxtase proporcionado pelo bom e velho groove. Já a segunda faixa, que foi o primeiro hit single de Bedtime Stories,
é uma das faixas mais enigmáticas da discografia da Pop Star. Versos como
“Happiness lies in your own hand / It took me much too long to understand / How
it could be / Until you shared your secret with me” não trazem meras
constatações por parte de uma das maiores artistas do século XX, pelo
contrário, eles provocam ainda mais perguntas em torno da natureza do segredo
que tinha sido compartilhado…
“Secret” era a pá de cal que Madonna
lançava em relação ao som que estava desenvolvendo até o início da década de
1990. A voz que canta com um violão folk
ao fundo para abrir espaço para uma batida R&B marcante. Pela primeira vez
em sua carreira, o som e a imagem da loura que sacudiu o planeta com o discurso
lascivo de “Like A Virgin” convergiram para um conjunto mais light, porém não
menos denso e provocante.
Bedtime Stories não
rendeu o primeiro lugar das paradas para Madonna. No entanto, o disco recebeu reviews bastante favoráveis da crítica
especializada. Certamente, é um dos discos mais importantes da obra musical da
Rainha do Pop e que, por sua deliciosa mistura de sons e imagens, merece sempre
ser ouvido com intensidade e paixão...