A ARTE DO DESENCONTRO
Vinícius (não este quem vos escreve),
o Poeta, proclamou que viver é a arte do encontro, apesar da quantidade
infindável de desencontros que existem nesta vida. Aos contatos positivos,
chamamos de encontros. Aos negativos, tratam-se de infelizes acidentes de
percurso. Como toda caminhada tem direito ao seu fim, o mesmo deve acontecer
com os encontros e os acidentes de percurso. Daí, os desencontros: alguns se
fazem necessários para a nossa evolução enquanto seres humanos; outros não necessariamente, pois deixam de nos agregar qualquer tipo de valor positivo...
Desenlaces me provocam reações das
mais variadas: risos de alívio em alguns momentos, choros de amargura em outros, um ódio mortal e uma vontade de esfregar umas duas ou três verdades na cara do desafeto em questão,
além da inevitável sensação de libertação de algo que deixa de fazer parte do
seu cotidiano. Chorar a perda de algo é até importante, sofrer por alguns dias
a dor do desenlace também é relevante. Viver em estágio de sofrimento constante
por causa daquilo que já foi é inconcebível. É como a velha a roupa que um dia
foi colorida e hoje é um mero conjunto de cores desbotadas manchando um pano
velho: fantasma de um passado de glória...
Em um mundo no qual convivemos com
seres humanos o tempo todo, torna-se impossível não colhermos dissabores pelo
caminho. A interação humana também se dá na base da frustração. Os infelizes
acidentes nos trazem obstáculos que nos obrigam a extrair limonadas saborosas
de limões podres. Certos encontros - que um dia nos proporcionaram coisas boas e podem deixar de nos trazer carinho e conforto - provocam profundas decepções.
As decepções surgem de onde menos
esperamos: elas surgem de uma presença amigável, aparentemente inofensiva e que
supostamente te quer bem. São estas falhas graves que nos trazem cicatrizes
profundas na alma. A cicatrização, por vezes, é lenta. No entanto, ela precisa
ser feita aos poucos e de forma gradual, sem olhar para trás...
Cole Porter, autor de algumas das
canções mais belas que este mundo já ouviu, dizia que nós morremos um pouco
quando dizemos adeus. Não consigo discordar de tamanha inteligência a respeito
do comportamento humano. Chorar e pensar nos porquês de dizermos adeus nos
ajudam com a cicatrização, por mais estranhas que as mudanças possam nos parecer.
É através da dor que aprendemos as maiores lições de vida e de onde podemos nos
expressar da maneira mais íntegra e coerente com os nossos princípios.
Patti Smith, por exemplo, retratou o
impacto da perda repentina e precoce de seu marido, Fred "Sonic"
Smith, em uma das canções mais singelas e líricas que ela jamais escreveu. Em
"My Madrigal", Patti deixa de ser a Musa dos Punks para se converter
uma mulher que acreditava no amor "até que a morte nos separassem".
Já o pianista e compositor Antônio Adolfo,
em entrevista recente, confidenciou que sua famosa canção "Teletema"
também retrata a despedida de alguém que se foi inesperadamente. Neste caso,
uma ex-namorada do próprio Adolfo, falecida em um acidente de carro. Uma
maneira bastante simples, delicada e singela de se despedir de um encontro
memorável. Djavan, por outro lado, fez um samba memorável para celebrar a suposta
perda de um amor: “Flor de Lis” (a única canção que me encanta em seu
cancioneiro), é de uma tristeza tão absurda, mas tão absurda que emociona o
maior dos insensíveis...
Por outro lado, os acidentes de
percurso devem ser celebrados em grande estilo quando eles deixam de cruzar o
nosso caminho. Uma das interpretações mais notáveis de Frank Sinatra, "One
for My Baby (And One More for The Road)", reproduz uma conversa imaginária
entre um homem abandonado por uma mulher e um barman. O que resta a um ser
humano, deixado de lado por uma paixão avassaladora, por volta de três horas da
manhã quando tudo o que lhe resta é chorar o abandono? Pedir mais uma dose
dupla e compartilhar as mágoas com alguém para que a longa estrada seja menos
pesarosa de se trilhar.
Porter, Patti e Adolfo falaram da
despedida de um encontro. Sinatra se refere a um mero acidente de percurso que
deixa de existir. Chorar diante de ambos os tipos de desenlace é estritamente
normal. Fazer com que a saudade e a decepção deixem de nos atormentar através
da melancolia e do rancor é praticar a arte do desencontro.
Compartilho do mesmo pensamento do
qual o Poetinha dizia sobre si mesmo diante da vida: "Morro ontem" e
"Nasço amanhã". Como a arte do desencontro é um jogo, por vezes
muitíssimo perverso, o segredo para que sejamos bons jogadores é que possamos a
aprender a jogá-lo: espero aprender a fazer isto bem um dia...
Enquanto isso, eu festejo o fato de que, tal qual o Poeta de quem eu herdei o mesmo nome, não ando só. Sempre estarei em boa companhia. Primeiramente, a companhia imprescindível da minha presença e da minha paz de espírito...
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