25 de outubro de 2020

LEITURAS DE SEGUNDA - 17 e 18

 

#17 – ADRIANA CALCANHOTTO



#18 – FERREIRA GULLAR, NICOLAS BEHR, FRANCISCO ALVIM & CONCEIÇÃO EVARISTO



TROVA # 152

 

ONDE ESTÁ O DINHEIRO?

Diante dos recentes escândalos de corrupção no Brasil, é melhor não saber a resposta...

 


Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

Eu vou procurar e hei de encontrar

E com o dinheiro na mão

Eu compro um vagão

Eu compro a nação

Eu compro até seu coração

 

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

No norte não está

No sul estará

Tem gente que sabe e não diz

Está tudo por um triz

E aí está o "X"

E não se pode ser feliz

 

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

Onde está o dinheiro?

O gato comeu, o gato comeu

Que ninguém viu

O gato fugiu, o gato fugiu

E seu paradeiro está no estrangeiro

Onde está o dinheiro?

 

Eu vou procurar e hei de encontrar

E com o dinheiro na mão

Eu compro um vagão

Eu compro a nação

Eu compro até seu coração

(José Maria de Abreu, Francisco Mattoso & Paulo Barbosa na voz de Gal Costa, 1984)

 


No Brasil, como sabemos muito bem, honestidade nunca é regra: ela é exceção! Quando nos referimos à política deste país então, ela se transforma em um verdadeiro mito. Os exemplos de corrupção entre nossos governantes, infelizmente, são dos mais variados e das mais diversas tendências políticas – líderes de esquerda, muito menos de direita jamais podem se gabar de serem defensores de uma trajetória imune de escândalos.

No entanto, quem acompanha o noticiário de política no Brasil em 2020 não pode reclamar de que ele é tedioso. Em tempos de pandemia então, os níveis de revolta atingem níveis cada vez mais altos por meio de novidades que nenhum roteirista de séries sobre o assunto pode imaginar. Mesmo assim, pessoas que nunca tiveram seu nome associado a inquéritos policiais envolvendo dinheiro público ainda se chocam com a desfaçatez de quem deveria estar trabalhando pelo povo.

A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 comprovou algo que Nelson Rodrigues detectou com uma exatidão cirúrgica: “O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”. O autor de Vestido de Noiva se referia ao século XX, que nos ofertou duas guerras mundiais e duas ditaduras para o Brasil. Se ele estivesse vivo em 2020, ele continuaria afirmando isso e muito mais, em estado de choque cada vez maior com o nível de imbecilidade de muitos brasileiros. 



Desde 2013, a polarização política que dividiu o país em campos opostos institucionalizou de vez a mentira como fato verídico, a moralidade cristã como máscara para os corruptos e o cinismo da mídia e do mercado financeiro como regra de praxe. Passamos a lidar com as Fake News, um nome mais bonitinho para as lorotas deslavadas que os políticos sempre atiraram pelos quatro ventos para continuar desfrutando das benesses do poder público. Reparem bem: quem fala de honestidade geralmente são os cidadãos mais desonestos! As pessoas que nunca tiveram nada a temer diante da justiça não precisam ficar berrando a sua honestidade em praça pública como duas vizinhas trocando confidências em um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro.

O “excelentíssimo” Presidente da República, um sub-Trump, uma imitação tosca do Presidente dos Estados Unidos (complexo de vira-lata?), adora se gabar em praça pública de que é honesto e de que não existe corrupção no seu governo. Todavia, até seus fãs mais entusiasmados sabem que Bolsonaro tem muito que explicar: além de inquéritos nos quais é investigado, o chefe maior da Nação possui três filhos envolvidos em investigações criminais, uma esposa que recebeu R$ 89 mil de um ex-assessor parlamentar, ex-mulheres envolvidas em transações financeiras suspeitíssimas, alguns Ministros de Estado acusados de crimes ambientais e de corrupção etc etc etc. Um grupo de gente que prega a honestidade em praça pública, cansando a paciência e a inteligência do contribuinte brasileiro e que sempre está a mercê do próximo escândalo.

Em 14 de outubro de 2020, tivemos mais um exemplo a ser lembrado como um dos mais significativos dessa era. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), um dos vice-líderes do Governo no Senado, foi flagrado com dinheiro desviado dentro de sua cueca. A imagem em si não traz necessariamente nenhuma novidade para os que se lembram de casos célebres de corrupção (quem se lembra de um assessor parlamentar de um Deputado do PT que foi flagrado com maços de dinheiro no meio das partes?), porém a novidade era que o Senador de Roraima guardava consigo uma vasta quantia na parte de trás da cueca. O constrangimento do vice-líder do Governo (que empregava um dos sobrinhos do Presidente da República em seu gabinete como assessor parlamentar) poderia ter se restringido ao pedido de que tirasse a bufunfa de onde não deveria estar, mas a vergonha ficou ainda maior ao se constatar que algumas cédulas estavam sujas das fezes do elemento. Uma imagem bem difícil de esquecer!




Chico Rodrigues, um canalha que não possui o menor parentesco com o nosso dramaturgo maior (deixemos isso bem claro!), foi afastado preventivamente pelo Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal por 90 dias com a justificativa de que o senador não utilizasse o seu poder político para interferir nas investigações policiais. Enquanto o Senado se faz de rogado, foi preciso que uma decisão monocrática do STF garantisse o mínimo de tranquilidade para o processo. O Presidente da República fez questão de dizer que o referido senador não tinha nada a ver com o seu governo.

Lembrei de outra máxima de Nelson Rodrigues que cai como uma luva diante da barbárie que passamos a viver desde meados dos anos 2010: “Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.” Muitos de nós assistimos o Brasil se tornar cada vez mais autoritário com uma mudez gerada pelo estado de choque, perplexos com tanta baixaria. Diante dos recentes escândalos de corrupção no Brasil, é melhor não saber onde o dinheiro da corrupção está pelo motivo de que precisamos evitar pesadelos para que possamos dormir um pouco melhor.

Porém, é impossível ficar mudo diante da hipocrisia que tem se servido das declarações cínicas do Presidente da República. Os memes e as charges sobre o assunto retrataram o atual escândalo com perfeição. Os humoristas e os cronistas tiveram um riquíssimo material para suas colunas nos jornais. A população insatisfeita com tanta sujeira e impossibilitada de protestar publicamente para evitar aglomerações segue cada vez mais irada diante de tanto absurdo.

Se eu fosse o Presidente, iria rezar para que a tal vacina demore o máximo que puder, pois a primeira oportunidade que os opositores tiverem de ir para as ruas protestar contra tudo será muito bem-aproveitada. Enquanto isso não acontece, seguimos na espera, com nossa insatisfação cozinhando dentro de uma panela de pressão prestes a explodir...