22 de dezembro de 2014

TROVA # 42

O Último Sopro de Bobby Keys

Bobby Keys (1943-2014)

 “If you believe in the magic of Rock & Roll, which I devoulty do, it isn’t in the individual. I’ve played in bands with A-team players around. But unless they can play together, it doesn’t do any good. And you can take guys who may not stand on their own up against a bunch of individuals they might be compared to, but you put’em together man, and they are unique unto themselves in a way that no one else can touch. You can get the finest A-team musicians in the world, put’em together, and there’s no guarantee it’s gonna swing.”
(Bobby Keys, 2012)
  
         De todos os riffs de guitarra que fizeram a história do Rock, nenhum me traz tamanha excitação quanto de “Brown Sugar”, dos Rolling Stones. Quando vejo Keith Richards empunhando sua guitarra heroicamente entre suas duas pernas para tocar este clássico, sei que um dos maiores espetáculos do planeta está chegando ao fim e o que o meu nível de adrenalina se aproxima do ápice. Em que momento atingimos o auge da excitação? No segundo em que Bobby Keys inicia o seu solo de sax tenor e deflagra a festa, a orgia e a celebração da liberdade e do corpo e do espírito em meio a uma sociedade que insiste em cercear os limites da alucinação e da sexualidade.

Bobby Keys ao lado de Mick Jagger e do guitarrista Mick Taylor durante a lendária STP (Stones' Touring Party), turnê do álbum Exile on Main St., que varreu o Hemisfério Norte durante o verão de 1972. Ao fundo: Charlie Watts, o baterista dos Rolling Stones.


         Bobby Keys não foi apenas um músico convidado pelos Rolling Stones: ele foi um dos autores das marcas registradas mais queridas pelos fãs do grupo inglês. O solo de “Brown Sugar” é apenas um mero exemplo da extensa e significativa contribuição que Bobby deu para a música dos Stones. Sua participação nos discos gravados durante o período de ouro da banda (1969-1974), além de outras gravações avulsas, ajudou Jagger & Richards a definirem as novas direções a serem seguidas pelo som da banda. Exile on Main St. (1972) não seria a obra-prima que é sem os metais capitaneados por Bobby e Jim Price.
         É por isso tudo que os membros e fãs dos Rolling Stones receberam com imensa tristeza a notícia de que Bobby Keys tinha morrido por consequência de uma cirrose aos 70 anos de idade no dia 2 de Dezembro de 2014. O impacto da perda de Bobby é tão profundo quanto a morte de Ian Stewart em meados dos anos 1980, visto que, além da amizade e da parceria, trata-se de um músico que definiu uma bela parte da identidade do som dos Stones.

Bobby ao lado de John Lennon durante as gravações do álbum Walls & Bridges (1974), do ex-Beatle.

Keith & Bobby nos anos 1970
         Nascido no Estado do Texas em 18 de Dezembro de 1943 – na mesmíssima data em que nascera seu melhor amigo, Keith Richards –, Robert Henry Keys foi um músico profissional por mais de 50 anos. Tocou com outros mestres do Rock & Roll como John Lennon, Elton John, George Harrison, Eric Clapton, Joe Cocker, Lynyrd Skynyrd, Buddy Holly, Ringo Starr, B. B. King, além de ter participado de discos de Keith Moon, Sheryl Crow, Carly Simon, Dr. John, Yoko Ono, Donovan, Barbra Streisand, dentre outros. No entanto, sua passagem para a posteridade foi garantida pela sólida parceria que manteve com os Rolling Stones desde 1969.

Keith & Bobby nos anos 1980
Keith & Bobby nos anos 2000

Nota escrita por Keith Richards 

na ocasião do falecimento de seu melhor amigo.


         Para que não nos esqueçamos da importância de seu legado, fizemos um Top 10 com as melhores que Bobby gravou com Mick Jagger, Keith Richards e cia...

10) “Dance, Pt. I” (1980)  
         A faixa que abre o álbum que os Rolling Stones lançaram em 1980, Emotional Rescue, é uma das parcerias bissextas entre Mick, Keith e o guitarrista Ron Wood. Enquanto Richards ainda vivia os percalços das prisões e das audiências na justiça por conta do vício e posse de heroína, Jagger passou a dar as cartas em relação aos rumos que as pedras deveriam rolar. Seguindo o embalo do sucesso de Some Girls (1978), o frontman dos Stones busca repetir a experiência de “Miss You”, sem conseguir o retorno esperado. Os metais de “Dance, Pt. 1”, que se destacam no minuto final desta faixa, tornam esta composição ainda mais dançante.


9) “Loving Cup” (1972) 
         A nona faixa da obra-prima dos Stones, Exile on Main St., é um dos lados B mais cultuados da discografia da banda – em 2006, uma regravação deste clássico foi feita com a participação do cantor e guitarrista Jack White. A versão original de “Loving Cup”, de 1971, não possuía o arranjo de metais de Bobby e Jim Price, ao contrário da versão que figura no disco lançado no ano seguinte. A “Loving Cup” de Exile..., graças a Bobby e Price, é muito mais Soul (portanto, mais dramática!) e permitiu que Mick Jagger, Keith Richards, Bill Wyman, Mick Taylor e Charlie Watts alçassem voos inesperados em relação ao som que a banda estava produzindo naquela época...


8) “Rocks Off” (1972) 
         A faixa que abre Exile... relata experiências típicas do universo dos Rolling Stones: tesão, atração, fissura, obsessão sexual... Os riffs e acordes desconcertantes das guitarras de Richards e Taylor, a argamassa de Wyman e Watts e o piano de Nicky Hopkins que compõem a argamassa da batida dos Stones se juntam à brass section encorpada de Bobby Keys e Jim Price para que os vocais indefectíveis de Jagger conseguissem alcançar a estridência suficiente para pegar o ouvinte da obra-prima da banda a partir do primeiro minuto. Em suma: “Rocks Off” foi o primeiro capítulo de um álbum se transformou em um item obrigatório na coleção de qualquer amante do Rock & Roll!



7) “Rip this Joint” (1972) 
         A segunda faixa de Exile on Main St... é um dos petardos mais indigestos de toda a obra dos Rolling Stones. A batida e os riffs de “Rip this Joint” são diluídos através dos gritos de Mick Jagger e entrecortados por dois solos demolidores de Bobby Keys. Um detalhe relevante sobre esta canção: os próprios Stones tocaram esta em poucas turnês – até onde sabemos, “Joint” só foi apresentada nas turnês Exile... e Voodoo Lounge.



6) “All About You” (1980) 
         Canção que encerra o controvertido álbum Emotional Rescue e pertence à lavra de Keith Richards. Uma das baladas mais marcantes do grupo, “All About You” é um lamento sofrido de Keith ao amigo Mick Jagger, cuja egolatria se espraiava por limites que levariam os Rolling Stones a uma crise sem precedentes no decorrer de toda a década de 1980. A participação de Bobby Keys nesta faixa oferece um tom mais jazzístico para esta bela criação: seu sax tenor se acentua no decorrer dos 4 minutos desta gravação antológica!


5) “Casino Boogie” (1972) 
         O solo de Bobby Keys para a quarta faixa de Exile... é o diferencial desta gravação. Em meio a lances de dados e as amarras impostas pelo tempo anunciados por Mick Jagger, as guitarras de Keith Richards e Mick Taylor dialogam com o baixo de Bill Wyman e batida jazzística de Charlie Watts e o sax tenor de Bobby com dinamismo de uma partida de Poker.


4) “Sweet Virginia” (1972) 
         Este country composto por Jagger & Richards para Exile on Main St... é uma das faixas mais belas da história da música. A balada percorre territórios desérticos, perpassa episódios de tristeza e solidão e possui um dos solos mais brilhantes da carreira de Bobby Keys.




3) “Live with Me” (1969)
         A longa parceria de Bobby Keys com os Rolling Stones se iniciou com esta faixa, incluída no icônico álbum Let it Bleed (1969). “Live with Me” é um dos cartões-visita dos Stones: defende um estilo de vida anárquico, completamente distinto dos pilares da tradição inglesa – beber o chá das cinco ás três da tarde, enfileirar-se para utilizar o banheiro às 7h35 em uma casa que necessitaria desesperadamente de um “toque feminino” para recobrar os valores da moral e dos bons costumes, são alguns dos vários manifestos de libertação que as pedras rolantes defendiam em face ao conservadorismo da Inglaterra do final da década de 1960.a participação de Bobby anuncia, através de seus acordes dissonantes e com um volume estridente, um caos reinante defendido por Mick, Keith e cia.



2) “Can’t You Hear Me Knocking?(1971) 
         A quarta canção de Sticky Fingers (1971) ocupa pouco mais de sete minutos do álbum e, originalmente, não era para ter sido a jam session na qual se tornou se Mick Taylor e Bobby Keys não tivessem contribuído com seus improvisos para esta gravação. O solo de Bobby, juntamente com o de Taylor, propõe uma atmosfera hipnótica a partir da bateria de Charlie Watts e das congas de Rocky Dijon após Jagger ter literalmente berrado suas obsessões em forma de canção e de Keith ter criado mais um de seus riffs antológicos.



1) “Brown Sugar” (1971) 
         Nenhum show dos Rolling Stones pode ser dado por completo se a banda não tocou “Brown Sugar” em algum momento do espetáculo. Este clássico é uma ode à liberdade do corpo e do espírito através da tríplice aliança entre Sexo, Drogas e Rock & Roll. Quando Mick Jagger acabava de cantar o segundo refrão e anunciava: “Bobby!” para que o músico do Texas fizesse seu solo era um momento de verdadeira de verdadeira excitação, pois o solo de sax para esta canção é tão marcante a ponto da mesma sequência de acordes ter que ser repetida à risca em toda apresentação dos Stones desde 1971.




         A contribuição de Bobby Keys para diversas gravações dos Rolling Stones lhe deu um lugar permanente no panteão dos músicos mais importantes de toda a história do Rock & Roll. Seu desaparecimento é um dos golpes mais duros para a banda e para a comunidade musical como um todo. Este texto é uma singela homenagem ao legado de um senhor de 70 anos que nutria uma enorme paixão pela arte que fazia. Que seu corpo possa descansar em paz e sua música faça do nome de Robert Henry Keys uma das referências principais do sax tenor.

Thank you, Bob!


DUAS PARTICIPAÇÕES DE BOBBY KEYS EM DISCOS DE OUTROS ARTISTAS QUE VOCÊ PRECISA OUVIR:

* John Lennon - Whatever Gets You Thru The Night (1974)


* Sheryl Crow - There Goes the Neighborhood (1998)



UMA ENTREVISTA PERDIDA DE BOBBY KEYS À REVISTA ROLLING STONE, DE 2012:
http://www.rollingstone.com/music/features/bobby-keys-the-lost-rolling-stone-interview-20141202 

KEITH RICHARDS RELEMBRA O VELHO AMIGO PARA A REVISTA ROLLING STONE:
http://www.rollingstone.com/music/features/keith-richards-rolling-stones-bobby-keys-20141204?page=2 

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