23 de fevereiro de 2017

DISCOS DE VINIL # 21

NEIL YOUNG – TONIGHT’S THE NIGHT (1975)

Não creio na existência de alguém mais produtivo e criativo na história do Rock do que o Sr. Neil Percival Young: são mais de quarenta álbuns em cinco décadas de atividades musicais ininterruptas. Dentre os títulos mais expressivos de sua ampla discografia, estão os três álbuns que compõem a chamada Ditch Trilogy (em português: Trilogia do Fundo do Poço): o ao vivo Time Fades Away (lançado em 15 de outubro de 1973), o irrepreensível On the Beach (lançado em 16 de julho de 1974) e o sombrio Tonight’s the Night (lançado em 20 de junho de 1975).


Apesar de ter desfrutado de enorme (e surpreendente) sucesso com o belíssimo álbum Harvest (1972), Neil Young vivia momentos de profunda tristeza e desespero em meados dos anos 1970: seu relacionamento com sua namorada na época e mãe de seu primeiro filho, a atriz Carrie Snodgress, estava em frangalhos e próximo do fim; Danny Whitten, ex-guitarrista da Crazy Horse (banda que acompanha o cantor e compositor canadense nos palcos até hoje), morrera de uma overdose de heroína no início da década; Bruce Berry, roadie e amigo pessoal de Neil fora encontrado morto por abuso de drogas em junho de 1973, completando o círculo de tragédias pessoais que rondavam o artista. Em meio a tantas notícias ruins, o autor de “Heart of Gold” abusava dos limites de seu organismo ao consumir toda espécie de narcóticos para aliviar toda a dor e o sofrimento, enquanto compunha e produzia com um fervor impressionante.
Último dos três títulos da Ditch Trilogy a vir a público Tonight’s the Night, na verdade, foi o primeiro dos três álbuns a ser produzido. As sessões de gravação que geraram mais de 80% das canções do disco foram realizadas por Neil e os músicos do Santa Monica Flyers (Ben Keith – Guitarra / Nils Lofgren – Piano e Guitarra / Billy Talbot – Baixo / Ralph Molina – Bateria) em Hollywood entre agosto e setembro de 1973. As demais faixas foram gravas entre março de 1970 e dezembro de 1973 no Broken Arrow Ranch (propriedade particular de Young localizada em Redwood City, California, EUA) e em uma apresentação ao vivo feita em Nova York. No entanto, o álbum levou mais de um ano para ser lançado graças a uma decisão tomadas em conjunto por Neil Young e sua gravadora, a Reprise.
Os motivos que devem ter feito com que Tonight’s the Night levassem tanto tempo para ser lançado são plenamente compreensíveis: trata-se da coleção de canções mais pesadas (no sentido psíquico do termo) que um artista jamais poderia ter lançado. A ilustração da capa mostra um Neil Young morbidamente retratado em preto e branco, envolto em um mar de sombras com pouquíssimas (ou nenhuma) chances de encontrar a redentora luz no fim de um infindável túnel de sofrimento. Neil escreveu para este disco os retratos mais cruéis de sua desilusão com os dias pós-movimento hippie, nos quais o idealismo da Contracultura tornou-se uma utopia sem fim. As mortes dos amigos Whitten e Berry fizeram com que as letras fossem influenciadas pela depressão daquele que sobreviveu para testemunhar o desaparecimento repentino de seus pares.
Os versos de “Mellow my Mind”, canção gravada pelo grupo inglês Simply Red no final da década de 1990, resumem com perfeição o espírito depressivo de Tonight’s the Night:

I’ve been down the road
and I’ve come back
Lonesome whistle
on the railroad track
Ain’t got nothing on those feelings
That I had.



A canção que dá o nome ao sétimo álbum solo de Neil Young recebeu duas versões e são elas que aparecem como primeira e última faixas do disco. Neil faz uma ode para o recém-partido Bruce Berry, relatando um episódio típico da rotina corriqueira e cansativa da estrada:

Well, late at night
when the people were gone
He used to pick up my guitar
And sing a song in a shaky voice
That was real as the day was long.


A quinta faixa de Tonight’s the Night foi gravada de um trecho de um show de Neil Young com a Crazy Horse no lendário Fillmore East, casa de shows situada em Nova York, realizado em março de 1970. Neil divide os vocais de “Come on Baby, Let’s Go Downtown” com Danny Whitten (homenageado pelo compositor canadense em uma das mais belas faixas de Harvest, “The Needle and The Damage Done”), canção que expõe as mazelas do vício em drogas, ignorando qualquer possibilidade de diversão:

Sure enough,
They’ll be sellin’ stuff
When the moon begins to rise
Pretty bad when
you’re dealin’ with the man
And the light shines in your eyes.



Em meio à solidão inevitável de um sobrevivente que segue seu caminho sem encontrar nenhuma espécie de amor, Neil Young deixa bastante evidente a sua necessidade de falar, de forma que ele possa expor seus conflitos e encará-los frente a frente. “Speaking Out”, segunda faixa do álbum, trata justamente deste fato:

I’ve been a searcher, I’ve been a fool
But I’ve been a long time comin’ to you
I’m hopin’ for your love to carry me through
You’re holdin’ my baby, and I’m holdin’ you
And it’s all right.


No entanto, viver em um mundo completamente tomado pela dor e pela melancolia tornou-se uma tarefa extremamente dolorosa para Neil Young na primeira metade da década de 1970. “World on a String” e “Borrowed Tune” (terceira e quarta faixas de Tonight’s the Night) apontam a ausência de esperanças em um momento de plena exaustão, de crise desesperadora, na qual a música dos Rolling Stones serve de inspiração para combater a solidão reinante:

It’s not all right
to say goodbye,
And the world on a string
Doesn’t mean a thing.
(“World on a String”)


I’m singin’ this borrowed tune
I took from the Rolling Stones,
Alone in this empty room
Too wasted to write my own.
(“Borrowed Tune”)


“Lookout Joe”, gravada em dezembro de 1972, é um encontro de Neil Young com o grupo The Stray Gators, que participou das gravações de Harvest. As guitarras em fúria de Neil e de Ben Keith encontram os pianos do tecladista e arranjador Jack Nitzche, resultando em uma das melhores faixas de Tonight’s the Night. A letra elenca típicos personagens junkies em uma tragédia pós-hippie (“a hip drag queen”, “a side walkin’ streetwheeler”, “Millie from down in Philly” e “Bill from up the hill”) que parecem ter saído do universo de sexo, drogas e paranoias ilusórias tão bem cunhadas por Lou Reed em Transformer (1972). Se, em certos momentos, Reed optou por um olhar paródico-corrosivo do underground, Young estilhaça sem dó o saudosismo em acordes furiosos de guitarra:

Lookout Joe, you’re comin’ home
Old times were good times
Old times were good times.


Neil ao lado da Crazy Horse em 1975

Ao ouvirmos as canções do sétimo álbum de Neil Young, temos a impressão de que ele não apenas possuía o desejo de prestar um tributo aos que foram embora cedo demais por causa das drogas, como também era um pedido de socorro ou um alerta aos ainda presentes de que havia perigos implacáveis a nos espreitar. “Tired Eyes”, a penúltima faixa de Tonight’s the Night, versa sobre este conflito:

Well, it wasn’t
supposed to go
down that way
But they burned his brother,
you know,
And they left him lying
in the driveway.
They let him down with nothin’
He tried to do his best
but he could not.


A saída para os conflitos e o sofrimento, de acordo com Neil Young, consiste em colocar o pé na estrada, fugir das tentações e sair em busca do tão cobiçado conforto nos braços da pessoa amada ou na independência tão desejada. “New Mama”, “Roll Another Number” e “Albuquerque” são exemplos dos quais Neil parece ir em busca de um idílio em meio à loucura inevitável:

New Mama’s got a sun in her eyes
No clouds are in my changing skies
Each morning when I wake up to rise
I’m livin’ in a dreamland.
(“New Mama”)


It’s too dark
to put the Keys
in my ignition,
And the mornin’ sun is yet
to climb my hood ornament.
But before too long I might
see those flashing red lights
Look out, mama,
‘cause I’m comin’ home tonight.
(“Roll Another Number”)



I’ve been flyin’
down the road
And I’ve been starvin’ to be alone,
And independent from the scene
that I’ve known
Albuquerque.
(“Albuquerque")



O disco se encerra com a segunda versão de “Tonight’s the Night”, que chega a ser ainda mais pesada do que a versão da abertura. Podemos interpretar esta escolha de Neil como um exemplo de que a vida é feita de círculos que repetem a mesma série de conflitos e fantasmas a nos assombrar intensamente. O testemunho musical oferecido por Neil Young aponta um beco com pouquíssimas saídas, entretanto ainda existe beleza em meio a dor e ao sofrimento que brotam das trevas e da escuridão.



Para que você, leitor e ouvinte, possa desfrutar de tudo isto, ouça abaixo Tonight’s the Night e embarque na noite sem fim de Neil Percival Young, um dos músicos mais brilhantes da história do Rock.