“Where
were you in ’72?”
Ao
querido Fabio Bridges e tantos
outros que viveram
(ou quiseram ter vivido) intensamente o ano de 1972.
A
pergunta que aparece aí no título está em aspas foi vista por mim pela
primeiríssima vez na bolsa de uma bela Professora de Espanhol que já trabalhou
comigo. É algo que eu adoraria responder, porém infelizmente não estava em
lugar algum quando o mundo viveu os ocorridos no ano de 1972 depois de Cristo.
Sou um filho dos anos 1980 e carrego nas minhas memórias afetivas (quase) tudo
que se produziu nesta década, mas principalmente o que se sucedeu antes de
1981, ano em que eu nasci.
Um
pouco complicado? Muito bem, vamos explicar...
Sempre
fui fascinado por tudo de bom e de ruim que os anos 1970 produziram em termos
musicais para a humanidade. Tenho um enorme respeito (e uma inveja declarada,
obviamente...) por aqueles que viveram “esta década mucho louca”. Ouço histórias desta época com um prazer redobrado e
cansei de pesquisar o que já se sabe sobre o período – com toda a modéstia,
isso não significa que sei tanto quanto outras pessoas que se encontram por
aí... Antes que surja a pergunta, eu já respondo: sim, eu queria ter vivido nos
anos 1970. Volta e meia eu me imagino vestindo calças boca de sino e sapatos
masculinos de salto alto, com aquelas roupas nada discretas e aquele hairdo bem típico daqueles dias –
lembrando apenas que gosto é algo que não se discute. Como não resolveram
conceder asas a esta cobra que aqui vos escreve, vamos disseminar a
informação...
*
Se
existe um ano nesta década que definiu de uma vez por todas o panorama musical
do planeta, não temos a menor sombra de dúvidas de que foi o ano de 1972 o
responsável por uma série de revoluções na música do Brasil e do planeta. Por
isso, vamos trazer 10 exemplos deste fato a partir de já:
10)
James Taylor – One Man Dog
One Man Dog,
quarto álbum de James Taylor, é um dos títulos mais raros de sua discografia.
Seu folk rock, seus “la-la-las” e
suas canções (algumas mini-suítes
instrumentais, alguns rocks e as
belas baladas de sempre!) estão muito bem assessorados pela produção eficiente
de Peter Asher e por seus fiéis músicos de apoio: Danny Kortchmar (Guitarras),
Clarence McDonald (Pianos e Teclados), Lee Sklar (Baixo) e Russell Kunkel
(Bateria). Além disso, o disco conta com as colaborações valiosas de músicos
tarimbados como Michael Brecker (Sopros), Carole King (Pianos) e as cantoras
Linda Ronstadt e a ex-esposa Carly Simon nos vocais de apoio.
One Man Dog é o álbum que marca o amadurecimento
musical de Taylor. A imagem do cantor, mais polida e menos descontraída, casa
com letras mais realistas e influenciadas pelas drogas (o cantor foi usuário de
drogas por muitos anos, um dos motivos que arruinaram seu primeiro casamento). Se
apenas ouvirmos pérolas como “Don’t Let Me Be Lonely Tonight” já temos motivos
para elegermos James Taylor como um dos músicos mais brilhantes de sua
geração... Um clássico que devemos resgatar e ouvir mais!
9)
Transa – Caetano Veloso
Depois
de viver quase três anos exilado em Londres ao lado de Gilberto Gil, Caetano
Veloso retornou definitivamente ao Brasil em janeiro de 1972. Além de trazer
muita saudade, o “Mano Caetano” trouxe na bagagem um dos discos mais cultuados
de sua extensa discografia: Transa,
cuja capa traz uma imagem do cantor já atualizada para os padrões da época –
com um look bastante andrógino, a imagem Caetano está envolta por uma moldura
vermelha e com dizeres que se assemelham às fontes tipográficas utilizadas
pelos Concretistas anos antes.
O
time de músicos escalados para este disco é estelar: Gal Costa (Vocais de
Apoio), Jards Macalé (Violões), Tutty Moreno (Bateria), o produtor (e
violonista!), Perinho Albuquerque e uma ainda desconhecida Angela Ro Ro – na
época, também vivendo em Londres – tocando uma discreta gaita na última faixa
do disco. Já as sete canções gravadas para este disco mesclam Português e
Inglês, letras originais, pontos de macumba e poemas barrocos adaptados para o
formato canção. Tudo isto sob o olhar
cinematográfico com algumas pitadas filosóficas do arauto do Tropicalismo.
“You
Don’t Know Me”, “Nine Out Of Ten”, “Nostalgia (That’s What Rock ‘n’ Roll Is All
About) e “Triste Bahia” são amostras de que, apesar de Caetano Veloso se utilizar
de palavras de outro idioma para se expressar, a arte deste mestre da canção soava
mais brasileira como nunca tinha soado até aquele momento...
A
carreira da Pimentinha tomou um rumo definitivo a partir do disco lançado por
ela em 1972. O repertório deste Elis
é mais político e a concepção musical ficou a cargo de César Camargo Mariano
(que modernizou o som da Musa do Beco das Garrafas). O canto da artista está
mais contido e menos exagerado como em trabalhos anteriores – sua voz estava no
auge da forma e emocionava milhões de brasileiros como nunca tinha feito
anteriormente.
Este disco já
nasceu clássico simplesmente porque lançou canções inéditas até então como
“Águas de Março” (Antônio Carlos Jobim), “Nada Será Como Antes” (Milton
Nascimento & Ronaldo Bastos), “Casa no Campo” (Zé Rodrix & Tavito), “20
Anos Blue” (Sueli Costa & Vitor Martins) e a obra-prima da parceria de
Chico Buarque e Francis Hime: “Atrás da Porta”. Esta última gravação em
especial foi tão emblemática que fez de Elis Regina Carvalho Costa a
estrela-guia das cantoras brasileiras. Elis é um trabalho essencial para
aqueles que querem se iniciar na obra de uma das maiores artistas deste país.
O
título deste LP – editado em CD recentemente – pode enganar os ouvintes mais
desavisados da filha cantora de Dona Canô. O Drama que Maria Bethânia lançou em 1972 (no ano seguinte, a Philips
lançou Drama: Luz da Noite – gravação
ao vivo do show deste disco) é um disco corajoso, arrojado e ousadíssimo para
os padrões da época – mérito dos arranjos e produção de Perinho Albuquerque,
produtor de vários trabalhos dos Velhos Baianos durante a década de 1970.
Do
ponto de umbanda até a faixa-título (composta por Caetano Veloso em homenagem à
irmã), Bethânia canta o melodrama presente no cancioneiro brasileiro – “Bom
Dia” (Aldo Cabral & Herivelto Martins), “Volta por Cima” (Paulo Vanzolini), “Maldição” (Alfredo Duarte &
Armando Vieira Pinto) –, o samba do recôncavo de Batatinha – “O Circo” –,
pérolas de futuros malditos da MPB como Luiz Melodia e Jards Macalé, além de
uma composição própria em parceria com o Mano Caetano (“Trampolim”). É um disco
político sem deixar de ser poético. Moderno sem deixar de estar calcado na
tradição. E acima de tudo, um disco que revela o essencial da arte de Maria
Bethânia Viana Telles Veloso.
6) Stevie Wonder – Talking
Book
Em
1972, “Mr. Maravilha” já tinha deixado de ser o Little Stevie que seguia a
cartilha musical da gravadora Motown. Este “livro
falante” não era apenas o grito de independência artística definitivo de um
gênio, como acabou se tornando uma das peças fundamentais da obra de Stevie
Wonder e da música mundial.
Entre
baladas de amor (“You Are The Sunshine Of My Life”, “You And I”) e grooves
sensacionais (“Superstition”, “Tuesday Heartbreak”) e algumas pitadas de
discurso político contra os EUA da época (“Big Brother”), Talking Book é uma experiência musical quarentona que não distingue
sexo, cor ou idade, tal qual qualquer obra-prima...
5) Gilberto Gil – Expresso 2222
O
ano de 1972 foi um ano felicíssimo para a música brasileira. O retorno de
Gilberto Gil ao território brasileiro depois de quase três anos de exílio em
Londres foi comemorado por muitos de nós. O Brasil ainda penava com os males da
ditadura militar de Médici e seus comparsas, enquanto a classe musical ia obtendo
seu ganha-pão graças a muitos jogos de palavras, metáforas e irreverência.
O
Expresso de Gil, tão enriquecido de
sons, versos e ritmos tal qual o “livro falante” de Stevie Wonder, é uma
verdadeira aula de música brasileira. O filho de D. Claudina queria nos levar
para o futuro, porém cabe aqui a seguinte pergunta: que futuro seria este? Resposta: um tempo no qual a música deste país
consegue conviver com diversas tendências da cena internacional sem deixar de
se pautar no melhor da nossa tradição musical, com um discurso despudoradamente
místico e alegre. Canções como “Back in Bahia”, “Oriente” e as regravações de “Sai
do Sereno”, “Chiclete com Banana” e “Cada Macaco no Seu Galho (Chô, Chuá) são
provas não apenas disto, como também do que a máquina de ritmo de Gil sabe fazer de melhor: música de qualidade!
4)
Carly Simon – No Secrets
Para
o seu 3.º disco solo, Ms. Simon decidiu ir em busca do melhor produtor musical
do ramo naqueles idos de 1972 – Richard Perry, que já tinha trabalhado até
aquele momento com nomes de altíssimo peso (Ella Fitzgerald, Fats Domino,
Barbra Streisand, Harry Nilsson) do mundo musical. Gravado em Londres, No Secrets teve a presença de músicos
ilustríssimos: Mick Jagger canta os vocais de apoio de “You’re So Vain”, o casal
Paul & Linda McCartney deram um canja de altíssimo peso em “Night Owl”, James
Taylor – na época, namorado de Simon – fez várias pontas neste disco.
Este
disco reúne o melhor repertório da filha de Richard Simon (co-fundador da Simon
& Schuster, uma gigante empresa do mercado editorial norte-americano) em
mais de 40 anos de carreira: o lirismo de “The Right Thing To Do”, “Embrace Me,
You Child” e “When You Close Your Eyes” contrasta com a (leve) acidez contida
em “It Was So Easy”, “The Carter Family”, “His Friends Are More Than Fond Of
Robin”, “(We Have) No Secrets” e o mega clássico “You’re So Vain”. Com exceção
da identidade do muso inspirador desta última faixa (Jagger? Taylor? Kris Kristofferson?
Warren Beatty?), Carly Simon não tinha segredos para esconder de seu público. Ainda bem...
3) David Bowie – The
Rise & Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars
Até
1972, o autor deste disco era um mero cantor que tinha um futuro musical
promissor. A partir de Ziggy Stardust...,
David Bowie se tornou um rockstar de
primeiríssima grandeza.
Tendo
Mick Ronson como seu fiel escudeiro, Bowie arquitetou sua obra-prima e lançou
várias das faixas deste disco para a história – “Starman”, “Soul Love”, “Suffragette
City” e a faixa título se tornaram obrigatórias em várias turnês seguintes do
astro. A intensidade que David Bowie imprimiu ao seu melhor personagem foi tanta
que, ao final da turnê, Ziggy precisava ser morto de forma que a arte não se
sobrepusesse à vida. As saudades dos fãs são muitas, todavia foi uma decisão acertada
de Mr. David Jones, afinal, ele queria encontrar novas (e mais desafiadoras)
maneiras de ser eterno. E, pelo
visto, trabalhos posteriores como Young
Americans (1975), a trilogia Low –
Heroes – Lodger (1977-1979), Let’s
Dance (1983), Outside (1995), Earthling (1997), ‘Hours...’ (2000) e Reality (2003)
conseguiram renovar a figura mítica em torno deste artista tão singular, porém
sem o mesmo charme de The Rise & Fall
of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars.
O
que é, o que é? Um grupo de desbundados com muitas ideias musicais na cabeça
vivendo em uma comunidade hippie e
que resolve misturar João Gilberto, Jimi Hendrix e o melhor da nossa tradição
musical com algumas pitadas do que os tropicalistas nos ensinaram? Se você
pensou nos Novos Baianos e o seu segundo disco, Acabou Chorare, acertaste em cheio!
Durante
os anos da ditadura militar brasileira, o jovem que queria se rebelar contra o
sistema tinha duas parcas opções: ou ele decidia pegar em armas e se debater
com os milicos na rua, ou então, decidia se tornar um junkie e automaticamente
riscava do seu dicionário todos aqueles ideais de “Brasil: País do Futuro” ou
“Brasil: Ame ou Deixe-o” para curtir os astros e demais curtições através de
ácidos, pílulas e várias baforadas da erva maldita! Baby Consuelo (convertida, hoje em dia, na “Popstora” Baby do Brasil), Moraes
Moreira, Pepeu Gomes e Galvão eram os embaixadores de uma nova ordem musical e
lideravam um grupo de músicos gigantesco e foram as peças fundamentais não
apenas de algo novo que surgia, como também de uma parcela da juventude
brasileira que discordava, a seu modo, do que acontecia no Brasil de 1972
através do uso indiscriminado de substâncias ilícitas e de uma criatividade
musical e poética sem tamanho.
Enquanto
Caetano e Gil (já considerados como velhos baianos, vejam só!) ainda não davam as
caras por aqui, os Novos Baianos decidiram buscar em João Gilberto referências
de uma “linha evolutiva” que foi interrompida com o sufocamento do Tropicalismo
e fizeram de canções como “Mistério do Planeta” (Morais & Galvão), “Besta é Tu” (Morais, Galvão & Pepeu Gomes), “Preta Pretinha” (Morais & Galvão), “Brasil
Pandeiro” (Assis Valente), “Tinindo Trincando” (Morais & Galvão) e a faixa-título obras-primas da canção
brasileira. Acabou Chorare é um disco
para ser ouvido não apenas como uma referência do pensamento do Brasil em 1972,
mas como um dos gritos de liberdade mais originais que o planeta já ouviu...
1) The Rolling Stones – Exile On Main Street
Em
1972, os ingleses Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts, Bill Wyman e Mick
Taylor eram nada mais, nada menos do que um grupo de músicos sem pátria tocando
em uma banda que vivia à beira da separação. Um tanto radical? Sim. Porém, não
havia jeito... Ao contrário de vários brasileiros, que tiveram que buscar
exílio na França para escapar da repressão política, os Rolling Stones
resolveram se instalar na Riviera Francesa para fugir do cerco do fisco do Reino
Unido. Um casarão lúgubre de Villa Nellcote foi o berço de um dos álbuns mais
controvertidos e discutidos de toda a história: Exile On Main Street, disco que ocupa o topo deste TOP 10 afetivo.
Quando
Exile foi lançado como LP duplo, em
meados de 1972, quase ninguém (para não dizer nenhuma viva alma!) entendeu o
que os Stones tinham a dizer. Várias críticas foram bastante negativas ao disco
que, hoje em dia, é visto por fãs, especialistas (e pelos próprios músicos) como
“a obra-prima do grupo”. Em 18 pérolas originais (e mais algumas inéditas que
foram lançadas em uma edição especial de 2010), notamos como Mick Jagger estava
no auge de sua forma vocal (estourando as cordas vocais de tanto cantar alto,
feito que nem o próprio conseguiu igualar anos depois!); Keith Richards e Mick
Taylor faziam de seus riffs e solos
de guitarra verdadeiros arsenais de artilharia sonora; Bill Wyman e Charlie
Watts eram a cozinha mais elegante e completa do Rock ‘n’ Roll com a imbatível parceria entre baixo e bateria; Os
músicos de apoio não ficavam atrás dos membros da banda porque eram de uma
eficiência sem tamanho: Nicky Hopkins nos pianos e outras teclas de todos os
tipos, Bobby Keyes e Jim Price davam a elegância dos sopros à maioria das
faixas do disco, as vocalistas de apoio Venetta Fields e Clydie King (negras,
evidentemente!) davam o apoio essencial à voz de Sir Jagger e ao som afro-americano dos Rolling Stones.
A
capa do disco mostra uma quantidade diversa de universos paralelos – são fotos
em preto e branco de pessoas anônimas misturadas a Jagger e o seu olhar de
eterno desdém; Richards e sua aura de pirata; Watts, Wyman e Taylor como os
coadjuvantes necessários para que todas as pedras rolem juntas pelos ouvidos
das pessoas. Canções sobre sexo, delírios, jogatinas, política, desilusões
amorosas, esperanças perdidas e tantas outras que poderiam ser encontradas em
algum verso menos óbvio de Exile On Main
Street. Não se trata de um disco para ouvir uma faixa ou duas, é um disco
para se ouvir inteiro num sábado de manhã e com o volume bem alto! Para o bem
dos Stones, Jagger, Richards & Cia. conseguiram fazer do amargor do exílio
uma obra imprescindível para a história da música do planeta. Por isso, ouça-o!
*
Voltando
a pergunta do post de hoje, eu não
sei onde eu estava em 1972, mas sei que os caras que estão aqui hoje estavam no
ápice de suas carreiras no decorrer deste ano. Seus acordes ressoam como nunca
40 anos depois. E se depender deste blog
travestido de máquina do tempo, as notas continuarão ressoando...
Só pra te deixar com inveja: em 1972 eu tava comprando e ouvindo muitos desses discos aí... A capa do Transa, montada como objeto, enfeitou meu quarto por muito tempo... Pelo menos pra alguma coisa serve a gente ser velha, né? Beijos e obrigada pelo post delicioso!
ResponderExcluir