#17 – ADRIANA CALCANHOTTO
#18 – FERREIRA GULLAR, NICOLAS BEHR, FRANCISCO ALVIM & CONCEIÇÃO EVARISTO
#17 – ADRIANA CALCANHOTTO
#18 – FERREIRA GULLAR, NICOLAS BEHR, FRANCISCO ALVIM & CONCEIÇÃO EVARISTO
“ONDE ESTÁ O DINHEIRO?”
Diante
dos recentes escândalos de corrupção no Brasil, é melhor não saber a
resposta...
“Onde está o
dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Eu vou procurar e hei
de encontrar
E com o dinheiro na
mão
Eu compro um vagão
Eu compro a nação
Eu compro até seu
coração
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
No norte não está
No sul estará
Tem gente que sabe e
não diz
Está tudo por um triz
E aí está o
"X"
E não se pode ser
feliz
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato
comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato
fugiu
E seu paradeiro está
no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Eu vou procurar e hei
de encontrar
E com o dinheiro na
mão
Eu compro um vagão
Eu compro a nação
Eu compro até seu
coração”
(José
Maria de Abreu, Francisco Mattoso & Paulo Barbosa na voz de Gal Costa,
1984)
No Brasil, como sabemos muito bem, honestidade
nunca é regra: ela é exceção! Quando nos referimos à política deste país então,
ela se transforma em um verdadeiro mito. Os exemplos de corrupção entre nossos
governantes, infelizmente, são dos mais variados e das mais diversas tendências
políticas – líderes de esquerda, muito menos de direita jamais podem se gabar
de serem defensores de uma trajetória imune de escândalos.
No entanto, quem acompanha o
noticiário de política no Brasil em 2020 não pode reclamar de que ele é
tedioso. Em tempos de pandemia então, os níveis de revolta atingem níveis cada
vez mais altos por meio de novidades que nenhum roteirista de séries sobre o
assunto pode imaginar. Mesmo assim, pessoas que nunca tiveram seu nome
associado a inquéritos policiais envolvendo dinheiro público ainda se chocam
com a desfaçatez de quem deveria estar trabalhando pelo povo.
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018
comprovou algo que Nelson Rodrigues detectou com uma exatidão cirúrgica: “O
grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do
idiota”. O autor de Vestido de Noiva
se referia ao século XX, que nos ofertou duas guerras mundiais e duas ditaduras
para o Brasil. Se ele estivesse vivo em 2020, ele continuaria afirmando isso e
muito mais, em estado de choque cada vez maior com o nível de imbecilidade de
muitos brasileiros.
Desde 2013, a polarização política
que dividiu o país em campos opostos institucionalizou de vez a mentira como
fato verídico, a moralidade cristã como máscara para os corruptos e o cinismo
da mídia e do mercado financeiro como regra de praxe. Passamos a lidar com as Fake News, um nome mais bonitinho para
as lorotas deslavadas que os políticos sempre atiraram pelos quatro ventos para
continuar desfrutando das benesses do poder público. Reparem bem: quem fala de
honestidade geralmente são os cidadãos mais desonestos! As pessoas que nunca
tiveram nada a temer diante da justiça não precisam ficar berrando a sua
honestidade em praça pública como duas vizinhas trocando confidências em um
bairro do subúrbio do Rio de Janeiro.
O “excelentíssimo” Presidente da
República, um sub-Trump, uma imitação tosca do Presidente dos Estados Unidos
(complexo de vira-lata?), adora se gabar em praça pública de que é honesto e de
que não existe corrupção no seu governo. Todavia, até seus fãs mais
entusiasmados sabem que Bolsonaro tem muito que explicar: além de inquéritos
nos quais é investigado, o chefe maior da Nação possui três filhos envolvidos
em investigações criminais, uma esposa que recebeu R$ 89 mil de um ex-assessor
parlamentar, ex-mulheres envolvidas em transações financeiras suspeitíssimas,
alguns Ministros de Estado acusados de crimes ambientais e de corrupção etc etc
etc. Um grupo de gente que prega a honestidade em praça pública, cansando a
paciência e a inteligência do contribuinte brasileiro e que sempre está a mercê
do próximo escândalo.
Em 14 de outubro de 2020, tivemos mais um exemplo a ser lembrado como um dos mais significativos dessa era. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), um dos vice-líderes do Governo no Senado, foi flagrado com dinheiro desviado dentro de sua cueca. A imagem em si não traz necessariamente nenhuma novidade para os que se lembram de casos célebres de corrupção (quem se lembra de um assessor parlamentar de um Deputado do PT que foi flagrado com maços de dinheiro no meio das partes?), porém a novidade era que o Senador de Roraima guardava consigo uma vasta quantia na parte de trás da cueca. O constrangimento do vice-líder do Governo (que empregava um dos sobrinhos do Presidente da República em seu gabinete como assessor parlamentar) poderia ter se restringido ao pedido de que tirasse a bufunfa de onde não deveria estar, mas a vergonha ficou ainda maior ao se constatar que algumas cédulas estavam sujas das fezes do elemento. Uma imagem bem difícil de esquecer!
Chico Rodrigues, um canalha que não
possui o menor parentesco com o nosso dramaturgo maior (deixemos isso bem
claro!), foi afastado preventivamente pelo Ministro Luís Roberto Barroso do
Supremo Tribunal Federal por 90 dias com a justificativa de que o senador não
utilizasse o seu poder político para interferir nas investigações policiais.
Enquanto o Senado se faz de rogado, foi preciso que uma decisão monocrática do
STF garantisse o mínimo de tranquilidade para o processo. O Presidente da
República fez questão de dizer que o referido senador não tinha nada a ver com
o seu governo.
Lembrei de outra máxima de Nelson
Rodrigues que cai como uma luva diante da barbárie que passamos a viver desde
meados dos anos 2010: “Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os
melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com
os idiotas de ambos os sexos.” Muitos de nós assistimos o Brasil se tornar cada
vez mais autoritário com uma mudez gerada pelo estado de choque, perplexos com
tanta baixaria. Diante dos recentes escândalos de
corrupção no Brasil, é melhor não saber onde o dinheiro da corrupção está pelo
motivo de que precisamos evitar pesadelos para que possamos dormir um pouco
melhor.
Porém, é
impossível ficar mudo diante da hipocrisia que tem se servido das declarações
cínicas do Presidente da República. Os memes e as charges sobre o assunto
retrataram o atual escândalo com perfeição. Os humoristas e os cronistas
tiveram um riquíssimo material para suas colunas nos jornais. A população
insatisfeita com tanta sujeira e impossibilitada de protestar publicamente para
evitar aglomerações segue cada vez mais irada diante de tanto absurdo.
Se eu
fosse o Presidente, iria rezar para que a tal vacina demore o máximo que puder,
pois a primeira oportunidade que os opositores tiverem de ir para as ruas
protestar contra tudo será muito bem-aproveitada. Enquanto isso não acontece,
seguimos na espera, com nossa insatisfação cozinhando dentro de uma panela de
pressão prestes a explodir...