11 de maio de 2021

TROVA # 165

“LONGAS CARTAS PRA NINGUÉM”


Por que escrevemos?

Porque não podemos somente viver

(Patti Smith – Devoção)



         Do tempo em que escrevíamos cartas, as pessoas davam uma importância gigantesca a papel, caneta, envelope e selos para que notícias, confissões e juras de amor e de ódio pudessem ser transmitidas para o destinatário que fosse. Com a chegada da Internet, das redes sociais e dos smart phones, tamanho encantamento se desfez e as correspondências perderam a sua intensidade: o avanço das tecnologias provocou uma mudança fatal da relação dos humanos com as palavras e as longas correspondências tornaram-se mais um resquício do passado. Quase toda comunicação relacionada às correspondências se tornou restritamente técnico e objetivo, as confissões mais íntimas viraram “textões” ou foram comprimidas em meros 140 caracteres no Twitter.


        A escolha de um blog para dar conta dos pensamentos e memórias que me habitam poderiam ser as crônicas que eu sempre sonhei na coluna do jornal, no portal da Internet ou (quem sabe?) nas páginas de um livro. A escrita que fiz por anos a fio tem sido além de um diário sentimental ou de um journal de críticas e pensamentos avulsos: todos os textos que passaram por aqui são, de certa forma, cartas. Enquanto as palavras do ciberespaço, do jornal e do livro possuem um destinatário específico, certeiro, as minhas correspondências são “longas cartas pra ninguém”, ou melhor, quase ninguém.

        Em uma entrevista de fevereiro de 1977, Clarice Lispector comentou a respeito de um dos assuntos mais discutidos entre literatos: o ato de escrever. Ao ser indagada sobre sua rotina de trabalho, Clarice foi taxativa ao dizer que nunca tinha sido uma escritora profissional e que só se dedicava à Literatura quando queria. Sua afirmação desconcertou por completo seu entrevistador e o público, já que a autora de A Hora da Estrela e Laços de Família já tinha publicado vários romances, contos e textos na grande imprensa até então. Apesar de eu sempre ter nutrido um enorme amor pela escrita (queria ser escritor desde os sete anos de idade!), nunca consegui me sentir um profissional das letras por dois motivos: 1) o anonimato e o meu talento permanente para ser um anônimo; 2) o fato de ter uma profissão que exige tempo e dedicação. Não me satisfaço com o amadorismo, tampouco com o anonimato. Porém, escrever como alternativa foi a solução possível para que eu extravasasse tudo o que eu gostaria de ser, mas que a vida não me permite que eu seja por conta de compromissos e responsabilidades...


         Confessar uma série de coisas nas páginas do papel e pela Internet afora é uma tarefa incomum para alguém que age com a discrição do anonimato. Era uma maneira de compreender a natureza dos fatos e suas consequências. Era um jeito de expressar a pouca saudade que tenho do passado, a vontade intensa de viver o presente e a loucura insustentável de ter o futuro nas mãos. Ou talvez uma forma de esconder minha própria mediocridade e dar a ela alguma espécie de status. Ou nenhuma das respostas anteriores mesmo, afinal há perguntas para as quais não temos solução.


         No entanto, ainda tenho a breve esperança de que cada texto que escrevi para este blog ou para a coluna de jornal dos meus sonhos possa fazer sentido para alguém, afinal foram mais de 115 mil acessos em nove anos de atividade. Tal qual Brás Cubas, um dos personagens mais célebres da ficção de Machado de Assis, também não tive filhos e não transmiti (até então) a nenhuma criatura o legado de minha miséria. Todavia, deixo vários escritos para a posteridade, um livro publicado e a vontade imensa de vida dentro de mim, apesar da barbárie que se abateu no Brasil e pelo mundo a partir de 2020.


         Faz escuro, mas escrevo e também canto. O mundo pode fazer qualquer tipo de acusação contra mim, menos uma: eu sempre tive histórias para contar. E ainda terrei enquanto tiver um papel, uma caneta e um lápis nas mãos. Porque viver apenas não basta para mim: se eu puder viver tendo a possibilidade de escrever já é algo que me deixa mais feliz. E ser feliz em pleno século XXI é um dos maiores desafios que se apresentam para os seres humanos, especialmente para os que vivem no Brasil...

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