NEIL YOUNG – TONIGHT’S THE NIGHT (1975)
Não creio na existência de alguém
mais produtivo e criativo na história do Rock do que o Sr. Neil Percival Young:
são mais de quarenta álbuns em cinco décadas de atividades musicais
ininterruptas. Dentre os títulos mais expressivos de sua ampla discografia, estão
os três álbuns que compõem a chamada Ditch Trilogy (em português: Trilogia do Fundo do Poço): o ao vivo Time Fades Away (lançado
em 15 de outubro de 1973), o irrepreensível On the Beach (lançado em 16 de julho de 1974) e o sombrio Tonight’s the Night (lançado
em 20 de junho de 1975).
Apesar de ter desfrutado de enorme (e
surpreendente) sucesso com o belíssimo álbum Harvest (1972), Neil
Young vivia
momentos de profunda tristeza e desespero em meados dos anos 1970: seu
relacionamento com sua namorada na época e mãe de seu primeiro filho, a atriz
Carrie Snodgress, estava em frangalhos e próximo do fim; Danny Whitten,
ex-guitarrista da Crazy Horse (banda que acompanha o cantor e compositor
canadense nos palcos até hoje), morrera de uma overdose de heroína no início da
década; Bruce Berry, roadie e amigo
pessoal de Neil fora encontrado morto por abuso de drogas em junho de 1973,
completando o círculo de tragédias pessoais que rondavam o artista. Em meio a
tantas notícias ruins, o autor de “Heart of Gold” abusava dos limites de seu
organismo ao consumir toda espécie de narcóticos para aliviar toda a dor e o
sofrimento, enquanto compunha e produzia com um fervor impressionante.
Último dos três títulos da Ditch Trilogy a vir a público Tonight’s the Night, na verdade, foi o primeiro dos três álbuns a ser produzido. As sessões
de gravação que geraram mais de 80% das canções do disco foram realizadas por
Neil e os músicos do Santa Monica Flyers (Ben Keith – Guitarra / Nils Lofgren –
Piano e Guitarra / Billy Talbot – Baixo / Ralph Molina – Bateria) em Hollywood
entre agosto e setembro de 1973. As demais faixas foram gravas entre março de
1970 e dezembro de 1973 no Broken Arrow Ranch (propriedade particular de Young
localizada em Redwood City, California, EUA) e em uma apresentação ao vivo
feita em Nova York. No entanto, o álbum levou mais de um ano para ser lançado
graças a uma decisão tomadas em conjunto por Neil Young e sua gravadora, a
Reprise.
Os motivos que devem ter feito com
que Tonight’s
the Night levassem tanto tempo para ser lançado são plenamente
compreensíveis: trata-se da coleção de canções mais pesadas (no sentido
psíquico do termo) que um artista jamais poderia ter lançado. A ilustração da
capa mostra um Neil Young morbidamente retratado em preto e branco, envolto em
um mar de sombras com pouquíssimas (ou nenhuma) chances de encontrar a
redentora luz no fim de um infindável túnel de sofrimento. Neil escreveu para
este disco os retratos mais cruéis de sua desilusão com os dias pós-movimento
hippie, nos quais o idealismo da Contracultura tornou-se uma utopia sem fim. As
mortes dos amigos Whitten e Berry fizeram com que as letras fossem influenciadas
pela depressão daquele que sobreviveu para testemunhar o desaparecimento
repentino de seus pares.
Os versos de “Mellow my Mind”, canção
gravada pelo grupo inglês Simply Red no final da década de 1990, resumem com
perfeição o espírito depressivo de Tonight’s the Night:
I’ve been down the road
and I’ve come back
Lonesome whistle
on the railroad track
Ain’t got nothing on those feelings
That I had.
and I’ve come back
Lonesome whistle
on the railroad track
Ain’t got nothing on those feelings
That I had.
A canção que dá o nome ao sétimo
álbum solo de Neil Young recebeu duas versões e são elas que aparecem como
primeira e última faixas do disco. Neil faz uma ode para o recém-partido Bruce
Berry, relatando um episódio típico da rotina corriqueira e cansativa da
estrada:
Well, late at night
when the people were gone
He used to pick up my guitar
And sing a song in a shaky voice
That was real as the day was long.
when the people were gone
He used to pick up my guitar
And sing a song in a shaky voice
That was real as the day was long.
A quinta faixa de Tonight’s the Night foi
gravada de um trecho de um show de Neil Young com a Crazy Horse no lendário
Fillmore East, casa de shows situada em Nova York, realizado em março de 1970.
Neil divide os vocais de “Come on Baby, Let’s Go Downtown” com Danny Whitten
(homenageado pelo compositor canadense em uma das mais belas faixas de Harvest,
“The Needle and The Damage Done”), canção que expõe as mazelas do vício em
drogas, ignorando qualquer possibilidade de diversão:
Sure enough,
They’ll be sellin’ stuff
When the moon begins to rise
Pretty bad when
you’re dealin’ with the man
And the light shines in your eyes.
They’ll be sellin’ stuff
When the moon begins to rise
Pretty bad when
you’re dealin’ with the man
And the light shines in your eyes.
Em meio à solidão inevitável de um
sobrevivente que segue seu caminho sem encontrar nenhuma espécie de amor, Neil
Young deixa bastante evidente a sua necessidade de falar, de forma que ele
possa expor seus conflitos e encará-los frente a frente. “Speaking Out”,
segunda faixa do álbum, trata justamente deste fato:
I’ve been a searcher, I’ve been a fool
But I’ve been a long time comin’ to you
I’m hopin’ for your love to carry me through
You’re holdin’ my baby, and I’m holdin’ you
And it’s all right.
But I’ve been a long time comin’ to you
I’m hopin’ for your love to carry me through
You’re holdin’ my baby, and I’m holdin’ you
And it’s all right.
No entanto, viver em um mundo
completamente tomado pela dor e pela melancolia tornou-se uma tarefa
extremamente dolorosa para Neil Young na primeira metade da década de 1970.
“World on a String” e “Borrowed Tune” (terceira e quarta faixas de Tonight’s the Night) apontam a ausência de esperanças em um momento de plena exaustão, de
crise desesperadora, na qual a música dos Rolling Stones serve de inspiração
para combater a solidão reinante:
It’s not all right
to say goodbye,
And the world on a string
Doesn’t mean a thing.
to say goodbye,
And the world on a string
Doesn’t mean a thing.
(“World on a
String”)
I’m singin’ this borrowed tune
I took from the Rolling Stones,
Alone in this empty room
Too wasted to write my own.
I took from the Rolling Stones,
Alone in this empty room
Too wasted to write my own.
(“Borrowed
Tune”)
“Lookout Joe”, gravada em dezembro de
1972, é um encontro de Neil Young com o grupo The Stray Gators, que participou
das gravações de Harvest. As guitarras em fúria de Neil e de Ben Keith
encontram os pianos do tecladista e arranjador Jack Nitzche, resultando em uma
das melhores faixas de Tonight’s the Night. A letra elenca típicos personagens junkies em uma tragédia pós-hippie
(“a hip drag queen”, “a side walkin’ streetwheeler”, “Millie from down in
Philly” e “Bill from up the hill”) que parecem ter saído do universo de sexo,
drogas e paranoias ilusórias tão bem cunhadas por Lou Reed em Transformer
(1972). Se, em certos momentos, Reed optou por um olhar paródico-corrosivo do
underground, Young estilhaça sem dó o saudosismo em acordes furiosos de
guitarra:
Lookout Joe, you’re comin’ home
Old times were good times
Old times were good times.
Old times were good times
Old times were good times.
Ao ouvirmos as canções do sétimo
álbum de Neil Young, temos a impressão de que ele não apenas possuía o desejo
de prestar um tributo aos que foram embora cedo demais por causa das drogas,
como também era um pedido de socorro ou um alerta aos ainda presentes de que
havia perigos implacáveis a nos espreitar. “Tired Eyes”, a penúltima faixa de Tonight’s the Night, versa sobre este conflito:
Well, it wasn’t
supposed to go
down that way
But they burned his brother,
you know,
And they left him lying
in the driveway.
They let him down with nothin’
He tried to do his best
but he could not.
supposed to go
down that way
But they burned his brother,
you know,
And they left him lying
in the driveway.
They let him down with nothin’
He tried to do his best
but he could not.
A saída para os conflitos e o
sofrimento, de acordo com Neil Young, consiste em colocar o pé na estrada,
fugir das tentações e sair em busca do tão cobiçado conforto nos braços da
pessoa amada ou na independência tão desejada. “New Mama”, “Roll Another
Number” e “Albuquerque” são exemplos dos quais Neil parece ir em busca de um
idílio em meio à loucura inevitável:
New Mama’s got a sun in her eyes
No clouds are in my changing skies
Each morning when I wake up to rise
I’m livin’ in a dreamland.
No clouds are in my changing skies
Each morning when I wake up to rise
I’m livin’ in a dreamland.
(“New Mama”)
It’s too dark
to put the Keys
in my ignition,
And the mornin’ sun is yet
to climb my hood ornament.
But before too long I might
see those flashing red lights
Look out, mama,
‘cause I’m comin’ home tonight.
to put the Keys
in my ignition,
And the mornin’ sun is yet
to climb my hood ornament.
But before too long I might
see those flashing red lights
Look out, mama,
‘cause I’m comin’ home tonight.
(“Roll
Another Number”)
I’ve been flyin’
down the road
And I’ve been starvin’ to be alone,
And independent from the scene
that I’ve known
Albuquerque.
down the road
And I’ve been starvin’ to be alone,
And independent from the scene
that I’ve known
Albuquerque.
(“Albuquerque")
O disco se encerra com a segunda
versão de “Tonight’s the Night”, que chega a ser ainda mais pesada do que a
versão da abertura. Podemos interpretar esta escolha de Neil como um exemplo de
que a vida é feita de círculos que repetem a mesma série de conflitos e
fantasmas a nos assombrar intensamente. O testemunho musical oferecido por Neil
Young aponta um beco com pouquíssimas saídas, entretanto ainda existe beleza em
meio a dor e ao sofrimento que brotam das trevas e da escuridão.
Para que você, leitor e ouvinte,
possa desfrutar de tudo isto, ouça abaixo Tonight’s the Night e
embarque na noite sem fim de Neil Percival Young, um dos músicos mais
brilhantes da história do Rock.