ME & MR. LENNON
Algumas
memórias pessoais regadas ao legado de John Lennon
Strawberry Fields (2012) - Foto: Nilton Serra |
“People say I'm lazy
Dreaming my life away
Well they give me all kinds of advice
Designed to enlighten me
When I tell them that I'm doing fine watching shadows
on the wall
‘Don't you miss the big time boy, you're no longer on
the ball?’”
(John Lennon, 1980)
Quando John Lennon foi alvejado pela arma de fogo de um facínora em frente ao Dakota Building, no coração de Nova York, eu ainda não tinha nascido. Lennon foi morto na noite de 8 de dezembro de 1980. Eu nasci em 23 de janeiro de 1981 e “(Just Like) Starting Over” estava em primeiro lugar nas paradas de sucesso das rádios no mundo inteiro. Por culpa de uma margem de erro infeliz, não pude ter a honra de habitar o mesmo universo de um dos artistas mais importantes de todos os tempos. Eis mais um item a ser incluído no ranking das minhas invejas musicais...
Dentre os Beatles, John Lennon foi o
primeiro que atravessou minha vida. Eu tinha de 12 para 13 anos quando uma de
minhas tias-avós nos emprestou um LP que continha os maiores sucessos dos Fab Four e outro que era a coletânea Shaved Fish (1975),
que continham as gravações mais importantes dos primeiros 6 anos de carreira
solo de John. Em poucos dias, canções como “Instant Karma”, “#9 Dream”, “Whatever
Gets You Thru the Night”, “Mind Games”, “Give Peace a Chance” e a incansável “Imagine”
passaram a fazer parte do que eu mais ouvi em quase 4 décadas de vida. Isso
porque eu não mencionei “Merry Xmas (War is Over)”, composta por Lennon e Yoko
Ono (sua eterna companheira na vida e na arte), uma das canções natalinas mais
tocantes de todos os tempos – sim, eu ouço essa canção todo final de ano no
modo repeat com a eterna vontade de
renovação das esperanças para o ano seguinte. Um dia ainda há de dar certo...
Na mesma época, dezembro de 1993,
consegui ouvir Double Fantasy (1980), último disco que Lennon lançou em vida e com aquela capa deslumbrante mostrando John e Yoko na capa, apaixonados e
felizes. Esse LP que apareceu lá em casa, emprestado por não sei quem, também
fez de mim um fã do eterno Beatle . A aparição desse disco na mesma época que
minha tia emprestou os outros vinis são exemplos de situações que somente o
destino consegue oferecer uma explicação. Para minha alegria, ele ficou lá em
casa por um bom tempo, período suficiente para que eu decorasse os versos de
canções como “Woman”, que eu sei de cor até hoje.
Para mim, todo mês de dezembro está
associado à figura de John Lennon. Não somente por causa dos Beatles, ou de Shaved Fish ou Double
Fantasy ou por causa das
lembranças de seu destino insólito que as reportagens especiais resgatam todo
final de ano. Nessa época do ano, prefiro deixar de lado o tradicional catálogo
de canções natalinas para ouvir os clássicos que John deixou para nós e sair
cantando “So this is Christmas / and what
have you done? / Another year over/ And a new one just begun...” por aí sem
pudor nenhum.
Outros episódios marcantes da minha vida
adulta estão intimamente atrelados ao legado de John Lennon. O primeiro deles
foi no final de 2005 quando eu precisei apresentar um seminário em meu último
curso na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde fazia meu Mestrado em
Letras. Um dos capítulos mais interessantes de Paixões
– amores e desamores que mudaram a História, da jornalista e escritora
espanhola Rosa Montero, era justamente sobre o relacionamento de John e Yoko,
marcado por turbulências de todo o tipo – drogas, ciúmes, choques de ego, traições,
idas e vindas e coube a mim a tarefa de fazer a apresentação daquele livro. A coincidência
absurda foi justamente que a minha participação no seminário ocorreu no dia 8
de dezembro de 2005, data que marcava o 25.º aniversário de John Lennon: lá
estava eu a falar sobre um dos meus artistas preferidos no meio acadêmico. Foi uma
conjunção de astros bem interessante e que rendeu conversas bem bacanas sobre o
livro de Rosa e o legado de Lennon.
Outro momento marcante na minha vida
também foi regado à música de John. Quando me mudei do Rio para São Paulo em
março de 2006, precisei me adaptar rapidamente a uma nova cidade, com uma nova
rotina e um emprego difícil. A trilha sonora daqueles dias desafiadores era o
álbum Imagine (1971), um dos maiores sucessos comerciais de toda
a carreira de Lennon, que eu tinha em MP3. Faixas como “It’s So Hard”, “Gimme
Some Truth” e “How?” ajudaram a alegrar meus dias de cão, nos quais eu mal
tinha dinheiro para pegar o ônibus.
Em 2012, já vivendo uma fase
financeira bem melhor, aproveitei um feriado prolongado em meados de novembro
para visitar Nova York, uma das cidades mais incríveis do planeta. Não é
preciso ser um conhecedor profundo da vida e obra de John Lennon para saber que
a sua imagem pós-Beatles se confundia com a Big Apple, lugar que ele escolheu como
lar durante os seus últimos anos de vida. Assim que pisei em terras
norte-americanas, fiz questão de passear pelo Central Park, onde John e Yoko
caminhavam com bastante frequência, no meu primeiro dia nos EUA. Logo depois,
aproveitei para fazer uma parada na frente do Dakota e tirar algumas fotos no Strawberry
Fields, memorial em homenagem a John, não muito distante de lá. Quem diria
que aquele menino de 12 para 13 anos que descobriu a música de John Lennon
graças a três LPs emprestados chegaria tão perto de lugares por onde passou um
dos maiores ídolos da história da música?
Dakota Building (2012) - Foto: Nilton Serra |
O ano de 2020 traz uma marca
melancólica para os admiradores de John Lennon: se estivesse vivo, o ex-Beatle
teria completado 80 anos de idade no dia 9 de outubro. E o dia 8 de dezembro
marca o 40.º aniversário da noite em que começamos a chorar e a amargar sua
partida precoce. Antes de morrer, Lennon vivia uma nova fase a todo vapor:
retornava à carreira artística depois de 5 anos longe dos holofotes, estava
feliz com o álbum que acabara de lançar em parceria com Yoko Ono e planejava
uma turnê mundial.
Graças aos esforços de Yoko e de Sean Lennon (filho do casal), o legado do ex-Beatle se mantém vivo nas memórias e nos corações de muitos fãs ao redor do mundo inteiro. E eu me incluo orgulhosamente entre esses admiradores... Como ele cantou muito bem: “And we all shine on / Like the moon and the stars and the sun”. Que possamos viver cantando e brilhando como a lua, as estrelas e o sol. Sem medo de sermos julgados e sem medo de sermos felizes...