16 de abril de 2017

TROVA # 119

O SILÊNCIO DOS IMBECIS



O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente não tem medo
Pode guardar segredo
De tudo que se vê
É debaixo dos pano
Que a gente fala do fulano
E diz o que convém...

É debaixo dos pano
Que eu me afogo
Que eu me dano
Sem perder o bem...

O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente esconde tudo
E não se fica mudo
E tudo quer fazer
É debaixo dos pano
Que a gente comete um engano
Sem ninguém saber...

É debaixo dos pano
Que a gente
Entra pelo cano
Sem ninguém ver...

O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
O que a gente faz
É por debaixo dos pano
Prá ninguém saber
É por debaixo dos pano
Se eu ganho mais
É por debaixo dos pano
Ou se vou perder
É por debaixo dos pano...

É debaixo dos pano
Que a gente esconde tudo
E não se fica mudo
E tudo quer fazer
É debaixo dos pano
Que a gente comete um engano
Sem ninguém saber...

É debaixo dos pano
Que a gente
Entra pelo cano
Sem ninguém ver...
(Cecéu na voz de Ney Matogrosso, 1982)


         Feriado de Páscoa. Segundo os católicos, é o tempo da morte e do renascimento de Jesus Cristo. Um homem bondoso que foi morto como bandido pelos poderosos de sua época e ressuscitou dias depois para salvar a humanidade de todos os seus pecados. Hoje em dia, os cidadãos comuns aproveitam os dias de folga para viajar, esquecer do trabalho, se embrenhar em filas intermináveis para comprar quilos e quilos de bacalhau e ovos de chocolate cada vez mais caros e fazer jus às convenções típicas da classe média.
         Não comprei um ovo de páscoa sequer este ano. Algo bastante chato para um chocólatra assumido e compulsivo que sempre fui. Em tempos de crise econômica, social e política no Brasil, investir 40 reais em um único presente é uma indecência para um trabalhador assalariado como eu. No entanto, muitos brasileiros faziam volume nas filas intermináveis dos supermercados e dos shopping centers, fazendo a alegria das indústrias e da iniciativa privada até o final do sábado de aleluia.


         Além disto, a Páscoa de 2017 tem o sabor amargo do noticiário, pipocando notícias sobre a corrupção da classe política e das empreiteiras que financiavam as campanhas eleitorais através do “Caixa 2”, isto é, dinheiro oficialmente não declarado para as autoridades. O mais revoltante não é o fato de que empresas grandes como a Odebrecht sempre financiou partidos de esquerda e de direita como o PT, o PMDB e o PSDB, e sim a desfaçatez do GAFE, que sempre soube das negociatas feitas por debaixo dos panos da política brasileira e age como se a relação das grandes corporações com os governos fosse a maior novidade desde a invenção da pólvora ou da bomba atômica. Sem mencionar o tratamento distinto para líderes políticos: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi “favorecido” por vantagens indevidas enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria recebido propina das mãos de empresários.
    A classe política brasileira enriqueceu e se manteve no poder graças a orçamentos superfaturados realizados mediante pagamentos gordos de propina. Dinheiro público que poderia ser investido para o bem-estar das instituições públicas, já que são quantias geradas pelos impostos altíssimos que pagamos. Infelizmente os candidatos que se elegem e vencem os pleitos eleitorais não o fazem por desejarem o melhor para o seu povo, mas sim porque possuem interesses exclusivos no fortalecimento de suas contas bancárias.


       Enquanto o GAFE faz barulho e estardalhaço diante do espetáculo das delações premiadas (uma maneira bastante cômoda para estes figurões graúdos se safarem de penas mais agressivas, não?), boa parte da sociedade brasileira que saiu de panelas nas mãos se calou. Não se ouve mais o som incômodo de uma panela vazia nos bairros de classe média ou de classe média alta. O que aconteceu? O poder de compra dessas pessoas aumentou? A perplexidade tomou conta destes lares? Ou será que estas pessoas estão em estado de choque diante desta pantomina ridícula?
         Enquanto isto, o golpista Michel Temer tenta dar prosseguimento a um governo ilegítimo e com o seu pacote de medidas para “resolver” a crise econômica que não foi aprovado por, pelo menos, 54 milhões de brasileiros. Segundo os delatores da Odebrecht, era o próprio Vice-Presidente do governo Dilma Rousseff que comandava os esquemas de propina a serem distribuídos para o PMDB. Nove de seus ministros estão citados nos depoimentos com suspeita de corrupção. Se citarmos os integrantes das comissões especiais da Câmara dos Deputados que votaram a favor do impeachment de Dilma, 35 de 38 deputados estão citados nas delações premiadas. Ouço panelas para este fato? Não...
         Enquanto os funcionários do Palácio do Planalto ficam de olho no que postamos nas redes sócias a respeito dos fatos e acontecimentos sobre a política brasileira, a mudez deixa de ser um privilégio dos inocentes que se vestiram de verde e amarelo com panelas de teflon nas mãos. Passamos a observar o silêncio dos imbecis em meio a este espetáculo dantesco no qual se tornou a política nacional. O radicalismo dos discursos de extrema-direita se agiganta enquanto muitos militantes de esquerda assistem, também em pleno choque, ao desmonte da classe que domina o Poder Executivo.


Lembro-me de alguns versos de uma das pouquíssimas canções da Legião Urbana que me agradam. Em “O Teatro dos Vampiros”, Renato Russo nos diz abertamente que “os assassinos estão livres / nós não estamos”. Os vampiros estão a sugar nossas forças de trabalho, nossas demonstrações de honestidade, nossas crenças em dias melhores. Renato estava certo, infelizmente: ao pensar sobre os horrores, eu tenho a impressão de que envelheço dez semanas a cada hora que passo.


Enquanto os ovos de páscoa farão a festa de milhares de famílias brasileiras para celebrar a ressurreição do homem que foi crucificado (como um marginal, meus caros: não se esqueçam!), o silêncio dos imbecis diante dos escândalos de corrupção se fará ainda mais presente. E a lógica do “bandido bom é bandido morto” diante de qualquer morto de fome que faz de sua navalha o seu cartão de crédito para algo desejado será lembrada como uma maneira de se fazer justiça. Afinal, quem precisa de um bandido de estimação qualquer se criamos a pão de ló 513 deputados, 81 senadores e uma família de parasitas no Palácio do Jaburu, em Brasília?



         Minha consciência diante de todos os fatos e acontecimentos mostrados aqui de maneira não muito polida e elegante fica tranquila, diante da seguinte constatação: não traí minha pátria, não a crucifiquei. Sempre deu o meu melhor pelo meu país e continuarei a fazê-lo enquanto alguém não me crucifica por aí com algum desejo vago de justiça...