O SAMBA BONITINHO E ORDINÁRIO DE MALLU
MAGALHÃES
Maria Luiza de
Arruda Botelho Pereira de Magalhães, nome de peso, de presença, daqueles de dar
dificuldade na hora de assinar um RG. Um belo nome. O nome de batismo da
sobrinha que nunca tive e provavelmente nunca virei a ter. Nome típico daquelas
ricaças paulistanas quatrocentonas, que não precisam fazer esforço para viver
bem. No entanto, esta filha de uma boa família decidiu por se aventurar pela
música e adotou o nome artístico de “Mallu Magalhães”.
Quando a bonitinha Mallu
(com dois “L” mesmo!) iniciou suas aventuras no universo musical, foi um
sucesso com a molecada: cantava uma musiquinha de acordo com os seus pares –
jovial, descompromissada, sem conteúdo complexo. Fator de inovação: a mocinha
se lançou pela Internet, algo ainda
incomum entre os artistas brasileiros na época. Ponto a favor: recebeu um
incentivo de milhões de um Papai travestido de fada madrinha disposto a
investir na carreira musical da fedelha.
Eu me lembro de ter
visto/ouvido a enfant terrible nos
tempos em que a MTV Brasil agonizava em praça pública e achei de uma enorme chatice.
E senti que a Music Television não
iria muito adiante ao eleger uma canção do nível de “Tchubaruba” como “revelação
de 2008” e fazer tamanha concessão ao mercado. A televisão passou a ficar mais
tempo em stand-by por causa da
qualidade da música que não me agradava.
Mallu Magalhães
voltou a chamar minha atenção na terceira semana de junho de 2017. Ao lançar um
novo álbum, a moça estava em campanha promocional de seu disco nos programas de
rádio, Internet e TV quando deu um
piti homérico no programa diário da apresentadora Fátima Bernardes: a mocinha
estava iniciando um dos números de seu repertório quando resolveu dedicar a
canção para aqueles que diziam que “branco não pode cantar samba”. A reação dos
internautas foi imediata – acusaram a jovem artista de “racismo reverso”,
aquele que afirma que o branco é a principal vítima de ataques racistas da
comunidade negra. Uma parcela da crítica musical simpática à moçoila saiu em
defesa de Mallu em nome do velho discurso meritocrático reducionista e
perverso, dizendo que não devemos criticá-la por causa de suas conquistas
extraordinárias. A cereja do bolo dos defensores da Sra. Marcelo Camello é o suposto
fato dela incomodar muita gente por ser supostamente talentosa e bem-sucedida.
Taí uma prova de que o jabá continua a ter um peso enorme até entre os críticos
que se declaram como “independentes”...
Vamos aos fatos:
o samba é a maior expressão de um
povo que foi afastado de sua terra, de seu continente para servir uma penca de
homens brancos que eram detentores de dinheiro, maldade e poder. Cada batucada
carrega a ancestralidade do sofrimento e da luta do povo negro que lutou por
sua sobrevivência e pelos seus direitos em uma sociedade desigual. Todo artista
brasileiro não-negro que entoou um samba tinha ou tem consciência desta
questão: Noel Rosa, Vinícius de Moraes e Chico Buarque, por exemplo, sempre
souberam que tamanha arte nunca se aprende no colégio; Nara Leão, Clara Nunes e
Beth Carvalho sempre tiveram uma enorme reverência pelos povos negros; Maria
Bethânia e Gal Costa, baianas de nascimento, possuem toda a autoridade para
cantar o que existe de melhor lá na Bahia.
Por isso, vejo
com enorme desprazer o piti de Mallu Magalhães, visto que o sempre foi uma
realidade concreta. Acho difícil alguém da classe social e do histórico
artístico de Mally ter noção do histórico de lutas e resistência que fizeram do
samba um dos maiores estandartes de toda uma nação. Tratam-se de batucadas
repletas de oportunismo, com tintas de puro modismo e uma enorme vontade de ser
cult. É preciso muito arroz com
feijoada para ter o estofo de uma Marisa Monte, Roberta Sá ou Maria Rita, que
fazem batucada sem uma ponta de proselitismo.
Desejo que a
bela Maria Luiza, bonitinha (mas ordinária!), possa ter aprendido com a lição
de suas contemporâneas como Pitty e Anitta e entenda o seu lugar de fala como
artista depois deste mico homérico e do linchamento virtual que ainda está
sofrendo. Não porque eu a quero bem, mas principalmente porque eu tenho pavor
de ter o sentimento amargo da vergonha alheia. Diante disto, sigamos com o
bonde! Afinal de contas, temos muitas cantoras muito mais talentosas e que sabem fazer uma batucada de uma responsa sem fim...